A liberação de R$ 42 bilhões para saque das contas de FGTS num momento em que a tendência é de melhora dos índices de confiança em razão do bom andamento da reforma da Previdência, que já foi aprovada em primeiro turno na Câmara, pode ser o início de um ciclo virtuoso da economia e impulsionar o crescimento da atividade em 2020.
O efeito desses recursos, segundo o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otávio Leal, seria semelhante ao que ocorreu em 2017, no governo Temer, quando a liberação de R$ 44 bilhões das contas inativas de FGTS impulsionou o consumo das famílias e ajudou consideravelmente o Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano voltar a crescer, 1%, depois de dois anos consecutivos de resultados negativos.
— A diferença é que, agora, quando esses recursos forem liberados, a reforma já dever ter sido aprovada, e isso vai criar um ciclo virtuoso. As pessoas estarão mais confiantes na melhora da economia, usarão os recursos para comprar ou quitar dívida contraída no passado para se liberar para novas compras. Isso vai impulsionar o setor produtivo, e a confiança tende aumentar ainda mais — diz Leal.
Ele acredita que já pode haver efeito positivo no resultado do PIB do último trimestre, o que vai melhorar o carregamento estatístico para o resultado da atividade no ano que vem. Ou seja, assim, a economia teria de fazer um esforço menor em 2020 para crescer mais do que em 2019, quando o mercado projeta alta de apenas 0,81%, de acordo com o mais recente Boletim Focus do Banco Central.
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— Esses recursos podem melhorar as projeções para o PIB de 2020, que esta semana caíram de alta de 2,2% para 2,1%. Se forem liberados logo, em setembro as estimativas para expansão da atividade no ano que vem já podem chegar a 2,5% — afirma.
Na leitura de Ricardo Macedo, coordenador de Economia do Ibmec/RJ, a liberação dos recursos não teria grande impacto para elevar as projeções de crescimento do PIB de 2019. Ele entende que esta medida tem como objetivo ajudar as pessoas com menor poder aquisitivo a organizar suas finanças:
— De acordo com as regras que estão sendo divulgadas, quem tem menos dinheiro na conta terá direito a um saque maior. Sendo assim, a liberação dará fôlego, financeiramente falando, para a camada da sociedade que mais precisa — explica Macedo.
Leal também observa que, hoje, os juros são mais baixos do que em 2017. Então, as pessoas endividadas terão a oportunidade de renegociar a dívida antiga, fazendo uso de taxas mais baixas do que quando foi contraída.
O volume de consumidores inadimplentes, que não pagaram suas contas, cresceu 9% no primeiro semestre de 2019, na comparação com o final do ano passado. Segundo a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), é a segunda menor variação nos atrasos, desde 2012, quando a inadimplência havia crescido 5,8% no primeiro semestre. Mas o número de pessoas com atraso nas contas e dificuldade de voltar ao mercado de crédito ainda é muito elevado. Até abril deste ano, eram 62,6 milhões de pessoas nessa situação, o que representa quase 41% da população adulta.
— Digamos que nem todo esse dinheiro que será liberado poderá se reverter em consumo, mas, uma vez que a pessoa use esse dinheiro para abater dívida antiga ou fazer uma mais barata, pode voltar a comprar. É uma situação parecida com a de 2017, quando a inadimplência também era alta. Mas este ano, quando esses recursos forem liberados, a reforma da Previdência já terá saído da nossa frente. Então, a retomada da economia não será um voo de galinha — diz Leal.
O professor Roy Martelanc, coordenador de projetos da Fundação Instituto de Administração (FIA), disse que, para este ano, é provável que a injeção dos recursos do FGTS no PIB representem um impacto positivo de 0,5% na economia, considerando que R$ 21 bilhões entrarão em circulação neste ano. Ele pondera, entretanto, que a partir de 2020 que os números tendem a mostrar uma melhora mais significativa:
— Para o próximo ano, além do residual do FGTS, teremos a esteira do que virá com a reforma da Previdência. O saque das contas tem um efeito limitado. Para que o crescimento da economia se sustente, é preciso que as reformas sejam feitas e que os investimentos voltem a ser feitos no país.
Visão menos otimista
Sergio Vale, economista-chefe do MB Associados, é menos otimista com o possível impacto da liberação do FGTS na economia. Ele diz que ele não deve passar de 0,1 ponto percentual, diluído entre este ano e o próximo.
— O lado positivo é que a medida está acontecendo em um momento de recuperação mais efetiva, diferente de 2017, quando estávamos no auge do escândalo do Joesley (Batista, então diretor executivo da JBS) — disse Vale.
Ele também acredita que parte desse dinheiro deve ir mais para consumo do que pagamento de dívida, situação que era mais crítica em 2017:
— Esse movimento ajuda na confiança em conjunto com os outros elementos de reforma do semestre que ajudam a compor um segundo semestre melhor. Acho que o mais relevante foi a possibilidade de ter uma agenda econômica comandada pelo Rodrigo Maia e assessorada pelo Guedes, já que o presidente não tem muito apreço pela pauta econômica. Esse arranjo tende a ser um equilíbrio, mesmo que precário, que ajudará mais na retomada da confiança e do investimento do que o próprio FGTS — conclui o chefe da MB Associados.
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Roberto Secemski, economista para Brasil do Barclays, disse que a liberação do FGTS tem efeito positivo no consumo no curto prazo, mas uma melhora consistente do crescimento no longo prazo depende de reformas estruturais, como mudanças tributárias e microeconômicas que aumentem a produtividade.
Luiz Roberto Cunha, professor de Economia da PUC-Rio, acredita que a liberação deste dinheiro no máximo garantiria que as projeções para o PIB de 2019 não cedessem ainda mais. De acordo com o Focus, a projeção já cai há 20 semanas.
— Avalio que, no curto prazo, a medida contribui para que o PIB não caia mais e termine o ano próximo a 1%.
Na vida do brasileiro, o professor também acredita que a liberação do FGTS vai contribuir para que as famílias reduzam as dívidas e que consigam ter mais fôlego para consumir.
Fonte: “O Globo”