A insegurança do presidente Jair Bolsonaro sobre ser o fiador de uma reestruturação no funcionalismo público travou, ao menos por enquanto, o avanço da reforma administrativa. Em conversas recentes, o presidente indicou a aliados não estar confortável com o texto proposto pelo Ministério da Economia e sinalizou que pode deixar a proposta em banho-maria por tempo indeterminado.
Para Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás e sócia da consultoria Oliver Wyman, se o Executivo não apresentar proposta, reforma não andará sob a ótica legal e política.
Qual a importância de se investir na reforma administrativa nesse momento?
– É fundamental. A reforma da Previdência tirou o país da rota de colisão, mas há uma agenda de reformas estruturais fundamentais para recuperar o crescimento de forma sustentável. Os agentes econômicos esperam um Brasil melhor para a frente, e isso significa fazer reforma administrativa. Há três linhas de gasto público que vêm gerando desequilíbrio fiscal: o déficit da Previdência, o pagamento de juros e a despesa de pessoal. Uma reforma administrativa, mesmo para os novos servidores, sinaliza uma estrutura fiscal mais equilibrada a longo prazo para garantir os juros baixos.
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O processo tem de ser liderado pelo Executivo?
– Essa é uma agenda liderada pelo Executivo. É prerrogativa de cada um poder fazer suas reformas administrativas. Se o Executivo não liderar, não andará tanto do ponto de vista legal, quanto político. O presidente (Jair Bolsonaro) tem de assumir a agenda com seus bônus e ônus.
Quais as consequências de não levar adiante a reforma do Estado?
– Cai a confiança com o comprometimento da questão fiscal, e o país não cresce. A confiança tem aumentado, há recuperação do emprego, as projeções de crescimento começaram a apontar para cima. O governo não pode fraquejar no momento inicial, ou acha-se que todo o discurso é um balão de ensaio, que não resistiu à primeira barreira corporativista. É um momento de muita responsabilidade. Do ponto de vista do Ministério da Economia, é uma agenda prioritária, mas o presidente da República tem que mostrar a que veio, mostrar que a agenda de reformas é séria e não um balão de ensaio.
A declaração do ministro Paulo Guedes, comparando os servidores a parasitas, atrasou o processo?
– Foi uma fala infeliz. Os servidores são parte do processo de discussão e construção da reforma. Mas o ônus é do presidente da República, desde lá atrás, logo após a aprovação da reforma da Previdência, quando a janela se abriu para se discutir a reforma administrativa. Ele vacilou em relação a esse tema. Passou anos e décadas defendendo o corporativismo, mas uma hora será preciso se posicionar e bancar uma reforma que é fundamental para o país. Vamos ver se vai manter a trajetória corporativa ou vai escolher o bem do país como um todo.
+ Paulo Uebel: os três pilares da reforma administrativa
Fazer a reforma somente para os novos servidores vai resolver a questão fiscal?
– A proposta que já vimos divulgada é focada no futuro. Além de construir um novo serviço público, abre o debate, e teremos que discutir as carreiras atuais. O debate vai expor para a sociedade as distorções de um modelo exaurido, vai ficar muito evidente que não vai dar para esperar 40 anos para migrar. É um debate que vai ter de acontecer inexoravelmente, sempre em conjunto com os servidores que também sofrem com o modelo atual.
Estarmos em ano de eleições não dificulta o debate?
– Se passar a eleição municipal, a janela para aprovar a reforma administrativa se fecha. O melhor momento foi após a reforma da Previdência, quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, falou em plenário da necessidade da reforma e que o Congresso estava pronto para receber o projeto. Após as eleições, não sabemos se o Congresso estará propício a fazer a discussão. Perde-se a oportunidade. O mundo inteiro já fez suas reformas, Inglaterra, Chile, Nova Zelândia, Canadá. O mundo evoluiu, o mercado de trabalho mudou, as competências e aspirações mudaram. Chegaram a digitalização e o avanço tecnológico, e o Estado brasileiro ainda vive na Idade Média.
Fonte: “O Globo”