Desde Thales de Mileto, filósofo grego que no século XVI a. c. observou a capacidade do âmbar de atrair objetos leves para si, até os tempos atuais, no qual vivemos de tomada em tomada, para garantir o funcionamento dos nossos gadgets, muitas mudanças ocorreram. A energia elétrica revolucionou o mundo e nos tornou completamente dependentes. No Brasil, essa dependência foi posta à prova em novembro, quando o estado do Amapá esteve por mais de 20 dias às escuras.
O setor elétrico brasileiro tem diferentes elementos na sua cadeia de funcionamento: as geradoras, responsáveis por gerar energia de diversas fontes (água, sol, vento, gás natural e biomassa); as transportadoras, ou transmissoras de energia, que levam blocos grandes de energia até as linhas de distribuição; as distribuidoras, que levam a energia até o consumidor final; E os comercializadores de energia elétrica, que atendem o que chamamos de mercado livre, grandes consumidores que compram energia diretamente do gerador, sem passar pela distribuidora.
A ANEEL é a guardiã desses contratos e tem como função principal garantir que o consumidor tenha um produto de qualidade e uma tarifa justa. Mas, do ponto de vista da governança, não é a única engrenagem do setor.
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Além do Ministério de Minas e Energias, há uma Secretaria de Planejamento, para organizar o setor; uma Secretaria de Energia Elétrica, que ajuda a planejar e fiscalizar; o Operador Nacional do Sistema, que é o órgão que faz o despacho da energia; a empresa de planejamento energético, que tem a função de elaborar planos de curto, médio e longo prazo para o setor elétrico, em conjunto com a Secretaria de Planejamento do Ministério; a CCEE, que é a câmara de comercialização de energia elétrica, que são aqueles contratos feitos entre geradores, distribuidores e comercializadores; e a Eletrobrás, com foco em geração e transmissão de energia.
Para Adriano Pires, diretor fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), falta clareza no que é responsabilidade de cada órgão. “Seria importante rever essa governança para delimitar as fronteiras de atuação de cada órgão desse, para quando ocorrer qualquer problema no setor elétrico, como aconteceu no Amapá, esses diferentes órgãos funcionem em conjunto.”, argumentou. Ouça o podcast!
Marco regulatório
O marco regulatório é de extrema importância e beneficia o consumidor. Atualmente, dois projetos de modernização do setor elétrico brasileiro estão tramitando em Brasília: a PLS 232, no Senado; e o Código Brasileiro de Energia Elétrica, na Câmara.
Entre as mudanças principais, está a precificação condicionada ao horário do consumo, algo que ainda não existe no Brasil, na qual a tarifa é cobrada de acordo com o horário de utilização.
A ampliação do mercado livre, que hoje é responsável por cerca de 25% da energia comercializada no Brasil, também está em discussão. A ideia do marco regulatório é possibilitar que os pequenos consumidores e consumidores residenciais possam escolher a empresa que vai atendê-los no fornecimento de energia, assim como já acontece com os grandes consumidores.
Outro ponto importante é sobre a geração distribuída, na qual o consumidor gera a própria energia e até vende o excedente. “O exemplo mais claro de geração distribuída é a energia solar. É colocar placas fotovoltaicas na sua residência ou na sua empresa, gerar sua energia, e o excedente vender para a rede”, contou.
O conceito é perfeito, mas geração distribuída é um desafio, porque quem consegue custear a colocação de painéis solares nas residências ou nas empresas é quem tem renda. O consumidor mais pobre, que poderia se beneficiar com a economia, não tem dinheiro para colocar esse painel solar e fazer a sua própria geração. E, à medida em que a distribuidora perde consumidores, a conta de luz aumenta para quem ficou, ou seja, para os mais pobres.
“O setor elétrico funciona num sistema como se fosse um condomínio. Imagina que você mora num prédio de 50 apartamentos. Se 10 apartamentos não pagarem o condomínio e você quiser manter o prédio com a mesma segurança, a mesma limpeza que existia quando todo mundo pagava, aqueles 40 que continuam pagando, vão pagar mais caro”, explicou Adriano.
Quando o assunto é energia elétrica ainda há muito a ser feito, inovado e implementado. Sem dúvidas, o marco regulatório é uma grande oportunidade para corrigir anomalias regulatórias, mas também é muito importante tomar cuidado para não criar novas distorções e beneficiar mais um consumidor do que o outro.