A divulgação recente de diversos indicadores de atividade econômica tem levado os analistas a revisarem para baixo as projeções para o desempenho do PIB em 2020. O IBRE/FGV prevê queda de 5,4%, mas já existem estimativas de redução em torno de 8%.
Diante de queda tão abrupta do PIB, a dúvida que se coloca é sobre a velocidade da recuperação da atividade econômica após a pandemia da Covid-19. Minha avaliação é de que, assim como no período que se seguiu à recessão que terminou no quarto trimestre de 2016, teremos uma recuperação lenta após a pandemia, pelos motivos discutidos a seguir.
A principal razão para a lenta recuperação da economia no período 2017-2019 foi o elevado grau de incerteza econômica. De fato, como mostra o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do IBRE/FGV, desde o segundo semestre de 2015 o nível de incerteza da economia brasileira encontra-se muito elevado.
Em uma situação em que não existe clareza sobre a direção da política econômica, os empresários postergam investimentos e contratações formais, como tem acontecido nos últimos anos. Isso ajuda a entender o fato de que no final do ano passado o investimento ainda estava mais de 25% abaixo do patamar observado no segundo trimestre de 2013. Também é compatível com o padrão de recuperação do mercado de trabalho baseado na geração de ocupações informais, especialmente do trabalho por conta própria.
Leia mais de Fernando Veloso
A marcha da insensatez
O risco fiscal da falta de coordenação no combate à pandemia
Quais os efeitos do coronavírus sobre a produtividade?
A queda do investimento e o aumento da informalidade, por sua vez, afetaram negativamente a produtividade do trabalho. Após forte queda durante a recessão, a produtividade voltou a crescer em 2017, mas essa recuperação perdeu fôlego em 2018, culminando com uma queda de 1% em 2019.
Com a eclosão da pandemia, o grau de incerteza subiu para um patamar histórico. O IIE-Br é padronizado de modo a ter média 100 e desvio-padrão 10 no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2015. Em março deste ano, o indicador deu um salto de 52 pontos, seguido de um aumento adicional de 43,5 pontos em abril, atingindo o maior nível já registrado, de 210,5 pontos. Apesar da queda de 20,2 pontos em maio, o IIE-Br permanece 53,5 pontos acima do recorde anterior à pandemia, em setembro de 2015.
Embora a redução de maio indique que a incerteza deve diminuir em relação ao pico de abril, existem fortes razões para acreditar que ela permanecerá acima do nível já elevado que prevaleceu desde o segundo semestre de 2015. Em particular, riscos referentes à situação fiscal, ao ambiente de negócios e de natureza política podem comprometer a recuperação pós-pandemia.
Como tenho discutido neste espaço, os riscos fiscais aumentaram consideravelmente. O problema não é simplesmente o grande impacto fiscal das medidas de combate à pandemia, mas o fato de que o resultado primário ainda pode piorar bastante, seja devido ao aumento das despesas seja caso ocorra uma queda maior do PIB.
Sexta passada, o Ministério da Economia divulgou sua última atualização do impacto fiscal das medidas de combate à pandemia. Seu impacto estimado é de 5,8% do PIB em 2020. Considerando uma queda do PIB de 4,7% em 2020, a estimativa do déficit primário consolidado para este ano é de 9,9% do PIB, com elevação da dívida pública para 93,5% do PIB.
Esses números representam uma deterioração considerável em relação às projeções divulgadas pelo Ministério da Economia no início de maio. Naquela ocasião, a estimativa para o déficit primário era de 8,27% do PIB, com base em uma queda do PIB de 3,34% (estimativa do Boletim Focus no início do mês). A projeção para a razão dívida/PIB era de 90,8% do PIB no final do ano. Ou seja, houve um aumento de 2,7 pontos percentuais na estimativa da relação dívida/PIB entre o início e o final de maio.
Em relação ao ambiente de negócios, tenho chamado a atenção para o grande número de projetos tramitando no Congresso que, em nome do combate à pandemia, interferem em contratos privados, instituem empréstimos compulsórios, promovem aumentos abusivos de impostos, tabelam taxas de juros e congelam preços, ressuscitando intervenções no mercado que tiveram consequências econômicas desastrosas no passado.
+ Abertas as inscrições para o Clube Millenium
Embora essa agenda tenha sido um pouco contida nas últimas duas semanas, os riscos continuam presentes. Por exemplo, ontem foi incluído na pauta do Senado o PL 1542/2020. O relatório apresentado suspende os reajustes de planos privados de saúde por 120 dias. Durante este período, proíbe a cobrança de franquia ou de coparticipação, suspensão ou rescisão unilateral do contrato e suspensão do atendimento de beneficiários inadimplentes, dentre outras medidas.
O relatório do PL 1542/2020 suspende ainda por 60 dias o reajuste anual de preços de medicamentos em 2020. Além disso, o parágrafo terceiro do Art. 3º-C. determina que, mesmo após o período de 120 dias, “poderão ser determinadas medidas adicionais de controle de preços de medicamentos, inclusive o congelamento, caso sejam detectados aumentos abusivos.” O projeto acabou sendo retirado de pauta a pedido de vários senadores, mas as medidas propostas dão uma ideia dos tipos de intervenção que estão sendo considerados.
Outro fator que está contribuindo para a exacerbação da incerteza é de natureza política. Além da falta de coordenação entre Executivo e Legislativo, já verificada antes da pandemia, estamos assistindo a um conflito aberto entre o presidente Bolsonaro e o STF, com consequências difíceis de antecipar, mas claramente danosas para decisões de investimento e de contratação de trabalhadores.
Em resumo, diante da perspectiva de um nível de incerteza no período pós-pandemia ainda mais elevado que o que prevaleceu desde 2015, minha avaliação é de que provavelmente teremos uma recuperação lenta da economia, com baixo investimento, informalidade elevada e produtividade em queda. Somente a combinação de estabilidade política com retomada da agenda de reformas poderá alterar este quadro.
Fonte: “Blog do IBRE”, 01/06/2020