Municípios campeões de arrecadação de royalties e participações especiais da indústria do petróleo têm se destacado pela capacidade de aumentar investimentos em saúde para enfrentar o coronavírus. Em contraste, outras cidades beneficiadas nos últimos anos pela mesma riqueza, mas que não fizeram o dever de casa, sofrem para fechar as contas num momento delicado.
Os municípios que mais recebem royalties – concentrados nos estados do Rio, Espírito Santo e São Paulo – enfrentam uma dupla crise por conta do coronavírus.
No momento em que mais recursos são necessários para medidas extraordinárias de saúde e na área social com provável queda na arrecadação de impostos, essas prefeituras também enfrentam a redução de até 40% nos repasses das compensações financeiras da indústria do petróleo este ano.
Isso porque o preço internacional do barril, que já havia sofrido um abalo no início do ano, despencou para abaixo do patamar de US$ 25 com a forte redução da demanda por combustíveis gerada pelas medidas de contenção do contágio.
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Neste contexto, as campeãs de royalties se dividem entre realidades antagônicas. Um grupo é formado pelas que conseguiram poupar no auge dos royalties e agora têm melhores condições de investir nas medidas de combate ao vírus. No outro, prefeituras tentam se organizar sem ao menos terem se recuperado dos gastos equivocados dos recursos extraordinários do petróleo no passado.
Nas três maiores beneficiárias de royalties em 2019, a gestão fiscal mais responsável e a garantia de recursos guardados em fundos soberanos facilitaram as despesas para enfrentar a crise sanitária.
Maricá, na Região dos Lagos fluminense, recebeu mais de R$ 1,6 bilhão do petróleo em 2019. A cidade já destinou cerca de R$ 130 milhões desse montante para ações de saúde, renda básica e concessão de crédito.
Maricá dividiu com Niterói — que fica na região metropolitana do Rio e é a segunda no ranking dos royalties — o investimento de R$ 90 milhões em um hospital de campanha na vizinha São Gonçalo, uma das cidades com IDH mais baixo do país.
As iniciativas niteroienses para mitigar os efeitos da pandemia somam cerca de R$ 300 milhões, pouco menos de 10% do orçamento anual da prefeitura (R$ 3,6 bilhões) e exatamente o que a cidade tem em um fundo soberano, que ainda não foi utilizado. O município, que tem 94 casos confirmados de Covid-19 e duas mortes, investiu alto em testagem. Niterói comprou 80 mil testes para coronavírus, o suficiente para testar 15% da população.
— O que estamos investindo vem do do superávit que produzimos em 2019. A poupança dos royalties criada para enfrentar cenários de crise foi e está sendo fundamental para a decisão de ações contra o Covid-19. Se for necessário, vamos usar (a reserva) — diz Rodrigo Neves (PDT), prefeito de Niterói.
Ações similares foram adotadas em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, onde o fundo soberano com mais de R$ 215 milhões ainda não foi tocado. Cerca de R$ 25 milhões, da sobra de caixa de 2019, foram usados na criação de uma renda básica e de um vale-alimentação para amenizar os efeitos econômicos da pandemia, diz Fernando Crésio, secretário de Fazenda.
Municípios ‘ex-ricos’ vivem dificuldades
José Luis Vianna, professor das universidades Cândido Mendes e Federal Fluminense (UFF) que estuda o impacto local dos royalties do petróleo, observa que os municípios que se planejaram podem se dar ao luxo de usar os recursos de fundos especiais sem comprometer o futuro. Já os que gastaram mal a renda extra têm agora o desafio de cortar despesas para sobrar algo para a saúde.
— Falar em gastos de milhões pra quem recebe bilhões e tem milhões em um fundo é pouco. Até em uma situação gravíssima de emergência como essa, você dispõe de todos os recursos que precisa, faz transferências, concede crédito pra microempresa e ainda sobra. Não compromete o fundo no futuro – diz Vianna.
Na lista dos “ex-ricos”, cidades do Norte Fluminense e da costa capixaba sofrem com a falta de uma reserva constituída no auge dos royalties. Como os recursos não foram bem empregados nos últimos anos, as cidades ficaram dependentes dos royalties para as contas básicas. Além da queda do preço do barril, o deslocamento da produção para os campos do pré-sal, na Bacia de Santos, não beneficia mais tanto essas cidades como antes.
— Quando Campos “nadou de braçada” no quesito royalties, ninguém pensou na criação desse fundo. E hoje em dia, infelizmente, quando a queda de arrecadação é absurda, não temos essa reserva porque o dever de casa não foi feito lá atrás — admite Rafael Diniz (Cidadania), prefeito de Campos dos Goytacazes, que estima queda na arrecadação dos royalties e participação especial na ordem de 40% em relação ao ano passado.
Em Macaé, a única reserva, de cerca de R$ 180 milhões, foi feita para proteger o município de queda de arrecadação de uma possível redistribuição do recursos do petróleo, ainda pendente no Supremo Tribunal Federal (STF).A cidade ficou conhecida por gastar recursos do petróleo em itens não prioritários, como a construção de um parte recreativo.
Hoje, direciona parte dessa reserva para um programa que oferece um vale-alimentação de R$ 200 para alunos da rede municipal e a compra de 15 mil kits de exames para o novo coronavírus. Mas pode não ser suficiente. A cidade tem 6 casos confirmados e um óbito sob suspeita de Covid-19, doença provocada pelo vírus.
+ Adriano Pires: Covid-19 e o setor de petróleo no Brasil
— Conseguimos guardar cerca de R$ 180 milhões de economia feita com recursos dos royalties. Não gastamos e agora temos usado essa reserva para poder conduzir esse processo se porventura os royalties não entrarem mais — ressalta o prefeito Aloizio Junior (PSDB).
Em Itapemirim, no Espírito Santo, os recursos recebidos dos royalties sempre foram gastos assim que chegavam. Agora, com a redução dos preço do petróleo e necessidade de investimentos suplementares em saúde, medidas de ajuste orçamentárias tiveram que ser tomadas para priorizar despesas com testes e equipamentos.
Para Edmar Almeida, especialista em petróleo e gás e professor da UFRJ, a crise mostra mais uma vez a necessidade de estados e municípios produtores criarem um fundo de estabilização fiscal. O mecanismo é utilizado, por exemplo, no Texas, nos Estados Unidos.
Segundo Almeida, os fundo soberanos, em geral, usam os recursos para investimentos em projetos de longo prazo, como é o caso do Mubadala, de Abu Dabi. Portanto não poderiam ser usados em momentos de emergência como agora. Já o fundo de estabilização fiscal, formado por parte da receita dos royalties, é destinado justamente para cobrir custos em momentos de emergência ou crise.
— A palavra de ordem é saber usar que inclui um planejamento fiscal, ou seja, ter mecanismos para decidir como vai gastar esses recursos da melhor maneira possível. E esse fundo é um instrumento de planejamento fiscal e de boa governança desses recursos — ressaltou Almeida.
Fonte: “O Globo”