Vindo do Peru, fiquei impressionado com a beleza das ruínas de Machu Picchu e com a constatação de que os impostos cobrados pelo império inca alcançavam apenas dois meses de trabalho de seus súditos. O guia anunciou esse fato constrangido, mas tranquilizei-o lembrando que, aqui, a carga tributária alcança de quatro a cinco meses de trabalho dos brasileiros. Outra informação relevante é que a carga peruana, segundo dados recentes, é, de fato, metade da brasileira. Só que, enquanto, por lá, o asfalto em Lima é de ótima qualidade; não há lixo nas ruas; as calçadas são lisas; e, mais surpreendentemente ainda, os aeroportos, sob concessão privada, funcionam muito bem, as nossas portas de acesso estão um verdadeiro caos. Isso mostra que o caso brasileiro, de carga muito alta e serviços públicos precários, precisa ser urgentemente repensado. Temo que esse assunto não seja suficientemente discutido nos debates eleitorais, a exemplo do que se tem visto na mídia até o momento da redação deste artigo.
Sabe-se que os “conquistadores peninsulares”, no dizer do guia, destroçaram a nação inca para saquear o ouro e a prata que lá existiam. Mas não chegaram a Machu Picchu, descoberta somente em 1911 por um professor da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, onde, aliás, também estudei, e pude ver peças valiosas em exibição no Peabody Museum, de New Haven, Ct.
O ouro e a prata do Brasil de hoje são exatamente a altíssima capacidade de pagar impostos, a cuja cobrança a sociedade vem, contudo, demonstrando cada vez maior repúdio (vejam as pesquisas do Instituto Análise, de Alberto Almeida). Devido ao alto peso dos impostos indiretos (PIS, Cofins, IPI, ICMS etc.), a carga brasileira incide mais sobre os mais pobres, que enfrentam – no mesmo pé que os mais ricos, mas com renda bem mais baixa – os impostos já embutidos nos preços dos produtos. Do final dos anos sessenta até o início dos anos noventa, a carga tributária global do Brasil oscilava ao redor de 25% do PIB. Desde o Real, vem subindo sistematicamente até atingir cerca de 35% do PIB no ano passado, ou seja, nesse curto espaço terá aumentado dez pontos de porcentagem do PIB, o que equivale a R$320 bilhões por ano.
O que explica fundamentalmente a alta carga do Brasil é a intensa caça aos subsídios governamentais, que vêm de todos os lados. Se olharmos as contas públicas em todas as suas ramificações com uma boa lupa, detectaremos altos subsídios na conta de juros líquidos, apurada mensalmente pelo Banco Central, onde pontificam os novos subsídios dos empréstimos do BNDES e a brutal acumulação de reservas internacionais, ambos financiados com títulos públicos. Há, obviamente, o orçamento convencional, e também o dos demais entes onde o setor público tem forte participação financeira ou decisória (como no caso dos fundos de pensão ligados a empresas estatais). Por trás de tudo, está a ação de muitos “cupins da República”, na expressão do prof. Isaías Coelho, da FGV-SP.
Os cupins seriam benignos, se houvesse um plano de ação prévio discutido com a sociedade, onde, inclusive, se provasse que a intervenção estatal tem sólidas razões para existir. Nada disso há, e o pior é que a qualidade de muitos dos gastos que são feitos nas administrações públicas é altamente discutível.
No gasto de pessoal, os salários dos servidores têm crescido bem acima dos de carreiras equivalentes no setor privado. Há servidores em quantidade bem acima das necessidades. Esses mesmos servidores prestam serviços, em educação e saúde, de qualidade abaixo da média internacional. O ensino universitário público gratuito é um tabu que precisa ser efetivamente enfrentado. A despesa previdenciária é quatro vezes mais alta do que a de países com coeficientes de idosos parecidos. A despesa assistencial não está focada nos efetivamente mais pobres.
Em essência, o Brasil gasta muito e gasta mal. A sociedade não sabe quanto se gasta direito, por quê, para quê (que resultados se pretendem atingir? Estão sendo atingidos?), e quem, de fato, está pagando a conta. Isso não é culpa de nenhum governo em particular: é de todos os governos.
O pior é que quanto mais alto o gasto – especialmente o gasto corrente -, e, portanto, maior a carga tributária, menor o espaço para os investimentos públicos e privados, e, por consequência, menor a taxa de crescimento da economia. Falta investimento público em infraestrutura e em outras áreas onde ele é imprescindível, e falta investimento privado em geral. Dizer que a economia vai crescer a taxas próximas das chinesas é um acinte.
Consta que milhares de peruanos (além dos próprios brasileiros espalhados nos quatro cantos do nosso gigantesco país e dos fanáticos por futebol de várias outras regiões) estão se preparando para invadir o Brasil na Copa de 2014. Temo, contudo, que nossa provável incapacidade de recuperar em tempo a combalida infraestrutura de transportes e hoteleira traga surpresas desagradáveis, caso em que a saída será mesmo ver os jogos na TV.
Fonte: Jornal “O Globo” – 09/08/10
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