Para 24 governadores, a ajuda financeira concedida pelo governo federal com o objetivo de mitigar o impacto econômico provocado pela pandemia do novo coronavírus já foi mais do que suficiente para compensar a perda de arrecadação.
Um estudo elaborado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) – órgão ligado ao Senado Federal – revela que apenas Ceará, Santa Catarina e São Paulo não registraram ganhos acumulados de receita no período de 12 meses até setembro.
Em alguns estados, segundo o levantamento, a melhora chega a superar os dois dígitos de ganho em relação à receita tributária. O avanço mais expressivo foi observado no Amapá (27,7%), seguido por Roraima (26,1%), Acre (17,8%) e Tocantins (10,9%).
Ao todo, a ajuda do governo para os estados já superou as perdas em R$ 12 bilhões.
“Esses números evidenciam que o valor estipulado (pelo governo federal) acabou sendo maior do que o necessário para compensar a perda de receita, até porque não houve a opção de fazer o chamado ‘seguro-receita’, que é compensar exatamente o valor da perda”, diz o diretor da IFI e responsável pelo estudo, Josué Pellegrini.
O levantamento leva em conta apenas a transferência de R$ 37 bilhões do governo federal para os estados e, portanto, pode ser considerado conservador. O estudo não engloba, por exemplo, a suspensão da dívida dos Estados com a União nem os créditos extraordinários para a saúde.
O repasse de recursos a estados e municípios foi definido em lei sancionada em maio deste ano, para tentar reduzir os impactos provocados pela crise do coronavírus. Além dos R$ 37 milhões para os estados, foi definido o repasse de R$ 23 bilhões para os municípios (veja aqui como foi a distribuição dos recursos)
A divisão de recursos da União para os estados foi definida com base na arrecadação do ICMS, no tamanho da população, na cota do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e na contrapartida que o governo federal desembolsa para garantir as isenções fiscais nas exportações.
“Os estados com uma participação maior na arrecadação de tributos acabaram tendo uma fatia menor do auxílio, em relação à participação na receita, enquanto que os estados que contam com uma participação menor na arrecadação terminaram com uma fatia maior do auxílio”, explica Pellegrini
As contas estaduais também foram beneficiadas porque a crise econômica se revelou menos intensa do que a esperada. No início da pandemia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previa que a contração do Produto Interno Bruto (PIB) do país poderia chegar a 9,1% neste ano. Hoje, os analistas estimam uma queda bem menos intensa, de 4,66%.
Com a queda mais branda da atividade econômica, sobretudo por causa do impacto do Auxílio Emergencial, os estados também foram beneficiados pelo aumento da arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual e bastante atrelado ao ritmo da economia.
“Havia a expectativa de uma atividade bem mais fraca, de uma queda bem pior. E isso não ocorreu justamente por conta do Auxílio Emergencial, da injeção enorme de recursos e do seu impacto sobre a demanda”, afirma Pellegrini.
Na leitura do Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal (Comsefaz), apenas no final deste ano será possível identificar a real dimensão do impacto do auxílio financeiro prestado pela União nas contas dos estados.
As contas estaduais, segundo o comitê, foram muito pressionadas pelo crescimento dos gastos em função da pandemia.
“Quando eu junto todos esses fatores, você vai ter uma realidade distinta, com mais estados que não foram compensados adequadamente pelos auxílios prestados pelo governo federal”, diz o presidente do Comsefaz, Rafael Fonteles. “Estamos aguardando o final do ano para fazer um estudo específico sobre quais entes tiveram um auxílio superior à perda.”
Melhora de caixa é incerta
A crise econômica provocada pelo coronavírus pegou boa parte dos governadores no contrapé. A situação das contas públicas dos estados já era bastante crítica no início do ano, mas os estados tiveram de interromper as medidas de ajuste fiscal por causa da pandemia.
Agora, a dúvida é como ficam as contas estaduais a partir do próximo ano, já que, por ora, não existe nenhuma previsão de continuidade das transferências extras da União e do Auxílio Emergencial e há incertezas sobre a intensidade da pandemia de coronavírus, o que pode voltar a atravancar a economia.
“São muitas as incógnitas para o país como um todo. A gente não sabe como a pandemia vai evoluir, se vai haver ou não uma segunda onda”, afirma Pellegrini. “Tudo isso traz questões importantes”, alerta.
Em 2021, as finanças estaduais também serão pressionadas por outro fator: os governadores terão de retomar o pagamento da dívida à União.
“A preocupação é exatamente para o fim do ano que vem, de como ficará a situação dos estados. Há uma melhora provisória, mas as medidas tomadas até agora poderão ser insuficientes para a saúde financeira dos entes subnacionais a partir do ano que vem”, diz Fonteles, do Comsefaz.
Diante desse quadro, os especialistas avaliam que os estados vão ter de retomar reformas estruturais para garantir o equilíbrio das contas públicas, em especial com reformas, como a da Previdência e administrativa, que diminuam o peso dos gastos obrigatórios nos orçamentos estaduais.
“O problema central é o peso e a dinâmica das despesas obrigatórias, então é preciso pensar em soluções que deem instrumentos para os estados controlarem melhor esses gastos”, diz Josué.
Fonte: “G1”, 19/11/2020
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