O Brasil pode crescer, como está crescendo no momento, a taxas acima de 4,5% ou 5% ao ano. Só que isso não é sustentável. Claramente, a demanda agregada da economia corre por cima do produto interno, o que leva a um aumento do déficit externo (para suplementar a oferta interna) e a pressões inflacionárias (pois nem tudo se pode importar do exterior). Num ambiente externo superfavorável, como o atual, é possível financiar déficits externos elevados, mas uma hora isso se reverte. Antes, contudo, as expectativas inflacionárias terão superado a meta de inflação e o Banco Central, forçado a agir uma vez mais, subindo a taxa de juros Selic. Resultado: mais à frente a economia entra numa nova fase descendente do ciclo econômico, rumo ao limite de 4,5% ou 5% ao ano, frustrando os agentes econômicos.
A explicação para isso é que o Brasil: 1) faz muitos gastos correntes – especialmente no setor público -, que criam demanda, mas, como se sabe, não acrescentam capacidade de produção ou de prestação de serviços ao País; e 2) aumenta pouco sua produtividade. Todas as vezes que o investimento privado responde com maior força aos estímulos econômicos, falta poupança, ou, dito de outra forma, dá-se o congestionamento de gastos – e, na sequência, as pressões inflacionárias.
Não tem jeito: o País precisa investir mais e o setor público, gastar menos em pessoal e programas ineficientes, para abrir espaço aos investimentos. Mais ainda: ambos os setores – público e privado – devem investir mais em infraestrutura, especialmente de transportes, em que o dilema se manifesta com maior força. Não só porque há um grande atraso a tirar, como porque é ali que o conflito entre consumo e investimento se manifesta com maior força. Não podendo importar serviços de infraestrutura (a não ser em casos extremos, como o da usina hidrelétrica na fronteira com outros países), só se aumenta a oferta interna investindo mais domesticamente.
Sobre o atraso na área de transportes, os dados do portal SigaBrasil mostram que os investimentos do Ministério dos Transportes aumentaram de forma expressiva nos últimos anos, pois é costume comparar esses gastos com os de 2002 ou 2003, quando ocorreram os menores dispêndios nos últimos 40 ou 50 anos. Quando a comparação é feita com dados oficiais relativos aos anos 70, e em porcentagem do PIB, vê-se que a União gastou no ano passado não mais do que 17% dos investimentos daquela época áurea. Por mais que tivesse diminuído o crescimento da demanda por serviços de transportes, e em que pese o surgimento das concessões rodoviárias, não há como justificar tal redução de investimentos.
O curioso é que a introdução da Cide-Combustíveis, que é basicamente um tributo só utilizável pela área de transportes, fez pouca diferença nesse processo. Sem falar que a arrecadação vem caindo drasticamente desde sua entrada em vigor, demonstrando o descaso do governo para com essa fonte. Com efeito, a receita bruta da Cide caiu de R$ 8,4 bilhões, em 2003, no seu segundo ano de vigência, para R$ 3,8 bilhões, no ano passado, a preços de 2009.
Mesmo assim, desde sua introdução (2002) e até 2009, a Cide rendeu R$ 50,2 bilhões aos cofres da União, a preços desse ano, deduzindo-se as transferências desse tributo para Estados e municípios. Em contraste, e para cálculo nas mesmas bases, foram gastos apenas R$ 37,6 bilhões em investimentos federais, faltando, portanto, a bagatela de R$ 12,6 bilhões.
Proponho outro cálculo para a dívida da União com o setor de transportes. O investimento mínimo em transportes deveria ser igual à soma de duas parcelas: 1) a média de 1990-2001, algo ao redor de 0,2% do PIB, que corresponde ao “fundo do poço” na evolução do gasto desde os anos 70, e antes da Cide; 2) o próprio valor líquido da arrecadação da Cide, em que pese o descaso das autoridades com a sustentação de seus ingressos (pois deve ser o único item da carga tributária que mostra forte queda em termos reais desde sua criação…). Calculando a diferença entre o investimento observado e a citada soma, chega-se a uma diferença acumulada de não menos do que R$ 96,8 bilhões entre 2002 e 2009, atualizando os valores pela taxa de juros Selic.
A saída é rever cuidadosamente a pauta de gastos, especialmente na União, identificando as áreas em que os gastos são elevados e a eficiência é baixa. O gasto de pessoal é o candidato natural a liderar o processo de ajuste, pois, no setor público, ineficiência tem que ver fundamentalmente com uso inadequado desse fator de produção. Num dos aspectos a serem abordados, os altos salários, é só procurar os estudos da FGV-SP sobre quão mais altos os salários de servidores se tornaram em relação aos do setor privado, em carreiras equivalentes.
No mais, sugiro acessar a página http://www.brasileficiente.org.br/Resources/Downloads/Proj%20Contr%20Gasto%20(final,%2026mai2010).pdf e examinar o estudo sobre os gastos públicos excessivos e ineficientes que coordenei recentemente.
Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo” – 13/09/10
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