Até o presente momento continua sem solução o imbróglio do orçamento. A confusão se arrasta desde sua aprovação no Congresso e provavelmente vai perdurar até o dia 22 de abril, data limite para a sanção.
Esse episódio representa a culminação de um processo caótico que paralisou a agenda fiscal no segundo semestre de 2020, quando não foi votada a Lei Orçamentária para 2021 e não houve qualquer discussão sobre a PEC Emergencial.
Como consequência dessa inação, uma nova onda da pandemia atingiu o país em um contexto muito vulnerável, no qual a situação fiscal não permite uma renovação do auxílio emergencial em larga escala, o aumento da inflação já levou o Banco Central a elevar a taxa de juros e a piora do quadro econômico e social gera uma demanda legítima pela renovação do auxílio e dos programas de proteção do emprego formal (BEm) e de crédito para pequenas empresas (Pronampe).
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O cenário econômico se agrava
Na tentativa de compatibilizar o aumento de gastos com a manutenção do equilíbrio fiscal, foi aprovada no Congresso no mês passado a PEC Emergencial. No entanto, como já discuti neste espaço, houve forte desidratação do seu impacto fiscal, fazendo com que os gatilhos da União provavelmente só possam ser acionados em 2025.
Além disso, embora tenha sido criado um protocolo fiscal para situações de calamidade pública, houve redução do período de acionamento dos gatilhos em caso de nova decretação de calamidade, que passou a se limitar ao seu período de duração, excluindo os dois anos seguintes que constavam da proposta original.
Mesmo a aprovação de uma PEC Emergencial modesta diante do tamanho do desafio fiscal foi bastante custosa, na medida em que se deu mediante um compromisso de elevação do valor das emendas parlamentares em R$ 16 bilhões.
Como ficou claro posteriormente, esse acordo foi insuficiente, já que no relatório do orçamento o valor das emendas foi aumentado em R$ 26 bilhões, quando já se sabia que as despesas obrigatórias se encontravam subestimadas em R$ 17,5 bilhões na proposta original.
O debate que se seguiu à aprovação de um orçamento inexequível ilustra a deterioração do arcabouço fiscal e, em particular, do teto de gastos. Um prenúncio do que estava por vir foi a ideia que surgiu na tramitação da PEC Emergencial, sendo depois descartada, de excluir o Bolsa Família do teto de gastos.
Algo ainda pior surgiu na minuta da chamada PEC Fura-Teto, que propunha a exclusão de R$ 35 bilhões do teto de gastos, dos quais R$ 18 bilhões poderiam ser destinados para obras públicas. Ainda constava dessa minuta uma exclusão do teto de despesas com saúde sem limite estabelecido, o que poderia abrir espaço para o deslocamento de despesas de saúde do orçamento para esta rubrica, liberando recursos do orçamento para emendas parlamentares.
Quando parlamentares e representantes do próprio governo apresentam medidas de exclusão do teto de gastos como se representassem uma forma de compromisso com a responsabilidade fiscal, podemos constatar como nossa âncora fiscal está fragilizada.
A discussão sobre como chegamos a este ponto mereceria uma análise detalhada, mas alguns pontos importantes podem ser ressaltados.
De um lado, desde meados da década passada os parlamentares aumentaram consideravelmente sua capacidade de controle sobre o orçamento. Esse processo se deu com a inclusão, primeiro na Lei de Diretrizes Orçamentárias, e depois na Constituição, de dispositivos estabelecendo a execução obrigatória de emendas individuais (EC 86/2015) e emendas de bancada (EC 100/2019). A partir do orçamento de 2020, houve ainda grande elevação das emendas de relator, que permaneceram elevadas na proposta orçamentária de 2021.
De outro lado, seja por falta de capacidade de articulação política, seja por falta de interesse, o governo atual tem demonstrado pouca resistência. Não parece ter sido coincidência o fato de que o salto no valor das emendas de relator no orçamento de 2020 aconteceu no primeiro processo orçamentário do governo Bolsonaro.
O aumento do controle de recursos orçamentários por parte dos parlamentares faz parte do jogo político, mas quando a falta de coordenação com o Executivo se traduz em orçamentos com despesas subestimadas e exclusões arbitrárias de despesas do teto de gastos, o que está em risco é a credibilidade do arcabouço fiscal.
Fonte: “Blog do IBRE”, 19/04/2021
Foto: Reprodução