Com o final do período de vigência do Auxílio Emergencial se aproximando, intensificou-se o debate em torno de sua prorrogação até o final do ano. Enquanto o governo tem acenado com valores na faixa de R$ 250-300 mensais de setembro a dezembro, alguns parlamentares com liderança no Congresso têm se manifestado favoravelmente à manutenção do valor de R$ 600.
Embora tenha tido papel importante na proteção de um grande segmento da população, em particular os trabalhadores informais, o custo do programa, de cerca de R$ 50 bilhões por mês, é extremamente elevado e insustentável sob o ponto de vista fiscal. É preciso, portanto, encontrar formas de estender a rede de proteção social sem comprometer as contas públicas.
Após a eclosão da pandemia, tornaram-se frequentes as referências aos chamados “invisíveis”. Sob o ponto de vista estatístico, no entanto, os informais são visíveis há várias décadas nos dados da PNAD e, desde 2012, na PNAD Contínua.
A década de 1990 foi um período de elevação da informalidade no país, particularmente nas áreas urbanas. Depois de forte queda durante os anos 2000, que continuou em menor intensidade até 2014, a informalidade voltou a subir com a recessão de 2014-2016 e a lenta recuperação que se seguiu. Pouco antes da pandemia, a taxa de informalidade estava em torno de 42% da população ocupada.
A pandemia evidenciou a enorme vulnerabilidade social desse grupo de trabalhadores, o que levou à aprovação do Auxílio Emergencial e sua recente prorrogação por dois meses. Embora visíveis nas estatísticas, os informais são de fato invisíveis em termos de cobertura de políticas públicas. Enquanto as famílias mais pobres são cobertas pelo Bolsa Família e os trabalhadores formais têm direito a vários benefícios previdenciários e trabalhistas, trabalhadores sem carteira assinada e grande parcela dos trabalhadores por conta própria não são cobertos pela rede de proteção social.
Esse contexto estimulou o surgimento de várias propostas, tanto por parte de analistas como de parlamentares, com o objetivo de reforçar a rede de proteção social do país.
O governo também tem sinalizado que apresentará em breve um novo programa, o Renda Brasil. Segundo informações divulgadas na mídia, o Renda Brasil consistirá de um benefício mensal de cerca de R$ 300, a ser pago às 14 milhões de famílias que atualmente são beneficiárias do Bolsa Família e mais 6 milhões de famílias de baixa renda que receberam o Auxílio Emergencial.
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Para financiar o Renda Brasil, seriam utilizados recursos atualmente alocados para o Bolsa Família (R$ 33 bilhões) e cerca de R$ 20 bilhões a serem obtidos com o fim do Abono Salarial, Seguro Defeso e Salário Família.
O programa envolveria, portanto, um aumento do valor do benefício (atualmente de cerca de R$ 190 mensais), uma expansão do público atendido e a fusão de alguns programas sociais para aumentar sua focalização e eficiência no combate à pobreza, além de maior cobertura aos informais de baixa renda.
Esta concepção tem vários méritos, como a ideia de aproveitar o conhecimento acumulado com os programas sociais já existentes para aprimorá-los, ao invés de criar novos programas em adição à estrutura existente. Outro ponto positivo é sua preocupação com a sustentabilidade fiscal, partindo do pressuposto correto de que o desequilíbrio fiscal prejudica principalmente os mais pobres.
O aspecto da proposta que tem caráter mais inovador e merecerá um debate mais aprofundado diz respeito à proteção aos informais. Novamente com base nas informações veiculadas na mídia, o Renda Brasil estenderá o sistema de proteção social por meio de transferências para trabalhadores de baixa renda que atualmente não atendem os critérios de elegibilidade do Bolsa Família.
Embora esta forma de inclusão mereça consideração, existem alternativas. A própria equipe econômica aparentemente considera que a desoneração da folha permitirá um aumento da proteção social por meio da geração de emprego formal. No entanto, como discuti na última coluna, embora existam várias distorções associadas à contribuição sobre a folha, os efeitos da desoneração não são claros e sua implementação deve ser feita com muita atenção aos detalhes e às lições das experiências de outros países.
Outra proposta que surgiu no debate público seria a criação de uma renda básica universal. Contudo, além de sua baixa focalização, seu custo fiscal é proibitivo. Segundo estimativas de Marcos Mendes, um programa universal de renda mínima, em que cada brasileiro receberia, mensalmente, R$ 400, e o Bolsa Família seria extinto, ampliaria a despesa pública em R$ 983 bilhões ao ano.
A maioria das propostas procura proteger os informais por meio de transferência de renda. No entanto, o que ficou evidenciado na pandemia foi a vulnerabilidade desse segmento de trabalhadores diante de perdas abruptas de renda. Isso sugere que um instrumento mais efetivo de proteção seria alguma forma de seguro social.
Neste sentido, vários países têm discutido mecanismos de seguro social universal, que protejam os trabalhadores independentemente de seu vínculo empregatício. Uma motivação importante para essa discussão decorre do impacto de novas tecnologias no mercado de trabalho, cuja consequência têm sido o surgimento de novas modalidades de emprego com baixa proteção social, como as associadas à “economia dos aplicativos”.
Este é um debate de grande importância e complexidade, que precisa levar em consideração a restrição fiscal. O governo deveria apresentar logo sua proposta e trabalhar com o Congresso na construção de um aprimoramento de nossa rede de proteção social.
Fonte: “Blog do IBRE”, 21/8/2020