Há algumas semanas o FMI divulgou o cenário para a economia mundial, referente ao biênio 2020 e 2021. O cenário básico prevê recuo de 3,0% em 2020 e crescimento de 5,8% em 2021.
O cenário anterior à eclosão da epidemia da Covid-19 previa crescimento mundial de 3,3% em 2020 e de 3,4% em 2021.
Assim, se o cenário básico do FMI se materializar, haverá perda de 6,3 pontos percentuais (pp) em 2020 e ganho de 2,4 pp em 2021. Pouco mais de 60% da perda de 2020 não será recuperada.
É compatível, com o cenário básico do FMI, um retorno da economia mundial em 2022 a crescimento na casa de 3% ao ano.
Assim, duas são as características da dinâmica da economia mundial, segundo o cenário básico do FMI: haverá perda permanente em 2020 de aproximadamente quatro pontos percentuais; e a economia deve retomar crescimento à mesma taxa vigente no período anterior à crise.
A perda permanente deve-se ao fato de a crise ser muito concentrada na redução da demanda de serviços: restaurantes e bares, cinemas e teatros, grandes eventos esportivos e artísticos, turismo, entre tantos outros.
A redução do consumo desses itens por um tempo não eleva a demanda após a saída da política de distanciamento social.
Adicionalmente, a taxa de crescimento futuro não deve ser afetada, pois o choque sofrido pela economia foi externo a ela. A grande crise global (GCG) de 2008 foi diferente. A economia mundial e, em particular, a americana, após a retomada, apresentaram taxa de crescimento permanentemente inferior à observada no período anterior à crise.
Aquela crise foi fruto de erros regulatórios que afetaram por mais de uma década a qualidade da concessão de crédito hipotecário para o segmento de baixa renda nos EUA e inflaram o crescimento antes da crise.
A grande hipótese que sustenta o cenário básico construído pelo FMI é a normalização da atividade econômica no período de afrouxamento da política de distanciamento social.
Isto é, que todas as alterações que ocorrerão em nossa rotina para conviver com o vírus, que ainda estará circulando entre nós sem que tenhamos uma vacina (teremos que esperar até o fim de 2021 para termos uma), não afetarão a produtividade.
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Será possível convivermos no espaço público, com os devidos cuidados —uso permanente de máscara, manutenção de distância entre as pessoas, realocação das jornadas de trabalho para desafogar os transportes públicos, entre tantas outras—, sem que a produção seja muito afetada.
Por esse motivo, o cenário básico do FMI parece ser relativamente otimista. O Fundo também apresentou outros três cenários mais pessimistas. Mas o cenário “básico” é aquele considerado mais provável.
Para o Brasil, o FMI projeta recuo da economia de 5,3% em 2020 e recuperação medíocre de 1,3% em 2021. O crescimento de 2021 parece muito baixo, mas o número de 2020 é bem próximo do cenário do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), de recuo de 5,4%. E tudo indica que a atividade no segundo trimestre deste ano recuará 10% ante o mesmo período de 2019.
Difícil saber se o cenário básico do FMI se materializará. Estimativas de meu colega Lívio Ribeiro, do Ibre, sugerem que a China roda no segundo trimestre, ante o mesmo período do ano anterior, ao ritmo de 3,7%. Bela recuperação em comparação com a queda de 6,8% no primeiro trimestre (em comparação com o primeiro trimestre de 2019).
Esses números para a China são compatíveis com o cenário básico, relativamente otimista, do FMI. Oxalá seja uma primeira boa notícia após tanta coisa ruim.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 10/5/2020