Nos últimos anos, houve forte queda da taxa básica de juros. A Selic é a taxa pela qual o Banco Central remunera o caixa dos grandes bancos. A partir dessa remuneração, as instituições financeiras decidem sua política de concessão de crédito —quanto menor a taxa Selic, maior o estímulo ao crédito—, e toda a estrutura de taxa de juros do país, para diferentes prazos e tomadores, é determinada.
Certamente o recuo da taxa básica de juros deveu-se à alteração do regime de política fiscal e da política de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), observada após o governo Temer, bem como à queda do juro internacional.
Na atual crise, um tema que tem sido tratado é se há algum limite inferior para a taxa básica de juros.
Na ata da mais recente reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, realizada em 16 e 17 de junho, lê-se que “o comitê retomou a discussão sobre um potencial limite efetivo mínimo para a taxa básica de juros brasileira. Para a maioria dos membros do Copom, esse limite seria significativamente maior em economias emergentes do que em países desenvolvidos devido à presença de um prêmio de risco”.
O Copom sugere que o limite para a taxa básica de juros em países emergentes seria dado pela taxa básica de juros internacional somada a uma medida de risco-país.
Mais de Samuel Pessôa
Pastore, a economia com rigor
Ativismo legislativo
Escassez, a norma brasileira
Se o juro cai abaixo desse limite, há forte pressão para a saída de capitais, o que pode acarretar intensa desvalorização do real. A depreciação do real pode afetar a saúde financeira de inúmeras empresas que têm passivos na moeda estrangeira, além de gerar repasse cambial.
Não me parece proceder a preocupação com passivos cambiais. Como Alexandre Schwartsman tem apontado, os setores privado e público brasileiro são liquidamente credores em moeda forte. A desvalorização do real melhora os balanços em termos líquidos.
Por outro lado, a preocupação com o repasse inflacionário da desvalorização faz todo o sentido. No entanto, esse tema pode e deve ser tratado no próprio arcabouço do regime de metas de inflação.
O encarecimento dos insumos importados e o estímulo à exportação, que segue do enfraquecimento da moeda nacional, representam um choque negativo de oferta. Na medida em que há impactos inflacionários —além dos impactos sobre os preços dos bens diretamente afetados pela desvalorização—, o Banco Central precisa subir os juros para conter esses efeitos secundários sobre a inflação.
Ou seja, o perigo são os efeitos secundários da desvalorização sobre a inflação, e não a depreciação em si. Os efeitos secundários, por sua vez, dependem do balanço entre oferta e demanda doméstica.
Mas o Banco Central me parece totalmente correto em afirmar que a manutenção dos juros baixos depende da continuação das reformas que permitem que tenhamos uma política fiscal equilibrada, com gasto público crescendo menos do que a economia.
Em geral, a equação de paridade deve valer: o juro doméstico corrigido pelo risco, somado à taxa de (des)valorização da moeda, tem que ser igual ao juro internacional. Ou seja, para que os juros domésticos em reais sejam baixos sem gerar saídas de capital, é necessário que os investidores esperem que o real se fortaleça.
Para que isso ocorra, temos que partir de uma situação de superávit expressivo nas contas externas. A construção do superávit externo estrutural dependerá de um ajuste fiscal estrutural.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 12/7/2020