Já foram enterrados R$ 348 milhões, desde 2014, numa obra inacabada que reforçou a alcunha de “estrada da morte” ao trecho da BR-493 entre Manilha e Magé. Sob responsabilidade do governo federal, é uma parte esquecida do Arco Metropolitano do Rio, que deveria ser duplicada. Mas, apesar de ser uma das principais alternativas à Ponte Rio-Niterói, com tráfego pesado de caminhões, tem 25 quilômetros de completo descalabro, que expõem motoristas e moradores do entorno ao perigo. Virou uma rota de buracos, desvios mal sinalizados e dezenas de estruturas abandonadas à beira da pista — obstáculos que espalham pela região histórias de acidentes e vidas perdidas.
— Aqui, se você não foi vítima de uma batida ou de um atropelamento, conhece alguém que foi. Recentemente, uma amiga morreu numa colisão de moto. A estrada já era ruim antes das obras. Piorou muito quando largaram tudo pelo caminho — diz a dona de casa Ana Paula Paiva, moradora de Itambi, em Itaboraí.
Diariamente, ela precisa cruzar as pistas com os filhos pequenos para levá-los à escola. Os dois meninos estudam num colégio às margens da rodovia, atrás de prédios do Minha Casa Minha Vida, também inacabados. A travessia é por um retorno improvisado, por onde passam carros e ônibus. E ocorre diante de um dos três viadutos da BR-493 que começaram a ser construídos, mas que hoje estão tomados por arbustos e pontas de vergalhões enferrujados.
Cenários assim, que combinam riscos e desperdício de recursos públicos, repetem-se por toda a extensão da estrada, cuja duplicação deveria ter ficado pronta em fevereiro de 2018. Só pontes, são sete não concluídas. Quase todas acabam no mato, porque, em suas cabeceiras, as pistas não foram pavimentadas. Próximo à APA de Guapimirim, numa área cercada por brejais, chegou a ser feito um aterro para que o novo asfalto ficasse elevado em relação às faixas antigas. Parou por aí. Agora, quando chove, a terra desce para a pista original, por onde os veículos trafegam — numa mão dupla cada vez mais estreita e arriscada.
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— Foi muito dinheiro jogado fora — diz Washington Paiva, o Russo, um dos líderes locais de um grupo que se mobilizou pela retomada das obras.
Ação do Ministério Público Federal
Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a duplicação — executada pelo consórcio Encalso-Sobrenco- Ctesa-Concresolo — parou no fim do ano passado, por falta de verba. A previsão, afirma o órgão, é que ela seja retomada neste segundo semestre.
A falta de manutenção da via motivou o Ministério Público Federal (MPF) a pedir na Justiça, semana passada, a aplicação de uma multa de R$ 20 mil por dia ao Dnit. Os procuradores querem a realização, ao menos, de intervenções emergenciais, o que vem sendo cobrado desde dezembro.
Não bastassem os perigos, em 2017, com trabalhos ainda em andamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades nas obras. Indicou um sobrepreço de R$ 41 milhões, decorrente de redução do padrão de qualidade da intervenção licitada, e de R$ 14 milhões devido a um reajustamento em desacordo com o contrato.
Enquanto isso, segue o pesadelo de moradores como Russo. Ele trabalha na Escola Municipal José Ferreira, próximo a Itambi. Apenas em frente ao colégio, três pessoas já morreram em acidentes nos últimos meses. Nos 25 quilômetros da estrada, diz ele, já são contabilizadas ao menos 20 mortes.
Engarrafamentos diários
Em protesto, no fim do ano passado, cerca de 3 mil pessoas fecharam a estrada, próximo ao entroncamento com a BR-101, em Manilha. Em junho, o assunto também foi levado a uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
São poucos quilômetros de asfalto prontos. Mas, é tanto descaso que, mesmo neles, há trechos fechados ao trânsito. Perto do bairro Gebara, em Itaboraí, os motoristas trafegam por uma pista auxiliar cheia de crateras. O asfalto novo fica vazio, com passagem impedida por blocos de concreto. Sem carros, é por onde o eletricista Thiago Leon circula de bicicleta.
— Antes, eu pedalava pelo acostamento. Mas os caminhões quase passam por cima da gente — diz ele, que conta que a interrupção das obras agravou os engarrafamentos na via. — Sempre na hora do rush, são filas de caminhões. Apesar disso, o Dnit só vem aqui, limpa a grama às margens da rodovia, faz um serviço ou outro de tapa-buraco e vai embora.
À noite, mais um medo surge no caminho. Com as pistas escuras, é facilitada a ação de bandidos. São essas ameaças que mudam a rotina de quem vive perto, como a estudante Caroline Marques, de 20 anos:
— Hoje nem saio de casa quando a tarde cai. Não há iluminação alguma na estrada. Multiplicaram-se os assaltos.
Primeiro contrato assinado em 2010
A novela da duplicação da BR-493 entre Magé e Manilha (Itaboraí) já dura quase uma década. O primeiro contrato foi assinado em 2010, mas acabou suspenso, por falta de material para as obras, questões ambientais e a descoberta de sambaquis no traçado. Foi necessária uma segunda licitação, e as intervenções já começaram atrasadas, em 2014, mesmo ano da inauguração de outro trecho do Arco Metropolitano: uma estrada construída entre a BR-040 e o Porto de Sepetiba, ligando Duque de Caxias e Itaguaí, hoje em estado de abandono.
No projeto de duplicação lançado pelo Dnit, o órgão ressaltava que a via, conhecida também como Estrada do Contorno, é uma das mais importantes do Rio. “Esta rodovia possibilita a conexão entre a BR-101, que passa pelos municípios do Norte do estado, e a BR-116, que se destina ao Sul do estado, atravessando os municípios da Baixada Fluminense e a capital”, afirmava o documento. Além disso, a via é um dos acessos ao Complexo Petroquímico de Itaboraí (Comperj).
Em valores atuais, diz o Dnit, o contrato para as obras é de cerca de R$ 509,5 milhões. Segundo dados do Portal da Transparência da União, foram gastos R$ 348 milhões na adequação do trecho. O Dnit, porém, informa um montante menor, de R$290,4 milhões.
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A despeito das más condições, o departamento afirma que executa obras de manutenção da rodovia, num contrato com a empresa Macadama. Entre os serviços realizados, estão tapa-buraco e sinalização preventiva.
Na outra parte da BR-493 que integra o Arco, são 72 quilômetros, que custaram aproximadamente R$ 2 bilhões, sob suspeita de superfaturamento nas investigações da Lava-Jato. Há cerca de oito meses o estado devolveu a administração do trecho para a União. Nele, é grave a situação da segurança, com roubos de carga e assaltos constantes.
Fonte: “O Globo”