A pandemia do novo coronavírus trouxe mudanças significativas no mundo do trabalho, antecipando tendências que vinham sendo gradativamente implantadas como o home office e a seleção de profissionais de forma totalmente online.
No futuro do trabalho, que já está se desenhando no mercado, as mudanças abrangem também as relações de trabalho, configurações dentro das empresas para priorizar a segurança e saúde dos funcionários, critérios de contratação e formas de medir a produção dos profissionais.
Home office
A grande mudança trazida pela Covid-19 foi a implantação do home office pelas empresas. Com o isolamento para conter a propagação da doença, o trabalho remoto foi a saída encontrada para continuar as atividades, pelo menos para aqueles profissionais cujo emprego não exige presença física em um local específico. Essa medida adiantou uma prática que vinha sendo implantada de forma gradual antes da pandemia por algumas empresas, limitada a alguns dias da semana.
O Twitter, por exemplo, informou em maio que os funcionários poderiam trabalhar de casa para sempre, caso preferissem. A exceção ficaria por conta daqueles profissionais que não conseguem desempenhar o trabalho à distância, como a equipe de manutenção nos servidores.
No entanto, essa mudança na forma de trabalhar traz desafios como continuar produtivo sem a supervisão direta do chefe ou perto dele, mantendo o mesmo número de horas trabalhadas; aumento de gastos com água, luz, internet e mobiliário adequado em casa; capacidade de manter a comunicação de forma virtual com o distanciamento físico de chefes e colegas; além do equilíbrio do trabalho em casa com a vida pessoal.
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De acordo com Susan Hayter, consultora técnica sênior sobre o futuro do trabalho na Organização Internacional do Trabalho (OIT), assim como o Twitter, algumas grandes empresas de países desenvolvidos já anunciaram que o trabalho remoto será o padrão adotado e os trabalhadores não precisarão ir até o escritório, a menos que queiram.
Para ela, a questão é como adaptar as práticas de trabalho e colher os benefícios do trabalho remoto sem perder o valor social e econômico do trabalho presencial.
“A mudança para o trabalho remoto permitiu que muitas empresas continuassem operando e garantissem a saúde e a segurança de seus funcionários. No entanto, as linhas entre o tempo de trabalho e o tempo privado ficaram embaçadas para esses indivíduos, causando um aumento no estresse e na exposição a riscos para a saúde mental”, aponta.
O economista Thomas Coutrot, cujas pesquisas são focadas no impacto da globalização no mercado de trabalho, é cético quanto ao futuro do trabalho à distância. “Talvez as pessoas se deem conta de que o trabalho remoto não tem nada a ver com o paraíso com que elas sonhavam, de conciliação entre vida profissional e a pessoal. Trabalho remoto é difícil: é uma pressão, um isolamento, uma dificuldade de comunicação e cooperação com os colegas. É uma situação bastante precária”, opina.
Ele observa que, em poucas semanas, as empresas já constatam o aparecimento de problemas de saúde física e mental dos funcionários que estão em casa devido à pandemia – um problema que só tende a aumentar.
“O controle do empregador é ainda mais acirrado quando os empregados estão à distância. O trabalhador fica conectado em tempo integral no sistema da empresa. Os chefes podem saber o que cada um está fazendo em tempo real”, frisa.
“Além disso, é uma situação que limita a autonomia, a criatividade, a possibilidade de tomar um tempo para conversar com os colegas sobre assuntos não diretamente ligados ao trabalho, mas que propiciam novas ideias e soluções.”
Organização do trabalho
De acordo com Susan Hayter, em meio a uma dramática desaceleração econômica causada pela pandemia e aumento das taxas de desemprego, existe a possibilidade de se promover mudanças na organização do trabalho, incluindo novos esquemas de compartilhamento que permitam flexibilidade e salvem empregos.
Isso pode significar semanas de trabalho mais curtas ou acordos de compartilhamento de trabalho para evitar folgas em períodos com menos funcionários, ao mesmo tempo em que é reformulado o regime de expedientes para obter melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal no longo prazo.
No LinkedIn Brasil, por exemplo, algumas mudanças na organização já foram colocadas em prática. De acordo com o diretor-geral, Milton Beck, algumas medidas incluem flexibilização de horários, com mudanças no começo e fim da jornada, ou diminuição no número de horas trabalhadas.
Para Susan, a transformação digital e a possibilidade de se envolver em trabalho remoto também trouxe a possibilidade de trabalhadores mais velhos e experientes prolongarem sua vida profissional. “No entanto, para muitos outros, significou isolamento e uma perda de identidade e propósito. O valor social do trabalho e a dignidade e pertencimento derivados dele não podem ser substituídos por salas virtuais, por mais casuais que sejam”, frisa.
Demanda por qualificação
Susan Hayter afirma que, à medida que o trabalho online se incorpora ao mundo do trabalho, é provável que a demanda por trabalhadores qualificados suba junto com seus salários.
“Os que estão entre os escalões de renda mais altas têm maior probabilidade de optar por trabalhar remotamente, enquanto aqueles nos mais baixos não têm escolha terão que se deslocar e perderão mais tempo com esse deslocamento”, comenta.
Segundo ela, as contribuições de profissionais de saúde e outros trabalhadores (por exemplo, professores e funcionários de supermercados) serão mais valorizadas do que antes.
“No entanto, muitos trabalhadores mal remunerados, cujos salários estagnaram diante do declínio do poder sindical e de uma mudança nas relações de emprego, provavelmente verão sua renda ser corroída ainda mais à medida que as fileiras dos desempregados aumentam”, diz.
Susan ressalta que, historicamente, choques econômicos, pandemias e guerras exacerbaram a desigualdade. E a grande questão agora é se haverá crescente instabilidade política e social ou a busca por princípios de solidariedade e tomada de decisão democrática que levem mercados e locais de trabalho na direção da igualdade.
O subprocurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, em entrevista à BBC News Brasil, apontou que a aceleração das ferramentas de trabalho remoto trará a necessidade de adaptação a esse novo tipo de trabalho. Por isso, poderá haver mudança no tipo de capacitação profissional que as empresas passarão a valorizar.
“Antes, se você tinha mestrado, ou doutorado, já seria contratado. Hoje está sendo muito valorizado o que chamam de continuous learning (educação continuada), que é o conceito de você estar sempre aprendendo e fazendo vários cursos, oferecidos pela empresa ou relacionados à área de atuação.”
Segundo ele, os empregadores estarão preocupados com “se você é capaz de trabalhar nesse novo modelo de trabalho, se você vai conseguir prestar o trabalho da forma como a empresa precisa que você preste”.
Engajamento virtual
Maria Luiza Nascimento, diretora de RH da Randstad, empresa de solução de recursos humanos, ressalta a mudança nas relações de trabalho com a interação online.
Segundo ela, como parte da equipe continuará em home office, reuniões, confraternizações, sessões de check-in e check-out diários entre líderes e colaboradores, sessões de feedback, discussões de futuro profissional, entre outros, deverão ser feitos de forma online.
“O grande desafio das empresas continuará a ser como manter todos os colaboradores engajados, mesmo distantes fisicamente. Para tanto, é necessária uma comunicação clara e frequente”, observa.
Maria Luiza aponta ainda que os profissionais deverão ter uma atitude proativa de buscar conexões com o colega de trabalho. Em vez de mandar e-mail, o mais indicado é “puxar” a conversa para uma ferramenta online, onde os interlocutores poderão ver uns aos outros.
“Isso garantirá o sentimento de pertencer a uma equipe. É claro que o líder tem que garantir essa prática, mas todos os profissionais podem ser protagonistas e buscar essa conexão”, opina.
Controle por produção
Maria Luiza Nascimento aponta que existem ferramentas de controle de jornada de trabalho e de atividades que podem ser usadas, mas o que realmente será relevante é a relação de confiança entre líderes e funcionários.
“Deverá ser estabelecido um vínculo entre as partes, onde haja um acordo de metas a serem alcançadas em vez de horas a serem trabalhadas. Esclarecer expectativas de ambas as partes será fundamental para garantir que os objetivos sejam alcançados e que haja uma experiência positiva para ambos os lados”, explica.
Milton Beck, diretor-geral do LinkedIn Brasil, sugere como medidas para trazer mais segurança conversar com os funcionários sobre a questão dos horários, especificar quais os projetos essenciais têm que ser mantidos e quais podem ser postergados e fazer uma medição de produtividade por projetos e não por horas trabalhadas.
“Começar a medir não somente por eu quero você nove horas na frente do computador, mas quero ver tais projetos entregues até tal data, são várias coisas que a liderança pode fazer, além das mais óbvias, que é manter um canal de comunicação mais aberto possível, permitir que as pessoas possam falar, fazer perguntas, que tenham reuniões constantes com as lideranças, porque quanto mais as pessoas estão a par, compartilhando o que está acontecendo na empresa, mais você vai ter um time e menos um amontoado de pessoas”, diz.
Beck afirma que muito da ansiedade e do medo dos profissionais vêm de fantasias que as pessoas têm por falta de informações. “Um horário em que os funcionários podem falar com os gestores, diretores da área e líderes das empresas, colocar suas perguntas de forma aberta sem receio, ter os feedbacks e saber o que está acontecendo é um mitigante de ansiedade” comenta.
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Desconectar será preciso
A diretora de RH da Randstad ressalta que a gestão do tempo tende a ser uma competência ainda mais utilizada e deverá haver um ajuste nas rotinas de trabalho e pessoal para não comprometer a rotina do profissional.
“Respeitar os horários de reuniões agendadas e dos compromissos profissionais é essencial, além de garantir, também, importantes momentos pessoais, tais como parar para almoçar ou tomar um café. É necessário estarmos atentos para que, mesmo estando em casa, tenhamos dificuldade de nos desconectar”, diz Maria Luiza.
Mudanças nos processos de seleção
As formas de contratar profissionais também incorporaram as ferramentas online. Desde o processo de seleção até a entrada do funcionário na empresa, todo o processo tem sido feito de forma virtual. E a tendência veio para ficar.
Maria Luiza Nascimento salienta que os profissionais em busca de novas oportunidades de trabalho devem se preparar para as entrevistas online, pois elas serão cada vez mais frequentes.
“Todo o preparo para uma entrevista pessoal, como aparência e conhecimento prévio das informações da empresa, deverão ser mantidos. Além disso, devem garantir um local silencioso, com iluminação adequada e confortável para participar da entrevista. Deverá também avisar as pessoas que estiverem no mesmo ambiente, na mesma casa, que irá fazer uma entrevista e que, portanto, precisará de um ambiente silencioso e de não ser interrompido”, aconselha.
Da mesma forma, as contratações e demissões também deverão ser adaptadas. Segundo ela, o programa de integração das empresas deverá contemplar um procedimento online, sem deixar de garantir a receptividade no momento da chegada.
“Envolver todos os colegas de trabalho na reunião online de boas-vindas, por exemplo, é uma iniciativa simpática que gera um sentimento de acolhimento para quem está chegando. Do mesmo jeito que no momento do desligamento de um funcionário, quando feito à distância, deverá contemplar um final respeitoso, sendo-lhe oferecido um momento de conversa, após o comunicado”.
Fonte: “G1”