Se Margaret Thatcher estivesse hoje na equipe econômica de Paulo Guedes, teria suas iniciativas barradas pela máquina herdada de governos anteriores, em geral concursados.
Poucos se dão conta de que o Ministério da Economia é formado por uma maioria de burocratas, usualmente de economistas e juristas que exercem o poder há décadas e que podem emperrar avanços.
A equipe de Guedes sofre como a do investigador Eliot Ness em sua missão para parar Al Capone: é pequenina e usualmente sabotada pelos interesses da corporação interna.
Muitos obstáculos à adoção de melhores práticas têm origem na máquina, não na opinião pública ou no Congresso. Toda e qualquer iniciativa de diminuição da ingerência estatal tem que ser negociada com burocratas com obsessão por controle, resistência à modernização, desconfiança da boa-fé do cidadão e apego fetichista a papéis, despachos e carimbos.
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A competição regulatória, pública ou privada, é saudável para o desenvolvimento. Significa que um produto homologado por órgão internacional competente pode ser comercializado livremente, independentemente de aprovação prévia por agência reguladora nacional. Muitos países adotam essa prática.
O decreto 10.229, de 5 de fevereiro e que passa a valer em junho, é um passo inicial do Brasil nessa direção. Em casos de avanços tecnológicos internacionais de segurança comprovada que tornem regulamentações brasileiras desatualizadas, a legislação permitirá que o produtor brasileiro utilize normas de institutos internacionais renomados como o ISO, o Codex Alimentarius e o IUT como alternativa ao Inmetro, à Anvisa e à Anatel, respectivamente. Tanto a indústria quanto o consumidor poderão seguir a norma internacional caso o órgão brasileiro deixe de atualizar a questionada restrição em até seis meses.
Cito três casos entre inúmeros que serão impactados. O suplemento melatonina, substância produzida naturalmente pelo corpo humano e indicada para distúrbios do sono, enxaqueca e diabete, é vendido livremente nos EUA e em boa parte dos países europeus, mas não no Brasil.
Certas funções do relógio digital Apple Watch, como a que capta os pulsos elétricos do coração para indicar arritmias e anormalidades, são bloqueadas em todo o território nacional por determinação da Anvisa, que a considera um “equipamento médico” sob sua jurisdição.
Pesagens de rotina em estradas ainda exigem que caminhoneiros realizem paradas longas, com riscos de roubo e oportunidades de corrupção, pela proibição da balança dinâmica em movimento, comum no exterior.
Somos todos reféns da regulação arbitrária e desatualizada, enquanto o mundo desfruta de melhoria de padrão propiciada por novos produtos e serviços.
Ruim para o consumidor, pior ainda para a indústria. Maquinários novos são proibidos, normas técnicas estão estagnadas no século passado, e o custo Brasil se perpetua.
Thatcher, que se inspirou nas ideias do economista austríaco e Nobel de Economia F. A. Hayek, virou referência no mundo não por sedução teórica, mas por seus resultados práticos.
O ritmo dos resultados do Ministério da Economia deve ser ditado pelos liberais, e não pelos sabotadores do avanço, veteranos na máquina pública. Guedes sabe que o compromisso do Brasil deve ser com a urgência, não com o formalismo, impecável no papel, mas inibidor e asfixiante do desenvolvimento.
O brasileiro clama por um abre-alas para sua liberdade, mas o corporativismo teima em atravessar o samba.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 12/2/2020