O presidente Lula gosta de elogios.
Na verdade, acha até que os “elogiadores” têm sido modestos. Ele quer mais, como disse ontem em comício em Salvador: “Obama falou que eu era ‘o cara’ há dois anos e nem conhecia as pesquisas que estão saindo agora. Se ele soubesse, ia falar: ‘Pô, não é que esse cara é o cara do cara?’” É verdade que políticos, especialmente aqueles no governo, apreciam as boas palavras. Podem reparar: se um governante pede a opinião de dez pessoas sobre sua administração e ouve nove críticas e um elogio, é com este último que fica. “Bela análise”, dirá, genuinamente convencido.
É por isso que políticos realmente espertos mantêm críticos nas proximidades.
É por isso que governantes realmente competentes colocam ministros e assessores fortes, com razoável grau de independência, para que façam o contraponto e coloquem limites.
Não é o caso do governo Lula. Não que o time seja todo ele incompetente, mas é evidente que todo o pessoal do governo e do partido entregou-se inteiramente ao “cara de todos os caras”.
Isso resulta de uma mistura de sentimentos: genuína veneração do líder, medo de se contrapor a ele, oportunismo e pragmatismo. De modo que temos, de um lado, um presidente com elevada autoconfiança, admiradíssimo com ele mesmo, achando que pode tudo, e, de outro, ministros e assessores que ou concordam com ele ou não o enfrentam por medo ou por achar que não vale a pena. É o caso daqueles que dizem que o PT vai voltar ao poder quando Lula se for.
Mas há outra atitude que pode ser a mais prejudicial ao país: o comportamento dos membros do governo que consideram ter o mesmo poder ou o mesmo direito de fazer o que bem entendem.
São os que se acham os verdadeiros “subcaras”.
Acontece direto na área econômica.
Lula mandou a Petrobras turbinar seus investimentos, mesmo contrariando pareceres técnicos, mandou tocar as usinas lá do Norte, como a de Belo Monte, apesar de enormes restrições técnicas, ambientais e econômicas, mandou avançar com o caríssimo e inútil trem-bala e por aí vai.
A pergunta ingênua aqui seria esta: mas como é que passa? Não tem ninguém para alertar? Passa porque esses programas despertam enormes interesses e cobiças.
Quem tem uma empreiteira acha ótimo que o governo se comprometa a fazer obras gigantescas, com financiamento subsidiado e risco do próprio governo.
Na gestão de política econômica propriamente dita, a orientação de Lula foi clara: vamos gastar. No início de seu primeiro mandato, pressionado pelo mercado, alvo de desconfianças, Lula foi obrigado a concordar com um programa de austeridade e contenção do gasto público. Foi quando o governo fez expressivos superávits primários (economia para pagar juros), bem superiores aos da era FHC.
Depois da saída de Palocci do Ministério da Fazenda, a orientação foi mudando.
A recuperação do crescimento econômico — empurrada pela espetacular expansão global, especialmente da China — abarrotou os cofres do governo de dinheiro novo. Depois, na crise, firmou-se a tese mundial de que os governos deveriam gastar para estimular a economia.
“Política anticíclica”, repetia o ministro Mantega. Mas quando a crise passou e o Brasil voltou a crescer, o governo continuou a elevar seus gastos. Se o argumento “anticíclico” fosse uma regra de fato e não uma desculpa, o comportamento da administração pública neste momento seria o contrário. Se as empresas e as pessoas voltaram a tomar crédito e a gastar, o governo passa a poupar, inclusive para fazer caixa para os anos ruins.
Números e contas públicas aceitam desaforo até certo ponto. Já as atuais autoridades econômicas, como funcionárias do “cara do cara”, acham que não estão fazendo nenhum desaforo, mas inaugurando uma contabilidade nunca jamais vista na história da humanidade.
Por exemplo: tiram do nada uma receita de pelo menos R$ 25 bilhões para o Tesouro. É quanto o governo vai “lucrar” com a capitalização da Petrobras.
Reparem a operação, em termos simples: o governo vendeu para a Petrobras 5 bilhões de barris de petróleo que estão enterrados em algum lugar do pré-sal. Cobrou por isso, em números redondos, uns R$ 72 bilhões. Logo, a Petrobras ficou devendo essa grana, pelo direito de, lá na frente, pesquisar, perfurar, explorar e finalmente retirar o óleo do fundo do mar.
Em seguida, a Petrobras abre seu capital e oferece ações ao mercado. O governo central (Tesouro) compra parte dessas ações, pelas quais deveria pagar à estatal uns R$ 45 bilhões. Mas como tem um crédito, pelos barris “a futuro”, apenas abate o valor da conta e continua credor da Petrobras, em uns R$ 27 bilhões.
Você pensou que o negócio fecha com a estatal mandando um cheque nesse valor para o caixa do governo? Se pensou, está na contabilidade da era pré-Lula.
A Petrobras não vai despachar o dinheiro, mas o Tesouro vai registrar como receita — e assim vai fazer neste mês o maior superávit já visto na história.
E ainda vai pegar uma parte desse dinheiro escritural e emprestar para o BNDES fazer o quê? Pagar por ações da Petrobras. Resumo: o governo não colocou um centavo de verdade, mas comprou mais ações da Petrobras, aumentou sua participação e ainda recebeu um troco de 27 bilhões.
Não é o máximo? Nada nesta mão, nada nesta outra e… eis 27 bilhões.
O problema é que investimentos insensatos e essas mágicas econômicas cobram um preço, mais cedo ou mais tarde. Ficam esqueletos pelo caminho e buracos nas contas públicas, tudo a ser pago com dinheiro do contribuinte. E aí não tem mágica: o dinheiro não sairá da cartola, mas do seu bolso.
Fonte: Jornal “O Globo” – 30/09/10
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