Em artigo famoso, de 1970, (A responsabilidade social dos negócios é aumentar seus lucros), Milton Friedman argumentou que, como funcionários dos acionistas de uma empresa, os executivos (CEOs) deveriam sempre conduzir os negócios de acordo com os interesses dos acionistas, o que geralmente significa ganhar o máximo possível, dentro das regras básicas da empresa e da sociedade, tanto aquelas incorporados na lei quanto as encarnadas nas normas informais (ética). O artigo foi escrito numa época em que pipocavam as ideias intervencionistas e de extrema regulação das empresas pelos governos, com vista à incorporação, pela lei americana, de uma teoria tão fluida quanto oca: “A Responsabilidade Social Corporativa”.
O artigo rapidamente se transformou numa referência contra as idéias malucas de tentar transformar, pela lei, as empresas em agentes da “justiça social”, e dominou, pelo menos nos Estados Unidos, o pensamento legal, econômico e gerencial sobre o que deveria fundamentar as tomadas de decisões nas empresas, desde então.
Na semana passada, a “Business Roundtable”, uma organização composta por cerca de 200 executivos-chefes, que inclui os diretores de algumas das maiores empresas do mundo, divulgou uma “Declaração sobre os propósitos de uma corporação.”
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Os chefes da Apple, Amazon, Walmart, JP Morgan Chase e outros gigantes do capitalismo do século 21 puseram suas assinaturas numa espécie de ‘carta compromisso’ segundo a qual “enquanto cada uma de nossas empresas atende ao seu próprio propósito corporativo, nós compartilhamos um compromisso fundamental com todo o nosso ‘público estratégico’ (satakeholders)”. Na carta, o grupo de CEOs se comprometeu com alguns truísmos, tais como: “agregar valor aos nossos clientes … investir em nossos funcionários … lidar de maneira justa e ética com nossos fornecedores … apoiar as comunidades nas quais trabalhamos ‘enquanto’ geramos valor de longo prazo para os acionistas, que fornecem o capital que permite às empresas investir, crescer e inovar”.
A declaração foi amplamente divulgada pela imprensa americana e mundial e tratada por analistas apressados como um afastamento radical da teoria de Friedman. Segundo algumas leituras apressadas, estaríamos diante da eclosão de um novo paradigma capitalista. A realidade, entretanto, é que nada naquele manifesto de intenções contradiz o argumento original de Friedman.
Como qualquer CEO de sucesso sabe, entregar valor de longo prazo para os acionistas muitas vezes significará respeitar e aderir aos interesses de outras partes interessadas. Pergunto: Uma empresa pode ir longe sem pensar nos interesses de seus clientes? Sem contratar, treinar e pagar bem aos funcionários de que precisa para inovar e crescer? Pode obter bons lucros, sem estabelecer uma parceria duradoura com fornecedores? Sem tratar bem da comunidade à sua volta?
Os trade-offs às vezes serão inevitáveis, claro, mas isso não significa que o interesse do acionista e o interesse social sejam objetivos mutuamente excludentes. Pelo contrário, buscar maximizar lucros é muitas vezes melhor caminho para melhorar o ambiente social. Para que a carta dos CEOs significasse outra coisa, seus autores teriam de argumentar que, num eventual conflito entre os interesses dos acionistas e os interesses de outras partes interessadas, os tomadores de decisão deveriam escolher a segunda opção. Porém, em nenhum lugar, eles defendem isso. Em nenhum ponto de sua carta, os CEOs sugerem enfraquecer o dever primário com seus patrões – os acionistas -, ainda que estes tenham sido colocados no último lugar da sua lista de compromissos. Tampouco pediram ou sugeriram mudanças na legislação que rege o direito empresarial no país.
O ponto principal é que pouca coisa vai mudar. E a razão é simples: CEOs corporativos não querem perder seus empregos. Não por acaso, o Conselho de Investidores Institucionais tratou logo de colocar logo os pingos nos is, ao afirmar, de modo categórico, que os conselhos e gerentes precisam manter um foco na geração de valor para o acionista. Para isso, é essencial respeitar todas as partes envolvidas, porém sempre priorizando a responsabilidade e a lealdade com os proprietários da empresa. Com isso em vista, a carta dos CEOs mais parece uma peça de marketing do que a introdução de um novo paradigma capitalista.
Ademais, como bem resumiu Don Boudreaux, incorporando a sabedoria de Bastiat, a irônica realidade é que, quando as empresas respondem aos preços de mercado de forma a maximizar os valores das ações, elas geralmente promovem o bem-estar de um número muito maior de interessados do que quando descartam a importância da maximização dos lucros dos acionistas para promover intencionalmente o ‘bem-estar de terceiros’. A razão é bastante prática: o leque de pessoas afetadas pelas decisões de cada empresa se estende muito além dos personagens conhecidos – consumidores, trabalhadores e cidadãos distantes no espaço e
no tempo.
Suponha, por exemplo, que as empresas sacrifiquem intencionalmente parte dos lucros, a fim de promover o bem-estar dos trabalhadores americanos, recusando-se a comprar insumos do exterior. Podemos ver e nos sentirmos felizes pelos trabalhadores que assim mantêm seus empregos. Mas e os consumidores que, como resultado dessa solicitude com alguns trabalhadores, devem pagar preços mais altos pelos produtos? E as empresas e os trabalhadores que, porque aqueles consumidores reduzirão seus gastos com alguns bens e serviços, irão à falência e perderão seus empregos? E as empresas que perderão vendas e os trabalhadores que perderão emprego porque, como os estrangeiros que agora faturam menos dólares para abastecer os americanos com seus produtos, têm menos dólares para gastar com as exportações americanas? E quanto aos consumidores de amanhã que, porque as empresas de hoje operam intencionalmente com menos eficiência, terão acesso a menos bens e serviços ou a bens e serviços de menor qualidade? E os trabalhadores amanhã que – também como resultado de empresas que hoje operam ineficientemente – receberão salários menores?
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Como ensinou Adam Smith, mercados competitivos – e os preços e salários deles resultantes – fazem com que as empresas, ainda que não intencionalmente, promovam o bem-estar de um número muito maior de pessoas – muitas delas talvez ainda não nascidas – do que se tivessem essa meta intencionalmente.
Uma abordagem diferente desta não seria apenas uma má notícia para os acionistas, mas também para todo o resto da sociedade, pois provavelmente acabaria com o dinamismo tão essencial para uma sociedade capitalista bem-sucedida.