Os dados do PIB divulgados esta semana confirmaram as estimativas de baixo crescimento em 2019. Se houve alguma surpresa, foi no sentido negativo, com a forte queda de 3,3% do investimento no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior, interrompendo uma sequência de altas expressivas nos dois trimestres anteriores.
Os indicadores do mercado de trabalho têm registrado uma recuperação substancial, com uma geração de empregos (em torno de 2% ao ano) que não está muito distante do ritmo verificado antes da recessão. No entanto, os indicadores de atividade econômica não melhoraram na mesma velocidade. Como discuti na última coluna, essa evidência corresponde ao que o Banco Central denominou, na última Ata do Copom, de “dicotomia entre a evolução do mercado de trabalho e o crescimento da produção de bens e serviços”.
A razão para essa dicotomia é que a produtividade do trabalho está em queda. Enquanto o PIB cresceu 1,3% em 2017 e 2018, e 1,1% em 2019, o crescimento da produtividade desacelerou de 1,2% em 2017 para 0,1% em 2018, e teve redução de 1% em 2019. Ou seja, embora o ritmo de geração de empregos tenha aumentado significativamente desde o final da recessão, os novos trabalhadores têm produtividade mais baixa, o que resultou em crescimento do PIB em torno de 1% ao longo dos últimos três anos.
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O desempenho negativo da produtividade está associado principalmente a dois fatores. Primeiro, a grande queda do investimento na recessão, seguida de uma recuperação lenta e errática. Em consequência, o investimento encontra-se cerca de 25% abaixo do nível atingido no segundo trimestre de 2013.
O segundo determinante importante da desaceleração e posterior queda da produtividade foi o aumento da informalidade, como já tive oportunidade de discutir neste espaço. Como o setor formal é cerca de quatro vezes mais produtivo que o informal, uma elevação da informalidade corresponde a uma proporção mais elevada dos trabalhadores em atividades menos produtivas, o que reduz o crescimento da produtividade da economia como um todo.
Embora os dados mais recentes indiquem uma aceleração da geração de vagas formais, os baixos salários dos contratados indicam que esses trabalhadores também são pouco produtivos. Ou seja, a economia brasileira não tem sido capaz de gerar empregos produtivos, resultando em informalidade elevada e contratações formais de baixa remuneração.
As questões que então se colocam são: Por que o investimento teve queda tão forte e tem se recuperado de forma tão lenta? Por que a geração de emprego tem ocorrido principalmente pela via da informalidade, especialmente do trabalho por conta própria?
Uma variável fundamental para entender o que está acontecendo é o grau de incerteza da economia. Como mostra o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do IBRE/FGV, desde o segundo semestre de 2015 o nível de incerteza da economia brasileira encontra-se muito elevado, algo que nunca aconteceu na série histórica que se inicia em 2000. Em dois episódios anteriores (eleição de Lula em 2002 e crise internacional de 2008), o indicador de incerteza deu um salto, mas em poucos meses retornou à média.
Em um ambiente de incerteza elevada, como o atual, os empresários postergam investimentos e restringem a oferta de vagas formais, preferindo contratar trabalhadores sem carteira assinada ou simplesmente não contratando, o que tem contribuído para o forte aumento dos trabalhadores por conta própria.
Outro efeito negativo da incerteza elevada é que ela reduz a potência da política monetária. Isso tem sido evidenciado pelo fato de que o crescimento do PIB não acelerou a despeito de uma queda da Selic de 14,25% para 4,25%. Da mesma forma, outras tentativas de estimular a demanda, como os saques do FGTS, acabam tendo efeito limitado.
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Devido aos efeitos negativos do coronavírus na economia global, esse quadro de incerteza tende a se agravar, atingindo principalmente o investimento e a indústria. Por se tratar de um choque de oferta, e em função da baixa potência da política monetária em situação de alta incerteza, uma possível redução da Selic na próxima reunião do Copom terá efeitos bastante limitados na atividade econômica.
Uma desagregação do indicador de incerteza do IBRE mostra que, embora a incerteza de natureza fiscal tenha diminuído, com a aprovação do teto de gastos e a promulgação da reforma da previdência, a incerteza política praticamente não caiu desde 2015.
O ambiente de polarização exacerbada no país e, recentemente, de conflito aberto entre Executivo e Legislativo em torno do orçamento impositivo, tem sido extremamente prejudicial não somente para a agenda de reformas de longo prazo, mas também para a recuperação cíclica de curto prazo.
Para elevar a produtividade e gerar uma retomada mais forte da economia, é fundamental reduzir a incerteza, tanto fiscal como política. Isso envolve a construção de um esforço coordenado entre o governo e o Congresso para aprovar uma pauta mínima de reformas, com prioridade para a PEC emergencial, a reforma tributária e a reforma administrativa.
A baixa produtividade da economia sempre foi considerada um problema de longo prazo, mas agora está claro que ela também compromete o curto prazo. O longo prazo chegou.
Fonte: “Blog do IBRE”, 10/03/2020