Na semana em que a Câmara dos Deputados retoma a reforma da Previdência , para a votação em segundo turno, a estratégia do governo para bloquear mudanças no texto será apresentar estudos sobre os gastos elevados com benefícios no Brasil.
Um dos pontos que mais preocupa a equipe econômica é a pensão por morte . No primeiro turno de votação, o tema foi bastante explorado pela oposição, que defende que o benefício não possa ser inferior a um salário mínimo.
Durante as discussões em plenário, o governo vai apresentar estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 36 países. O levantamento mostra que os gastos com pensão por morte no Brasil correspondem a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB), sem considerar as Forças Armadas. É o maior índice entre os países analisados. A média na OCDE para esse tipo de benefício é de 1%.
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O Brasil gasta mais com pensão até mesmo que países com população idosa, como Itália e Grécia, em que essas despesas equivalem a 2,6% do PIB. Na comparação com países de perfil demográfico semelhante ao do Brasil, a diferença é ainda maior. No Chile, os gastos com pensão representam 0,9% do PIB; na Colômbia, 0,4%; e no México, apenas 0,2%.
Despesas crescentes
O estudo revela ainda que os gastos do Brasil com pensões representam 44% das despesas com aposentadorias, enquanto a média na OCDE é de apenas 13%. Além disso, em cada cem aposentados brasileiros, 46 são pensionistas — número muito acima da média de outros países, de 22 pensionistas.
Para o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Leonardo Rolim, essa discrepância se deve às regras mais benevolentes da pensão no Brasil, como vinculação ao salário mínimo, valor integral e permissão para acumular benefícios. São esses pontos que a reforma pretende atacar.
— O Brasil gasta mais com pensão do que qualquer outro país. É medalha de ouro — afirmou Rolim.
De acordo com dados da secretaria, entre 2000 e 2018 os gastos com pensão cresceram nove vezes, saltando de R$ 15,3 bilhões para R$ 135,2 bilhões. Nesse período, as despesas com esse benefício passaram de 1,3% para 2% do PIB. O texto aprovado pelo plenário da Câmara em primeiro turno vai assegurar ao governo uma economia de R$ 139,3 bilhões em dez anos.
E, mesmo que com a mudança no pagamento de pensões, essa despesa continuará subindo. A projeção é que, em dez anos, haja um aumento real no gasto com pensões de R$ 113,1 bilhões.
A reforma prevê a redução do valor da pensão da viúva ou viúvo, hoje integral, para 60%, mais 10% por dependente. Com isso, o benefício poderá ser inferior a um salário mínimo (R$ 998). Se a pensão for a única fonte de renda formal da viúva, o valor continua atrelado ao piso nacional. Um dos argumentos do governo para defender a proposta é que, nos países da OCDE, o valor da pensão corresponde, em média, a 56% do benefício.
Outro ponto que também preocupa o governo diz respeito a uma possível mudança na regra de cálculo da aposentadoria. A reforma prevê o cálculo com base na média de todas as contribuições feitas pelos trabalhadores para o sistema. Os partidos da oposição querem manter a fórmula atual, mais vantajosa, pois considera 80% das maiores contribuições, descartando as 20% menores. Essa alteração terá impacto de R$ 186,9 bilhões em dez anos.
Trabalho com líderes
O governo pretende trabalhar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com líderes dos partidos que apoiam a reforma para repetir o placar do primeiro turno, de 379 votos a favor e 131 contra. Isso vai exigir a presença de mais de 500 dos 513 deputados no plenário. São necessários 308 votos favoráveis para a proposta avançar.
Depois de aprovado o texto principal em segundo turno, os deputados vão analisar os destaques. Essa é a parte mais tensa para quem apoia a reforma. No segundo turno, são analisados apenas destaques que pretendem retirar pontos da proposta. Nesse caso, o governo precisa de 308 votos em cada destaque para manter o texto-base, que renderá ao governo uma economia de R$ 933,5 bilhões.
Para evitar sustos durante a votação, os técnicos que cuidam da reforma foram escalados para dar expediente na Câmara. Segundo o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, a estratégia inclui tentar evitar que as discussões se alonguem:
— Vamos ficar atentos, conversar com líderes dos partidos e bancadas. A ideia é evitar discussões muito demoradas.
Partidos que fazem parte do centrão mantêm a bandeira da reforma como uma iniciativa do Congresso e não do governo. Para o líder do Podemos, deputado José Nelto (GO), quem votou no primeiro turno não pode mudar de lado:
— Senão, pega mal para o deputado.
O líder do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), garante que a legenda vai repetir os 34 votos a favor da reforma no primeiro turno:
— Não haverá mudança de voto dentro do MDB.
Oposição tentará obstruir
Já a líder da minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), disse que a oposição vai tentar obstruir a votação e apresentar os nove destaques a que os partidos têm direito. Entre eles, propostas para mudar a regra da pensão e a fórmula de cálculo da aposentadoria.
O líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que os parlamentares contrários à reforma da Previdência irão insistir na aprovação de dois destaques para alterar trechos da proposta. Um deles pretende manter o piso de um salário mínimo para pensões de viúvas. Outro quer permitir que quem trabalhou por um mês em um serviço intermitente (por exemplo, não cumpriu as oito horas diárias) possa contar esse período como tempo de serviço.
— Nosso foco no segundo turno vai ser tirar as maiores crueldades do texto. O principal objetivo é garantir o piso de um salário mínimo para as viúvas. Mas a gente acha que tem chance de aprovar os dois destaques — disse Molon.
A expectativa é que o texto siga para o Senado já no fim desta semana. Os senadores terão até 30 dias para analisar a proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Entretanto, técnicos da secretaria-geral da Casa explicam que é comum, quando há maioria, as discussões serem resolvidas mais rapidamente.
Na CCJ, o texto pode receber emendas. Depois, segue para votação em primeiro e segundo turnos. Aprovada nos dois turnos, a PEC é promulgada em sessão do Congresso.
A inclusão de estados e municípios seria desmembrada em uma nova proposta, a chamada PEC paralela. Só esse texto retornaria à Câmara.
Fonte: “O Globo”