Após a aprovação da reforma da Previdência, que diminuiu significativamente a hemorragia fiscal decorrente do aumento dos gastos com aposentadorias e pensões no País, o governo enviou ao Congresso três Proposta de Emenda Constitucional (PECs) que, se aprovadas, significarão uma reforma radical do Estado brasileiro.
O pacote de medidas cria o Conselho Fiscal da República, com participação dos presidentes dos Três Poderes, que se reuniria trimestralmente para acompanhar a situação fiscal dos Estados e municípios; obriga a reavaliação dos subsídios e isenções fiscais a cada quatro anos e, a partir de 2026, limita seu valor à metade do que é hoje; redistribui as receitas tributárias entre os entes federados, aumentando a participação de Estados e municípios; junta os recursos da saúde e da educação num único fundo e deixa a cargo dos gestores públicos decidir quanto irá para cada finalidade; proíbe a União de socorrer financeiramente entes federativos a partir de 2026; obriga os municípios com menos de 5 mil habitantes e com receita própria menor que 10% das receitas totais a se fundirem a municípios próximos; cria a figura do Estado de Emergência Fiscal, que entra em vigor automaticamente quando as despesas do Estado ou do município atingirem 95% das receitas correntes líquidas ou quando o governo federal não conseguir cumprir a Regra de Ouro; entre outras propostas. Durante a vigência do Estado de Emergência Fiscal, gatilhos que diminuem gastos obrigatórios entram automaticamente em vigor, é permitida a redução de jornada de trabalho e os salários de funcionários públicos (até 25%), as despesas correntes, exceto os benefícios previdenciários e o Benefício de Prestação Continuada, podem ser desindexadas, além de outras medidas de corte de gastos obrigatórios.
O longo e, ainda assim, incompleto parágrafo acima mostra a importância das medidas propostas. Em conjunto, se elas forem aprovadas, teremos uma mudança significativa do Estado brasileiro, em direção a um Estado mais eficiente, mais enxuto, mais voltado para o cidadão. E, muito importante, um Estado estruturalmente equilibrado do ponto de vista fiscal, pois, ao se aproximar de uma situação de desequilíbrio, gatilhos automáticos entram em ação para recolocar a economia de volta numa trajetória de equilíbrio orçamentário, independentemente da vontade do governante de turno.
Seguindo a estratégia adotada desde a posse, uma vez entregue ao Congresso, o presidente repassou a responsabilidade pela aprovação das propostas aos deputados e senadores. As negociações, agora, ficam a cargo do ministro da Economia e de sua equipe, dos presidentes da Câmara e do Senado e do conjunto dos parlamentares.
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Grande parte das medidas tem por objetivo a redução de gastos obrigatórios, que, além de já representarem 94% do Orçamento, crescem vegetativamente. O objetivo é liberar recursos para os gastos discricionários, dos quais as emendas parlamentares são uma parte importante. Portanto, o incentivo para os parlamentares é aprovar pelo menos a parte das medidas que ataca este problema, que é o núcleo das propostas. Por outro lado, deixar o protagonismo para o Congresso se mostrou uma estratégia bastante positiva na reforma da Previdência.
Analistas estão se perguntando por que enviar tanta coisa ao mesmo tempo, em lugar de negociar e tentar aprovar cada proposta isoladamente. A resposta a essa pergunta não é trivial, mas, provavelmente, a avaliação é de que, como todas as propostas vão na mesma direção, ao enviá-las em conjunto – ainda que nem todas elas sejam aprovadas –, será possível ao longo do processo de negociação abrir mão de algumas em troca da aprovação do núcleo delas (como o Estado de Emergência Fiscal, a criação automática dos gatilhos de redução de gastos, a reavaliação e criação de limite dos subsídios e isenções fiscais, etc.). A reforma administrativa virá para completar o quadro.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 9/11/2019