Em recente trabalho (Evolução do covid-19 e cenário econômico, Genial Investimentos), estimamos, a partir da evolução do aumento do número de novos casos diários da pandemia no Brasil, que a trajetória da doença no País tem sido menos negativa do que na Itália, na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos e do que na média dos países europeus. Com base nestes dados, estimamos que o número de novos casos deverá se estabilizar na primeira semana de maio. Como essa é a principal condição definida por especialistas para começar a flexibilizar o isolamento social, nossa avaliação é de que, pelo menos para a média do País, isso poderia começar a acontecer ainda na primeira quinzena do próximo mês.
Entretanto, num país heterogêneo como o Brasil, essa flexibilização não poderá ser uniformemente implementada, e é fundamental estudar estratégias alternativas de flexibilização para diferentes cidades, Estados e regiões, em razão de suas características populacionais, geográficas, densidade populacional, além da própria evolução da pandemia, da disponibilidade de leitos, de UTIs, de recursos humanos, etc.
Porém, por causa da politização da discussão em torno da pandemia, o Ministério da Saúde ficou praticamente paralisado e o debate de quando e como flexibilizar o isolamento foi interditado. Ainda que nas entrevistas diárias o ministro sempre dizia que aumentar o número de testes, respiradores, UTIs, etc., seria fundamental para o combate à pandemia, pouco foi efetivamente feito nesse sentido. Perdemos muito tempo.
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A discussão sobre quem politizou o debate, quem tem razão, etc., não importa neste momento. O importante é que o debate precisava ser desinterditado para que o País possa se preparar e definir uma estratégia de saída segura do isolamento social.
A troca do ministro da Saúde é um primeiro passo nessa direção. O novo ministro adotou uma atitude de relativa humildade em relação ao grau de conhecimento da doença, ao explicitar o pouco que se sabe sobre o novo vírus, o que tem levado a Organização Mundial da Saúde (OMS) a cometer erros primários em suas recomendações, as diferentes formas com que diferentes países estão enfrentando a doença, os limites dos modelos matemáticos que pretendem antecipar a evolução dos infectados e dos mortos e a necessidade de novas informações para que seja possível desenhar protocolos de enfrentamento da pandemia.
Em lugar da afirmação de que “a ciência mostra inequivocamente que o isolamento social é o único caminho possível, que fora disso é um desastre”, o novo ministro se propõe a analisar os dados, que variáveis afetam a disseminação da pandemia, como controlar essas variáveis e, com isso, tentar evitar a volta da contaminação exponencial. Afinal, o terreno é muito pouco conhecido.
Estamos correndo contra o tempo. Será necessário definir se a oferta de leitos e de UTIs nas cidades é adequada, o número de pessoas testadas (ainda que seja impossível esperar até que seja feito um número suficientemente grande de testes para iniciar a flexibilização), como escalonar a flexibilização dos grupos populacionais e regionais, se começamos pelos mais jovens, por que setores de atividade econômica, o retorno às aulas deve começar pelos adolescentes ou pelas crianças, qual o grau de utilização dos equipamentos e dos recursos humanos.
A estratégia de saída do isolamento social deve ser definida pelos Estados e municípios, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF). A definição de um plano em nível nacional seria um guia a ser seguido pelos entes federados, voluntariamente. A sociedade dá sinais claros de que vai abandonar o isolamento por conta própria, caso as autoridades não implementem um plano de saída organizada.
Vários governadores e prefeitos já anunciam estratégias – algumas mais cuidadosas, outras mais ambiciosas – de saída. Cabe ao governo federal liderar este processo. De acordo com o novo ministro, um primeiro plano será apresentado nos próximos dias. Será um grande passo.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 25/4/2020