Enquanto o governo federal ensaia uma reforma administrativa e o Senado não bate o martelo sobre a inclusão de estados e municípios nas novas regras previdenciárias — que só aguardam votação em segundo turno na Casa para entrar em vigor —, ao menos quatro governadores correm em paralelo para aprovar nas assembleias ajustes para reduzir o peso da folha de pagamentos e de regimes de aposentadorias em seus combalidos caixas. Os pacotes que começam a ser apresentados propõem mudanças nas contribuições previdenciárias e na estrutura de carreiras e salários de servidores estaduais , mas, para especialistas, enfrentarão forte resistência.
A discussão está avançada particularmente nos estados com finanças mais deterioradas, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. São Paulo termina um diagnóstico para também levar uma proposta ao Legislativo. Já o Rio de Janeiro, mesmo comprometendo mais da metade das receitas com pessoal, diz não ter qualquer plano nessa direção.
O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), espera a aprovação das reformas que anunciou há duas semanas ainda em 2019. Com servidores recebendo salários parcelados há dois anos, ele busca uma economia de R$ 25 bilhões em dez anos se tudo for aprovado pelos deputados estaduais, aliviando o comprometimento do orçamento com pessoal. Segundo Leite, 82% dos gastos do estado este ano foram com pessoal.
A tarefa não é fácil. Leite quer cobrar contribuição previdenciária de todos os servidores ativos e inativos, sendo uma alíquota de 14% para os que ganham um salário mínimo. Para quem recebe mais de R$ 20 mil, a mordida será de 18%.
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O plano também prevê o fim de progressões salariais automáticas na ativa. A reforma inclui categorias fortes como professores, policiais militares e bombeiros, que são hoje 80% do funcionalismo.
— Não quero dourar a pílula. Se não mexer nelas, não tem reforma — disse Leite.
Modelo capixaba
Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) encaminhou há duas semanas aos deputados locais o pedido de entrada do estado no Regime de Recuperação Fiscal do Tesouro Nacional. Até o primeiro trimestre de 2020, ele manda ao Legislativo mudanças na previdência mineira.
Segundo Zema, o plano não está fechado, mas deve seguir o modelo adotado no Espírito Santo. Reformas feitas pelo ex-governador capixaba Paulo Hartung (sem partido) desde 2003 aumentaram a contribuição previdenciária de todos os servidores aposentados e substituíram penduricalhos de algumas carreiras públicas por subsídios com regras iguais para todos os servidores.
Segundo Regis Mattos Teixeira, que foi secretário de Planejamento do Espírito Santo entre 2015 e 2018, a folha do estado foi reduzida em 16%. A despesa com pessoal recuou de 44,9% da receita para 41,6%.
No radar de Zema ainda estão o fim de gratificações como férias-prêmio e promoções salariais automáticas, os triênios ou quinquênios. O foco, diz ele, também é reduzir o peso da folha, que consome mais de 60% da receita:
— Ninguém passará a ganhar menos, mas quem esperava dobrar de salário em dez anos não vai mais ter isso.
Em Goiás, que diz gastar 80% da receita com pagamentos, o governador Ronaldo Caiado (DEM) vai apresentar, nesta semana, sua proposta de reforma previdenciária. Desde 2010, o rombo na seguridade social do estado triplicou — deve chegar a R$ 2,9 bilhões em 2019.
Na semana passada, o economista Paulo Tafner, especialista em previdência, esteve em Goiânia para acertar os detalhes da proposta, que vai na mesma linha de Minas e Rio Grande do Sul.
— O orçamento no ano que vem tem receitas de R$ 29 bilhões e despesas de R$ 33 bilhões. A conta não fecha. A reforma não pode esperar – diz o vice-governador goiano, Lincoln Tejota (PROS).
Mesmo no governo de São Paulo, que espera fechar 2019 sem déficit, reformas estão a caminho. A gestão do tucano João Doria quer enviar à Assembleia paulista mudanças no regime de aposentadorias local caso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) paralela à reforma da Previdência que inclui os estados, em debate no Senado, não avance.
Além disso, fontes próximas ao Palácio dos Bandeirantes dizem que técnicos do governo estão passando um pente-fino em estatutos das carreiras de servidores concursados. Segundo o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM), estão confirmadas, até o momento, mudanças no magistério. O projeto com essas alterações será encaminhado à Assembleia até o fim do ano.
Rio sem plano
Para o economista Pedro Schneider, especialista em contas públicas estaduais do banco Itaú, os estados sofrem mais que a União com a existência de muitos benefícios para categorias do serviço público:
— As carreiras maiores e mais organizadas conseguem reajustes melhores. Ao ajustá-las, essas reformas vão por um bom caminho.
Carlos Ari Sundfeld, professor da Escola de Direito da FGV, pondera que as assembleias têm mais dificuldades para aprovar pautas desse tipo por causa da proximidade com corporações poderosas, como professores e militares:
— A pressão sobre as assembleias é maior que no Congresso. Vai haver resistência.
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Para Regina Esteves, presidente da Comunitas, uma ONG de inovação em gestão pública que dá apoio a estados interessados em fazer ajustes, a combinação de uma pressão crescente dos cidadãos pela melhoria de serviços públicos e desajustes fiscais nos estados pode favorecer o debate:
— São ajustes positivos no longo prazo.
No Rio, apesar da folha de pagamentos de R$ 40,4 bilhões, a assessoria do governador Wilson Witzel informou que ele não falaria sobre o tema porque não tem plano de reforma administrativa. Na Assembleia do Rio, palco de protestos de servidores com salários atrasados no governo passado, há pouco espaço político para medidas nesse sentido.
Para o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT-RJ), a redução de secretarias e o aumento da alíquota previdenciária dos servidores para 14% na gestão passada já funcionaram como reformas parciais. Para ele, a prioridade do Rio agora deve ser acertar as contas com a União para preservar o Regime de Recuperação Fiscal.
Fonte: “O Globo”