A polícia federal voltou. Quem achou que os bravos combatentes do FBI brasileiro estavam de férias até o final das eleições enganou-se. Aí estão eles de novo, operativos, reativando sua famosa fábrica de manchetes de jornal. No auge da campanha eleitoral, o alvo da Polícia Federal é o bom e velho José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal, aquele que na literatura política tirou do PT o monopólio sobre a palavra “mensalão”.
O público já estava com saudades daquelas operações com nome de tragédia grega e embalagem de novela das oito. Depois de longo silêncio, eis que a Polícia Federal lança seu relatório sobre o caso Arruda. É basicamente o mesmo press release de sempre, acusando o investigado de chefiar uma organização criminosa, mais um punhado de adjetivos picantes do vocabulário da delinquência. A expressão “organização criminosa” pode até não significar nada, mas é sem dúvida uma grande contribuição da polícia para o jornalismo contemporâneo.
Com todo o cuidado para não fazer marola na campanha da candidata do chefe, nada melhor do que bater em cachorro morto – que não grita e ainda por cima é de oposição. Com o relatório Arruda, a PF dá uma forcinha à expressão “mensalão do DEM”, enquanto o mensalão original, nacional, autêntico e insuperável dorme no Supremo Tribunal Federal, esperando o fim da licença médica de seu relator.
Está certíssimo. Afinal, Dilma Rousseff, a líder disparada nas pesquisas, obedece a José Dirceu – apontado pelo Ministério Público como o chefe do mensalão. Não fica nem bem mexer com esse assunto numa hora dessas. Não se sabe o dia de amanhã. Talvez por isso também não saiam releases sobre a organização criminosa (com todo o respeito) de Sarney e seu filho Fernando. Os justiceiros do Estado brasileiro não põem a mão em cumbuca. Melhor chutar o Arruda.
Na Receita Federal também está tudo calmo. Sabe-se agora que não foi só o tucano Eduardo Jorge Caldas quem teve o sigilo fiscal espionado. Entre outros, Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, também foi “pesquisado”. Tudo normal. É para isso mesmo que serve o Estado. Leva-se tanto tempo para tomar o poder que o mínimo a fazer, uma vez lá, é usá-lo para perseguir os inimigos e alimentar os amigos. Quando Lula foi eleito e disse que a Presidência da República era o ponto máximo a que um ser humano podia chegar, em tom de final feliz, não entendeu quem não quis.
A PF dá uma forcinha à expressão “mensalão do DEM”, enquanto o mensalão autêntico dorme no STF
Qual é a graça de ter o poder e não mandar a Receita aliviar a família Sarney? Ou não dar uma bisbilhotada nas contas da ex-primeira-dama Ruth Cardoso? Ou não dar uma checada no Imposto de Renda do Mendonção, que, além de ex-ministro, é rico?
Dilma Rousseff já declarou que não tem nada com isso. A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira contou que foi convocada ao gabinete dela para receber ordens, mas as imagens do circuito interno do Palácio sumiram. Ninguém sabe, ninguém viu. É o mesmo silêncio que cerca a apuração da violação fiscal de Eduardo Jorge. Ele, o cidadão violentado pelo Estado, é quem tem de empreender uma cruzada quixotesca para ter seus direitos reparados, como se fosse um fanático caçando um autógrafo do papa. E, no momento em que aparecem outros adversários políticos do PT na mesma espionagem, o que diz a Receita Federal? Nada.
O negócio é ficar quieto e esperar a imprensa esquecer o assunto. A imprensa, aliás, atrapalha muito nessas questões íntimas do poder. O governo tem quase 80% de aprovação e ainda tem de dar satisfação do que faz ou deixa de fazer com a máquina pública – conquistada com tanto sacrifício na apoteose lulista.
Talvez por isso o partido de Dilma venha propondo tantos projetos de controle social da mídia. O ideal seria, com esses 80%, governar também a pauta dos jornais e das TVs. A candidata do PT quer a convocação de uma Constituinte restrita. Pelo visto, está disposta a acabar com os excessos da democracia.
Fonte: Revista “Época” – 30/08/10
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