Difícil concatenar as ideias, ser o mais isento possível, no esforço de tentar compreender o governo atual, o presidente Jair Bolsonaro. Ele, que bancou uma agenda conservadora, extremamente contrária à tudo que vivenciamos nos últimos 16 anos de ciclo petista. Muitos dizem que se este ciclo não tivesse sido o desastre que foi, com várias intervenções na vida dos cidadãos e casos de corrupção, talvez o “fenômeno Bolsonaro” se esvaziasse com o tempo. Talvez, ele não tivesse sido eleito. Difícil fazer este prognóstico.
Vários acontecimentos serviram para alçá-lo ao mais elevado posto da nação. Poderíamos considerar a facada em Juiz de Fora, que o elevou a “mártir”, assim como o tirou de combate por algumas semanas, livrando-o dos debates, decisivos numa disputa majoritária e equilibrada. Citemos também a forte influência da rede social, o que tornou sua campanha extremamente barata, sem a “caixa dois” vergonhosa de outras épocas. Claro que estes fatores, somente, não explicam a eleição e o “fenômeno Bolsonaro”. Com certeza, sua eleição representou uma ruptura com a estrutura corporativista e corrupta existente, montada, ou reforçada, no ciclo petista.
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Por outro lado, seu revanchismo e permanente rancor com o passado petista, em alguns momentos, mais atrapalha do que ajuda na sua governabilidade. Impressionante como o presidente se movimenta de forma desastrada, mais alimentando intrigas e discórdias, do que harmonias e consensos. A cada parada no tal “quebra queixo”, no alvorecer do Palácio do Planalto, em contato com os jornalistas, novas declarações polêmicas. Depois, é um Deus nos acuda no esforço de apagar estes incêndios. Isso acaba resultando em mais volatilidade nos mercados, na bolsa, volume concentrando na ponta vendedora, dólar disparando, investidores externos se reposicionando.
Impressionante isso. Pior é ver como “prensa” reverbera (explora) cada declaração desastrada do presidente. Boa parte das crises que vivemos vem destas declarações desencontradas. Vão de críticas do presidente ao diretor do INPE, Ricardo Galvão, passando pelas estocadas na questão ambiental, piadas sexistas e bobas, relação tensa com Emmanuel Macron, presidente da França, só para lembrar as mais recentes. Não poderíamos esquecer também da “fritura” contra o ministro da Justiça Sergio Moro. Muitos acham que ele pode ser um candidato forte em 2022. Outros, que Bolso está tentando blindar o seu 01, Flavio Bolsonaro, havendo reação do presidente a isso.
O fato é que Sergio Moro abandonou 22 anos de magistratura para ingressar num projeto de moralização do País, numa esfera de governo. Achou que, politicamente, ganharia mais espaço de manobra, teria mais poder. Nos últimos tempos, no entanto, vem sendo relegado em várias decisões do Bolsonaro, como na transferência da COAF para o BACEN, remanejamentos de diretores regionais da PF, não reconhecendo ter citado Moro, como nome para o ministro do STF. Mas ele falou disso numa das suas declarações e discursos desastrados.
Moro é uma das personalidades mais importantes deste País, por ter desbaratado o maior esquema de corrupção da história moderna. A Lava Jato é sim um patrimônio dos brasileiros. A atuação dos procuradores da República de Curitiba foi irrepreensível, mesmo com alguns deslizes, normais para uma operação desta dimensão. Moro atuou em retaguarda, respondendo às demandas destes.
Outro evento lamentável foi a atuação deste “jornalista” Gleen Grenward, na margem da lei, obtendo informações ilegais e hackeadas. Se nada for feito, acabará cheio de moral e atos como estes acabarão banalizados. Importante que se diga que nada foi descoberto, talvez algum comentário mais jocoso entre os procuradores, mas nada que denunciasse ou comprometesse as operações da Lava Jato.
Falando da agenda econômica, até que as medidas vão avançando, sendo destaque a aprovação da Reforma da Previdência em relativa folga na Câmara, abrindo espaço para igual aprovação de dois terços em duas votações no Senado. Lembremos que o governo orçou suas contas para 2020, considerando um déficit da Previdência ainda elevado, em torno de R$ 224 bilhões, o que nos leva a concluir que o ajuste do regime de seguridade tende a ser lento nos próximos meses e anos. Chamou atenção também a sinalização de comprometimento das despesas obrigatórias em 96% do total orçado nas despesas totais, algo que “engessa” em muito a execução orçamentária do País. Os investimentos ficaram em R$ 19 bilhões, um pouco acima disso para as despesas remanejáveis. Estas sim, devem continuar a sofrer sanções e ajustes. Ao fim de 2020, para um crescimento de 2,1%, o governo prevê um déficit primário, na margem, mais baixo, de R$ 126 bilhões, ou 1,6% do PIB.
Segue debatida, mesmo que de forma ainda embrionária, a Reforma Tributária, crescendo a possibilidade de se criar um imposto que unifique outros da cadeia produtiva, como o IPI, ISS, etc. Uma hipótese em discussão segue sendo a possibilidade do retorno da CPMF, já rechaçada pelo presidente, mas não descartada pelo ministro Paulo Guedes. Outro tema em discussão é a desvinculação de parte das receitas a determinadas despesas carimbadas. É o chamado Pacto Federativo em discussão pela equipe econômica, no esforço de dar mais responsabilidades e autonomia aos estados e municípios, decentralizando um pouco os recursos “concentrados” na União.
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Sobre o desempenho da economia, observa-se uma retomada mesmo que errática, até porque os ruídos gerados pelos embates entre Bolsonaro e parte da mídia e das esquerdas, turvam o horizonte dos empresários, em compasso de espera. O PIB do segundo trimestre até um desempenho razoável se observou com crescimento de 0,4% contra o trimestre anterior e 1% contra o mesmo do ano passado. Já o desemprego recuou a 11,8% da PEA em agosto, destacando que continua predominando o emprego de baixa qualidade.
Enfim. Continuamos engolfados num LABIRINTO, numa acirrada disputa pelo poder. Isso perdura desde meados de 2014, quando da eleição da Dilma Roussef e não dá para ser muito otimista sobre os próximos meses, visto que o presidente Bolsonaro não parece muito disposto à mudar sua conduta. São sucessivos embates com a esquerda, com os formadores de opinião, trazendo pouca contribuição ao debate. Como sairemos destes quadro? Isso é o que todos se questionam. Vamos acompanhando.