Qual será o tamanho da crise? Eis a questão diante de líderes internacionais, empresariais e investidores do mundo todo. O sacolejo nas bolsas de valores desta semana acendeu a luz amarela. Os agentes econômicos começam a se preparar para o sinal vermelho.
O pano de fundo é o redesenho dos fluxos globais de comércio e capital, consequência da guerra tarifária e cambial deflagrada pelos Estados Unidos contra a China. Não se sabe ainda que mundo emergirá dos escombros da relação que tem sustentado a economia global há duas décadas e permitiu a recuperação depois da crise de 2008.
Do lado americano, tudo dependerá da eleição do ano que vem. A reeleição de Donald Trump, apesar de seus instintos protecionistas e mercantilistas, é vista com menos apreensão do que a ascensão ao poder de um nome ligado à ala mais radical do Partido Democrata, como os senadores Bernie Sanders ou Elizabeth Warren. O discurso social de ambos, se implementado, teria consequências dramáticas na dinâmica do capitalismo americano.
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Mas o sinal emitido esta semana pelos investidores também é inequívoco: a política econômica de Trump começa a fazer água. Para manter o nível de atividade e a taxa de desemprego mais baixa da história (3,7%), Trump já cortou quase US$ 2 trilhões de impostos ao longo de dez anos, elevou os gastos públicos em US$ 300 bilhões em 2018 e em mais US$ 320 bilhões neste ano.
As tarifas sobre a importação de produtos chineses, aço e automóveis de outros países trazem custos incontornáveis. Ao contrário do que Trump planejava, o déficit comercial cresceu e atingiu em 2018 o maior nível em dez anos: US$ 875 bilhões (ante US$ 793 bilhões em 2017). Até junho, era de US$ 433 bilhões, também acima dos US$ 421 bilhões registrados no primeiro semestre do ano passado.
É possível que os ventos recessivos antevistos pelo mercado financeiros ainda demorem a surtir efeito eleitoral. Mesmo assim, os riscos são evidentes para qualquer empresário que planeje seus investimentos. Ao risco eleitoral interno, se soma a incerteza no campo externo. Sem o crescimento robusto na China e na Ásia, a quem será possível vender?
Por diferentes motivos, pelo menos nove grandes economias emitem sinais de desaquecimento, segundo um levantamento do Washington Post: Alemanha, Reino Unido, Itália, México, Brasil, Argentina, Rússia, Coreia do Sul e Cingapura. Depois da onda dos emergentes nos anos 1990, da explosão da China e dos Brics no início do século, que novo mercado será capaz de sustentar o crescimento? Não há resposta à vista.
Outro fator que tem interferido nas decisões de investimento é a demografia. A fertilidade em queda (em especial na Europa e nos países ricos) impõe um limite físico ao crescimento populacional e à força de trabalho futura. O impacto econômico é evidente.
Diante desse quadro incerto, cresce a corrida por ativos tidos como seguros. Não apenas os papeis do Tesouro americano (“treasury bonds”), refúgio clássico para o capital em tempos e incerteza. Mas também metais preciosos como ouro e até mesmo notas de cem dólares, pelas quais a procura tem disparado.
A China, fornecedora de mercado consumidor e poupança para sustentar a dívida pública americana nas últimas duas décadas, enfrenta problemas mais urgentes. A rebelião que tomou conta de Hong Kong impõe um dilema ao regime autoritário do Partido Comunista Chinês.
Num momento de crescimento em queda, o líder Xi Jinping perde força para arcar com o custo político decorrente uma repressão nos moldes da lançada sobre os protestos da Praça da Paz Celestial, em junho de 1989. O risco pode ser ainda maior se puser em marcha um programa de abertura, como de Mikhail Gorbachev na antiga União Soviética: o colapso do sistema. A decisão de XI sobre Hong Kong definirá o futuro político da China nos próximos meses: recrudescimento ou abertura.
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A reação chinesa a Trump tem dois componentes. No curto prazo, ela se dá no plano financeiro, com a desvalorização cambial e a resistência a continuar financiando o endividamento público do governo americano. No médio e no longo, envolve um programa trillionário de investimentos em infra-estrutura na Europa, no Oriente Médio, na África e até na América Latina, conhecida como Nova Rota da Seda ou Iniciativa Cinturão e Estrada (BRI). O objetivo é criar uma rede de interesses que funcione como anteparo ao afastamento dos Estados Unidos.
O mergulho global que se avizinha tem, portanto, uma característica distinta das crises sucessivas que tomaram conta dos mercados financeiros nos anos 1990. Trata-se não apenas de uma crise de natureza econômica ou financeira, mas do último capítulo da implosão de 2008, um capítulo geopolítico, cujas implicações prometem redesenhar completamente o mapa do poder planetário.
Fonte: “G1”, 16/08/2019