A pandemia do coronavírus criou situações inesperadas para consumidores e empresas e fez com que relações de consumo fossem repensadas. Voos e viagens precisaram ser cancelados, aulas presenciais foram substituídas por transmissões virtuais, entregas se tornaram mais populares e boa parte da população perdeu sua fonte de renda total ou parcialmente.
Diante da nova realidade, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou 15 novas leis para proteger os consumidores, neste momento de crise. Algumas, no entanto, enfrentam resistências e foram até contestadas na Justiça.
A Lei estadual 8.888, por exemplo, proíbe as concessionárias de telefonia, TV por assinatura e internet de cobrarem multa por cancelamento de contrato, mudança de operadora ou troca de plano.
Quando tomou conhecimento da lei, o publicitário Willian Costa, de 26 anos, que mantinha um plano de celular da Oi com a namorada, Ana Beatriz, de 22, decidiu cancelar o contrato. Ao receber a fatura, porém, viu que a empresa havia cobrado a multa.
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— Liguei para a central de atendimento, mas me informaram que a lei só era válida para contratos feitos após a pandemia, o que não faz sentido — contou Willian.
De fato, a nova lei não prevê que a isenção de multa seja garantida apenas para contratos iniciados a partir da situação calamidade. Solange Borges, coordenadora jurídica da Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj, avalia que não deve haver distinção entre contratos assinados antes ou depois da pandemia.
— O entendimento é que, independentemente de ter sido assinado antes, o contrato pode ser cancelado ou alterado. O objetivo da lei é assegurar uma relação de consumo justa. Se a pessoa não tiver condições financeiras de continuar pagando o serviço ela não pode ser prejudicada com a multa — explicou.
Procurada, a Oi informou que vai entrar em contato com o cliente para chegar a um entendimento. A companhia esclareceu que segue as determinações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) — órgão regulador das telecomunicações — e demais leis do setor.
Perda de renda
Segundo Solange Borges, o consumidor precisa ser protegido, pois costuma ser a parte mais fraca da relação de consumo.
— Uma das mudanças mais importantes foi a proibição do corte no fornecimento de serviços essenciais, como água e energia elétrica, por falta de pagamento. Muitas pessoas perderam renda, mas precisam desses serviços mais do que nunca. Outra lei importante é a que garante o reembolso ou a remarcação de passagens aéreas — disse.
Entre as leis mais polêmicas aprovadas pela Alerj está a que obriga as escolas particulares que substituíram as aulas presenciais pelas on-line a oferecerem descontos nas mensalidades. No Rio, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino havia conseguido uma liminar que suspendia os efeitos da medida. No entanto, a decisão provisória foi derrubada pelo Tribunal de Justiça. Agora, a constitucionalidade da lei será analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto isso, a nova regra segue valendo no Estado do Rio.
Ana Carla Azevedo Rocha, de 33 anos, é enfermeira e está cursando Direito. Depois de solicitar desconto algumas vezes, conseguiu ser atendida.
— Por eu já ter um abatimento referente à segunda graduação, não queriam me dar o desconto garantido por lei. Tive que falar com o setor financeiro da universidade, depois com o jurídico, e dizer que procuraria um órgão de defesa do consumidor. Mas resolvi tudo administrativamente — afirmou.
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Discussão na Justiça
Para Juliana Moya, especialista em Relações Institucionais da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), o desconto na mensalidade é uma das leis que mais têm gerado reclamações de consumidores.
— Essa questão tem ido e vindo no âmbito judicial, o que também causa confusão. Mas a medida está valendo. Se a instituição se recusar a dar o desconto, o consumidor pode fazer uma denúncia a um órgão de defesa do consumidor ou ingressar com uma ação — disse a especialista.
Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que o questionamento de algumas leis na Justiça pode gerar insegurança, mas “faz parte do processo democrático”.
— Infelizmente, o consumidor precisa ficar atento ao que está valendo no momento e aguardar a decisão final. O que temos visto é uma Justiça atenta às necessidades dos consumidores.
Algumas questões podem demorar e até chegar para discussão no STF — afirmou Britto.
Fonte: “O Globo”