“O conhecimento é o processo de acumular dados; a sabedoria reside na sua simplificação”
Martin H. Fischer
A inteligência artificial deve impactar significativamente diversas profissões, tanto no sentido de extinguir funções profissionais, que não serão mais exercidas por humanos, quanto em relação a mudanças de diretrizes empresariais, de forma que companhias se tornem “data driven”, ou, melhor dizendo, “orientadas pelos dados”. Portanto, profissionais com habilidades de analisar dados tendem a ser demandados e valorizados pelas organizações, e as políticas públicas têm muito a usufruir com esse cenário.
Uma das maiores aliadas da tomada de decisão orientada por evidências é a ciência de dados —área que, em suma, une a programação computacional e a habilidade de processar grandes dados, da ciência da computação à matemática e à estatística, utilizadas na ciência tradicional. Isto porque os algoritmos são eficazes para aprender e para tomar, assertivamente, decisões complexas.
Na área da saúde, por exemplo, o Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (LABDAPS), da USP, já utiliza algoritmos de machine learning para conduzir pesquisas de predição de desfechos relacionados à Covid-19. Em pesquisas conduzidas pelo professor André Filipe de Moraes Batista, fazendo-se uso de dados do Hospital Albert Einstein, foram treinados algoritmos capazes de detectar pacientes que têm Covid-19 apenas a partir de informações provenientes de seus exames de sangue.
As políticas de segurança pública, por terem sua eficácia relacionada à inteligência, podem obter avanços interessantes por meio da ciência de dados. Em meu artigo final para o mestrado profissional em gestão e políticas públicas pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) —orientado pelo professor Nelson Marconi—, utilizei algoritmos para prever o número de flagrantes e o total de ocorrências de roubo de celular na cidade de São Paulo, a partir dos dados de 1 milhão de boletins de ocorrência, utilizando dezenas de variáveis, como marca do aparelho, horário e local do roubo e perfil do assaltante.
A partir do treino de redes neurais artificiais e floresta aleatória, foi possível acertar 60,4% dos flagrantes e 80% do total de ocorrências. E observar, ainda, que tentativas de roubo não consumadas tendem a não ser registradas pela vítima, o que dificulta o patrulhamento policial.
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Enfim, até o terceiro setor já tem utilizado essas técnicas para produzir políticas públicas: o Instituto Millenium —think tank brasileiro– criou o projeto Millenium Analisa, uma divisão de pesquisas de políticas públicas que, em parceria com a consultoria Octahedron Data Experts (ODX), usa algoritmos de machine learning em estudos de finanças públicas; alguns deles, inclusive, premiados como “melhor na categoria Inteligência Artificial” pela Universidade da Pennsylvania, ao lado de gigantes como a Universidade Stanford (Vale do Silício).
Por mais que os algoritmos utilizados não tenham sido recém-criados, pois alguns deles são dos anos 1950, sua utilização cresce, já que esses modelos dependem de grandes quantidades de dados, algo cada vez mais disponível —e a custo de processamento cada vez menor. Logo, o caminho é sem volta. Ou nos adaptamos ou seremos “compulsoriamente” adaptados.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 19/5/2020