Tão abundante quanto o medo do COVID-19 vem sendo a produção de textos especulando sobre os impactos econômicos da atual pandemia. As conclusões dessas análises são sombrias e inexistem diferenças marcantes entre as propostas de como enfrentar o inevitável processo recessivo. Em ocasiões como essa aconselha-se o uso das políticas anticíclicas consagradas na literatura econômica
Apesar das afinidades entre as propostas em voga, convêm destacar o fato de que pela primeira vez as políticas anticíclicas atuarão sobre um cenário diferente do habitual. Isto é, no passado os episódios recessivos internacionais tiveram sua origem no próprio seio da economia, mas agora aconteceu algo novo: o sistema econômico foi atacado por um agente externo, o coronavírus, que o fragilizou de forma implacável
Portanto, a ociosidade surgida na capacidade de produção instalada não decorre de uma timidez intrínseca da demanda das famílias ou de turbulências no mercado financeiro, mas sim do fato de o consumidor não poder sair de casa para fazer compras e as empresas fecharem suas portas porque seu pessoal encontra-se impedido de trabalhar. Acumulou-se então um montante volumoso de demanda reprimida que resultou na quase imobilização do sistema produtivo mundial.
Esse panorama torna plausível supor que quando a onda virótica for equacionada, o crescimento econômico não será apenas fruto de políticas anticíclicas, mas também resultará espontaneamente da liberação de parcela da demanda reprimida, hoje impedida de ser satisfeita. Isto não significa que a retomada será espetacular, mas sim que seu início poderá ocorrer logo em seguida ao controle da pandemia, graças às compras a serem efetuadas pelos grupos menos atingidos pelo declínio de renda.
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Em face do encolhimento das atividades ao longo da emergência sanitária, parte da população não disporá de renda para entusiástica corrida ao consumo. Nessas circunstâncias, as políticas anticíclicas não se restringiriam a investimentos no aumento da capacidade de produção, mas sim, conforme a receita keynesiana, enfatizariam o restabelecimento do poder aquisitivo das famílias atingidas em maior grau pela crise, as quais reforçariam o contingente dos aptos a voltar ao mercado consumidor. As empresas sobreviventes da quarentena nem necessitarão de investimentos imediatos para reerguerem sua produção, dado que bastaria ocupar a ociosidade.
Evidentemente, quanto mais duradoura for a quarentena maiores serão os estragos. Mas essa fatalidade não extinguiria integralmente a fatia de capacidade de consumo não satisfeita acumulada no período, a qual desempenhará o papel de ponto de partida da convalescênça da economia. A profundidade e a extensão das avarias a serem sofridas pelo setor financeiro constituirão poderoso condicionante dos contornos de uma futura recuperação do PIB. Porém, ainda é cedo para prever até que ponto esse setor será uma alavanca da retomada ou mais uma fonte de dor de cabeça.
Na hipótese de o suprimento da demanda reprimida realmente promover, a curto prazo, a utilização do que há de capacidade ociosa e a economia mundial começar a adquirir fôlego, não há como nutrir a expectativa de crescimento intenso. É bom lembrar que há vários anos o planeta vem padecendo de medíocre desempenho econômico, provocado por fatores que continuam intactos e permanecem atuando.