Depois de um 2020 caótico para o mundo inteiro, as perspectivas para 2021 são, no mínimo, um pouco melhores do que a realidade enfrentada no ano que passou. Temos incertezas, principalmente na área da saúde, mas isso não significa, necessariamente, um cenário negativo.
Para Zeina Latif, doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e consultora econômica, a retomada da vida normal depende inteiramente do fim da crise sanitária. “É importante entender que se não tivermos tranquilidade em relação a vacinação, é difícil esperar que as pessoas retomem os seus hábitos”, explicou. Ouça o podcast!
Apesar de termos iniciado a vacinação, não sabemos em quanto tempo atingiremos a imunidade da população o que é uma questão preocupante, que afeta o comportamento das pessoas, a economia e, claro, a geração de empregos.
Nós não temos mais o mesmo espaço para implementação de políticas de socorro, como as que foram conduzidas até aqui pelo governo via Banco Central, BNDES e Ministério da Economia.
Não podemos esperar puxadas de crescimento ou maior alívio ao longo de 2021. A previsão de crescimento da economia em 3,4% está apoiada em um cenário de crise, que não reflete crescimento real. “Esse número de 3,4 é reflexo de uma base de comparação baixa ou, sendo mais precisa, é o que os economistas chamam de carrego estatístico”, opinou.
A queda e posterior início de recuperação da economia, no segundo semestre de 2020, resultou em um valor médio do PIB muito baixo no ano passado. Isso garante, estatisticamente, que alcançaremos um crescimento maior do que 3% em 2021. “Se tivermos a cada trimestre de 2021 o PIB praticamente estável e um crescimento muito baixo, já conseguiríamos um crescimento em torno de 3%. Esse número que o mercado projeta não é um número positivo”, explicou.
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A economia brasileira já apresentava um baixo dinamismo, mesmo antes da crise sanitária. No final de 2019, o PIB ainda estava 3% abaixo do que o apresentado no período que antecedeu a recessão de 2015 e 2016.
A pandemia foi o tiro de misericórdia em uma economia já bem debilitada. “Estamos falando de muita gente desempregada, de empresas passando por dificuldades financeiras, que vão demorar a colocar essas contas em dia. Também há empresas que não vão aguentar, que já estão fechando, e outras que nem conseguem abrir”, afirmou a economista.
Equilíbrio das contas públicas é essencial para a estabilidade macroeconômica
Outro ponto sensível para a economia é a situação das contas públicas. Apesar de não ter indicações de inflação fora de controle, ou de um choque de juros no Banco Central, algumas incertezas fiscais devem ser observadas com atenção, como a taxa de câmbio mais volátil e curvas de juros mais pressionadas em comparação com outros países.
A crise que gerou desvios inevitáveis nos dados fiscais tornou a agenda de reformas ainda mais urgente. O caminho para conter o crescimento dos gastos públicos são as reformas estruturais do lado fiscal, o que também favorece a recuperação da própria economia. “Quando a gente fala em ajuste fiscal, é justamente passar um pente fino, cortar políticas que se mostram ineficientes, que se mostram injustas e que acabam atrapalhando o crescimento econômico”, explicou.
Acreditar que o teto de gastos, sozinho, represente ajuste fiscal, é um erro. O teto de gastos sinaliza que há um plano em curso para manter um compromisso com um ajuste das contas públicas. Romper com esse compromisso pode ser muito penoso para a economia, pois, embora a flexibilização do teto de gastos seja uma opção, considerando que temos uma crise de saúde em curso, não será sem consequências. “Isso vai abrir um precedente complicado no Brasil, país que mal começou a fazer o seu ajuste fiscal, já está pedindo uma folga”, contou.
Furar o teto de gastos terá repercussão nos mercados, nas decisões dos agentes econômicos, podendo deixar a moeda mais volátil. A alternativa seria aceitável caso tivéssemos feito todos os cortes possíveis, aprovado a reforma administrativa e a PEC Emergencial, ou seja, tomado todas as medidas existentes antes de apelar para a flexibilização.
“Temos sim espaço para sermos um pouco mais ambiciosos nessa agenda de contenção das despesas obrigatórias. Claro, depende de aprovação do Congresso, nada é fácil. Sabemos que o nosso orçamento está quase todo carimbado de despesas obrigatórias”, explicou.
A saída para a recuperação da economia seria um avanço na agenda de reformas. “Por isso essa insistência dos analistas sobre sermos mais ambiciosos com reformas estruturais, para conseguirmos recuperar esse tempo e termos uma volta mais rápida do crescimento”, apontou.
Com tudo o que vivemos em 2020, é impossível negar que tivemos acertos, principalmente, no Ministério da Economia. “Poderia ter sido uma recessão muito mais grave. O Banco Central, por exemplo, fez um belo trabalho. Temos também iniciativas importantes do BNDES. Tivemos o Ministério da Economia reagindo e estabelecendo corretamente prioridades”, pontuou a economista.
No entanto, do ponto de vista da saúde, a condução da crise foi insuficiente. “A saúde não foi priorizada como deveria e isso tem consequências na economia”, finalizou.
O momento é de aprendizado. Entender quais são os pontos críticos do Brasil e avançar nas melhorias é uma coisa boa que poderemos tirar de tempos tão críticos. Afinal, quem não aprende com os próprios erros, fatalmente, estará fadado a repeti-los.