A maioria dos algoritmos de inteligência artificial usa um sistema conhecido como deep learning. Esse modelo tem como base dar a um computador milhares de imagens de gatos até a máquina consiguir reconhecer um gato. Empresas como Google, Facebook, Microsoft e IBM usam esse sistema para criar suas aplicações de IA. Mas há algumas outras empresas ao redor do mundo que tentam criar um computador inteligente de outra forma.
É o caso da Cortica. A startup israelense, fundada em 2007, desenvolveu um sistema com o objetivo de imitar o córtex cerebral. A ideia surgiu em 2003, no instituto israelense de tecnologia Technion. Lá, Karina Odinaev estudava neurociência e trabalhava em parceria com Igal Raichelgauz, especializado em tecnologia. Após alguns anos da pesquisa, surgiu a dúvida: iriam usá-la para fazer seu phD ou patentear o sistema e fundar uma empresa? Até agora, a Cortica recebeu US$ 69,4 milhões em investimentos e registrou mais de 200 patentes.
“Queremos imitar a forma como os humanos aprendem e processam informação. Para uma criança aprender o que é um gato, seus pais não precisam dar a ela milhares de imagens classificadas como ‘gato’”, diz Karina. Da mesma forma, o cérebro humano é capaz de absorver uma variedade maior de conhecimentos. Hoje, os sistemas de inteligência artificial baseados em deep learning conseguem lidar com um tema. Depois de aprender o que é um gato, para a IA entender o que é um pedestre, é preciso fazer outro processo de aprendizado do zero. Por isso, uma IA sabe analisar imagens de trânsito ou de exames médicos, mas não dos dois. O sistema criado pela Cortica promete superar essa limitação.
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Karina defende que o sistema desenvolvido por sua startup oferece vantagens sobre o deep learning. Além de ser uma inteligência artificial genérica (capaz de absorver conhecimentos diversos), há menos trabalho mecânico na forma como o sistema aprende. Por exemplo, não é necessário ter milhares de imagens classificadas como ‘gato’, ‘cachorro’, ‘pedestre’ ou ‘carro’ – o tratamento e classificação dos dados é uma das tarefas mais trabalhosas e demoradas do desenvolvimento de sistemas baseados em deep learning hoje.
Por funcionar de forma similar ao cérebro humano, a IA desenvolvida pela Cortica também é capaz de fazer previsões de forma mais natural, afirma Karina. Quando uma pessoa vai atravessar a rua, por exemplo, faz uma série de previsões sobre o comportamento de cada um dos agentes envolvidos, sejam eles outros pedestres, carros, ciclistas ou motos. “Outros sistemas de IA conseguem calcular projeções com base na velocidade, aceleração e outros fatores, mas para os carros autônomos, por exemplo, precisamos de previsões mais complexas. Você consegue, por exemplo, entender que se há uma grande fila no ponto de ônibus, o ônibus vai levar um tempo para voltar a andar, porque precisa esperar todas as pessoas embarcarem. Para fazer essa previsão, é necessário entender todo o contexto da cena”, diz Karina.
Outra vantagem tem a ver com a arquitetura da rede neural. Para o deep learning, são criadas centenas de camadas de processamento para que o computador seja capaz de entender a informação recebida. No caso da Cortica, são apenas seis – similar ao córtex humano. “No nosso cérebro, não temos um neurônio capaz de identificar um objeto. É uma boa teoria, mas não é muito prática, porque não temos neurônios suficientes. Basicamente, quando vemos um objeto, há um grupo de neurônios que se conectam em um padrão específico no espaço e no tempo, e esse padrão representa o que vemos”, explica. O benefício aqui, diz Karina, é que seu sistema requere um poder de computação e uso de energia muito menores. Enquanto sistemas de deep learning utilizam entre 3 a 5 watts, a Cortica gasta 0,3 watt.
Até agora, a Cortica já lançou 6 starups com base no seu sistema de inteligência artificial: uma que desenvolve um sistema para carros autônomos (Cartica), uma que analisa imagens de raio-x de aeroportos (SeeTrue), uma para mercado financeiros, que identifica fraudes e manipulação de mercados (Fintica), uma de reconhecimento facial (Corsight), uma que analisa o comportamento de professores de berçário e envia alertas aos pais em caso de situações de emergência (Juno) e uma para automação de cirurgias cardíacas (Cardio.ai).
“Em todas elas, conseguimos criar um MVP [produto mínimo viável] entre três e seis meses, o que é um recorde, porque é tudo baseado na mesma tecnologia”, dia Karina. Segundo a executiva, é apenas o começo. A empresa já considera desenvolver aplicações específicas para agricultura, mineração, avaliação de diamantes, varejo e indústria.
Abaixo, Karina explica um pouco mais a tecnologia desenvolvida pela sua empresa:
Qual a diferença entre deep learning e o sistema da Cortica?
Para o deep learning, você precisa de uma rede vazia e fornece a ela dados de treinamento de coisas que ela pode reconhecer versus objetos que ela não pode reconhecer. E depois, na arquitetura da rede, o sistema dá um resultado positivo ou negativo. Basicamente, você começa com uma rede vazia e constrói as ‘sinapses’ do algoritmo para conseguir uma resposta positiva ou negativa – é um pedestre ou não é um pedestre. Isso requere supervisão, não é genérico (você precisa criar uma arquitetura nova para cada tarefa) e depende de muito poder de processamento.
Para a arquitetura da Cortica, começamos com uma arquitetura simples – que não é nada profunda como o deep learning – e é similar ao cérebro. A partir daí, o sistema é exposto a milhões de imagens do mundo, para que ele aprenda como é o mundo. Fornecemos ao sistema as imagens do que queremos que ele se especialize, por exemplo, várias imagens de raio-x. O próprio sistema começa a gerar determinadas respostas, sem que seja necessário mudar a arquitetura para cada novo objeto. Com base nos neurônios que foram ativados por aquela informação, dos 10 bilhões de neurônios que temos no nosso sistema, sabemos qual objeto é aquele. Esse é o primeiro passo da nossa representação.
O segundo passo é o como aprendemos. O deep learning aprende com base em imagens ensinadas, o sistema da Cortica aprende só ao expor o sistema ao mundo. O sistema gera respostas automáticas a cada imagem, e depois disso, começa combinar as respostas em clusters para entender que algumas coisas são parecidas. Então, todos os gatos são agrupados em um cluster. A intervenção humana é só para dar os nomes.
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Mas, se o sistema da Cortica oferece tantas vantagens, por que a maioria das empresas que trabalham com IA usam o deep learning?
O deep learning é o estado da arte atualmente. Poucas empresas estão explorando uma abordagem diferente. Isso acontece porque o deep learning consegue entregar um crescimento exponencial. Antes disso, nossas aplicações eram muito limitadas. De repente, perto de 2012, o deep learning surgiu e tivemos um crescimento exponencial nas coisas que podemos fazer. E por isso todos seguiram nesse caminho.
Hoje, todos começam a entender que há uma limitação no que o deep learning consegue fazer. Praticamente qualquer estudante consegue criar uma rede que reconhece 90% dos semáforos, o que é impressionante. O problema é que é muito difícil superar os próximos 10%. Para um estudante, 90% é ótimo, mas se você quer colocar um carro autônomo na rua, 99% ainda não é suficiente. É preciso lidar com esses casos extremos para ter aplicações realmente úteis, seja um carro ou qualquer outra coisa completamente autônoma.
Fonte: “Época Negócios”