Não é preciso retomar aqui todas as estatísticas sobre o crescimento e o desenvolvimento do Brasil nas últimas décadas: os dados disponíveis confirmam que o Brasil foi um dos países que mais cresceu no mundo, nos primeiros 80 anos do século XX. Cresceu em termos nominais até mais do que o Japão, tendo sido, no entanto, “penalizado” no crescimento da renda per capita pela sua maior “vitalidade” demográfica; mas estagnou a partir das crises da dívida e da instabilidade macroeconômica e nunca mais recuperou um ritmo adequado de crescimento desde então. A expansão dos anos recentes foi mais o resultado da demanda externa – e da extraordinária valorização dos produtos brasileiros de exportação, em especial as commodities – do que de um processo deliberado e planejado de aumento da capacidade produtiva.
A razão é muito simples: o Brasil cresce pouco porque investe muito pouco, e investe pouco porque o estado extrai recursos em demasia da sociedade, diminuindo a capacidade do setor privado de se expandir e criar empregos, renda e riqueza. Sim, acredito que ninguém que lê estas linhas acredite que o estado crie riqueza: ele apenas extrai uma parte da riqueza gerada no setor privado, por empresários e trabalhadores, para fazer aquilo que os estados normalmente fazem: prestar serviços coletivos e contribuir para a criação de um bom ambiente de negócios, capaz de, justamente, gerar ainda mais renda e riqueza. Ora, se o estado se apropria de uma parte desproporcionalmente elevada da renda gerada na sociedade, ele diminui proporcionalmente o volume de investimentos necessários à expansão da oferta agregada (para empregar termos que os adoradores do estado compreendem bem).
É sabido que, no Brasil, o estado se apropria de mais de 38% do PIB gerado a cada ano; provavelmente mais do que isso, pois precisamos computar também a parte que ele gasta com a dívida pública que não é coberta pelo superávit primário, de aproximadamente 3%; ou seja, o estado “gasta” 41% da renda nacional, o que representa cerca de 10 a 12 pontos percentuais a mais do que países com níveis semelhantes de renda per capita. Não existe, assim, a menor possibilidade de que o Brasil possa crescer a taxas maiores, com esse nível de extração de recursos.
Claro, a outra explicação possível, preferida daqueles que apreciam o papel “indutor” do estado no processo de crescimento e de desenvolvimento, é aquela que diz que as forças livres do mercado, deixadas à espontaneidade natural do sistema capitalista, não poderiam realizar o tipo de desenvolvimento requerido pela sociedade brasileira; ou seja, equilibrado, socialmente justo, com redistribuição dos benefícios para o conjunto da população brasileira, em lugar do velho modelo concentrador que tivemos durante décadas no Brasil. As mesmas pessoas preconizam maior nível de investimento público, controle estrito das áreas abertas ao investimento estrangeiro, criação de estatais e distribuição de renda por meio de mecanismos públicos, ou centralmente administrados, em lugar de fazê-lo pelas “forças cegas do mercado”, que segundo eles seriam normalmente concentradoras de renda.
Interessante observar – mas para isso eu não encontro resposta nos textos que defendem a filosofia acima descrita – que o Brasil nunca foi um país no qual imperassem as forças livres do mercado. Ao contrário: tudo o que sabemos é que, até onde a vista alcança para trás, o Brasil sempre foi um dos países mais estatizados, dirigistas e administrativamente controlados do mundo em desenvolvimento. Desde que se acelerou o processo de industrialização, a partir dos anos 1950, nunca houve no Brasil aquilo que se poderia chamar de “forças livres do mercado” atuando de maneira desimpedida para criar uma economia capitalista em moldes clássicos, ou seja, com grau limitado de intervenção estatal e com muita competição nos mercados. Ao contrário, o estado sempre comandou uma fração importante da formação do PIB, como ele determina, por sua ação regulatória, indução fiscal, suporte financeiro e até por coerção direta, muitas decisões no setor privado da economia; e não poderia ser de outro modo: capitalistas, cartorialistas ou não, não conseguem competir com, ou contra, essa força indiscutível que é o estado.
Em síntese, eis o quadro que é possível traçar para o pífio crescimento do Brasil nos anos recentes. E que não se venha argumentar que no período militar o estado era muito mais intervencionista e que mesmo assim o crescimento era inegável. Seria necessário reconsiderar os dados exatamente como eles são: de fato os militares – ou melhor, tecnocratas a serviço de militares nacionalistas e, obviamente, desenvolvimentistas – presidiram a uma das fases de maior intervencionismo estatal na vida econômica do país, com significativo aumento da carga fiscal. Acontece apenas que o próprio estado investia uma grande parte do que arrecadava da sociedade, o que evidentemente não ocorre hoje. A parte dos investimentos produtivos nas despesas públicas caiu a níveis irrisórios; e, no entanto, a carga fiscal continua aumentando, quase um ponto percentual do PIB a cada ano; nessas condições, fica difícil crescer. Não encontro outra explicação mais plausível para o baixo grau de desenvolvimento econômico do Brasil nas últimas décadas.
Existem, evidentemente, outras linhas explicativas para o nosso parco avanço econômico e social, entre elas os baixos níveis de educação formal e de qualificação técnica da população brasileira, o que diminui sensivelmente o crescimento da produtividade da economia como um todo. Este pode ser um fator relevante, posto que o Brasil vive praticamente em situação de estabilidade macroeconômica desde uma década e meia, sem grandes crises desde então (mesmo as crises financeiras no plano externo foram contornadas por meio de pacotes preventivos de ajuda do FMI, e não redundaram em inadimplência ou moratória por parte do Brasil).
A única conclusão lógica que consigo tirar de todas as explicações possíveis, e plausíveis, para o não desenvolvimento brasileiro – acima de certo patamar, entenda-se – é a de que o estado, outrora promotor desse desenvolvimento, converteu-se em poderoso obstrutor das possibilidades de crescimento sustentado, tanto pelo grau exageradamente elevado de extorsão fiscal, como pelos níveis absurdamente altos de intrusão regulatória no que deveria ser uma economia capitalista de mercado. Sim, tenho a impressão de que ninguém hoje em dia, nem mesmo os militantes do PCdoB ou do PSOL, alimenta a ilusão de que o Brasil venha converter-se, no futuro previsível, em uma economia socialista. Se isso é verdade, também tenho a impressão de que aqueles que acreditam na ação benéfica e “corretora” do estado, para fins de desenvolvimento, são em muito maior número, e detêm muito mais poder, do que os que acreditam que uma economia de mercado mais livre seja o melhor caminho para o desenvolvimento do Brasil.
A bem da verdade, acredito que nem mesmo os capitalistas brasileiros sejam verdadeiramente capitalistas, posto que eles estão sempre indo a Brasília, diretamente ou por meio de suas associações de classe, pedir alguma medida de favor (sob forma creditícia) ou obstrutora (uma tarifa contra a concorrência estrangeira) que lhes garanta alguma reserva de mercado ou alguns ganhos monopolistas durante algum tempo mais. Acho que eles não percebem que o que o Estado lhes dá com uma mão, por um lado, retira por outro, com a outra mão, de toda a sociedade brasileira.
Assim caminha (ou não) o Brasil…
(Publicado em “OrdemLivre.org“)
Quanta bobagem