Poucos se deram conta, mas a Constituição em vigor tinha quatro prioridades com forte impacto nas contas públicas: 1) benefícios assistenciais e subsidiados; 2) Previdência; 3) servidores públicos; e 4) orçamentos municipais. À época, muitos, como eu, temiam que a conta implícita fosse difícil de pagar. Isso agora se vê com maior clareza, principalmente pela comparação, não sem alguma dificuldade, da execução federal de 2018 com a de 1987, um ano antes da Carta.
Assistência Social cresceu 6,2 vezes (de 3,1% para 19,3% do gasto total). Esse foi o item campeão de aumento. Hoje, estimo que mais de metade da população seja atendida por algum desses programas, mesmo não sendo possível afirmar que eles alcançam os efetivamente mais pobres.
Os gastos do INSS que têm suporte de contribuições subiram 2,6 vezes, passando de 13,0% para 34,2% do total. As despesas com inativos e pensionistas na União aumentaram 1,5 vez, passando de 6,2% para 9,4%. Assim, o subtotal de Assistência e Previdência (inclusive de servidores) praticamente triplicou, passando, então, de 22,3% para 62,9% do total, algo impressionante. Ou seja, é preciso avaliar os principais programas com rigor.
Os gastos com o pessoal ativo e as Demais Correntes foram os únicos de peso na pauta que, junto com os investimentos em infraestrutura, caíram. Pessoal Ativo passou de 16,7% para 12,7%; e Demais Correntes, de 34,4% para 10,8% do total no período. Dentro da mesma pauta, o peso de Saúde e Educação ficou praticamente estável, ao redor de 8% e 3% do total, respectivamente.
Deveria ter aumentado?
Para financiar os novos gastos, os constituintes criaram mais e poderosas receitas, como as “contribuições sociais”, e extinguiram os impostos únicos antes vinculados unicamente a infraestrutura. Pela perda de prioridade, o peso dos investimentos desabou de 16% para 2,8% do total, de 1987 a 2018. Creio que algo específico tem de ser feito para trazer os investimentos de volta. Da arrecadação da contribuição ao PIS-Pasep, 60% foram destinados a financiar o seguro-desemprego e os restantes 40% a projetos de desenvolvimento econômico com o BNDES, hoje na mira do governo.
Por fim, segundo especialistas acreditados, o peso dos municípios na carga tributária global aumentou de 15% para 20%, entre 1991 e 2015, enquanto o dos Estados caía de 30% para 25% e o da União ficava estacionado em 55%. Ou seja, foram os Estados que pagaram a conta da redistribuição.
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No meio disso tudo, os entes subnacionais perderam uma considerável fatia de sua receita com a Lei Kandir, que cortou o ICMS de exportações. Mais recentemente, houve considerável desvinculação de receitas da União com a criação da DRU, de minha autoria, peça básica do Plano Real, posteriormente um tanto desidratada. Alguma reavaliação dessa experiência tem de ser feita. Hoje se quer trocar a recomposição das perdas da Lei Kandir por uma maior redistribuição das receitas do petróleo para os Estados – outra coisa a reavaliar e ver o que dá para fazer.
Só agora dá para ver com maior clareza a devastadora perda de receita de 2014 para cá, sob a pior recessão por que o País já passou, herança do governo Dilma. Outro ponto que começa a ser visto é a necessidade de negociar adequadamente muitas dessas mudanças com o grupo político talvez mais poderoso do País, o de servidores públicos, sem o que pouca coisa mudará. Para ajudar nessa negociação, caberia promover o equacionamento urgente dos passivos atuariais de seus regimes previdenciários.
Concluída a reforma da Previdência, é correto adotar soluções drásticas atípicas e temporárias e buscar um jeito de aumentar os investimentos. Não sei se fará sentido misturar equilíbrio fiscal no mesmo capítulo que trata de direitos sociais. Por sua vez, extinguir municípios pequenos parece matéria para outro momento político. O duro é que ainda há muito o que discutir e o País precisa urgente retomar a trilha do crescimento.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 14/11/2019