São comuns avaliações que atribuem a fatores externos as flutuações da inflação. Na verdade, boa parte do debate acerca da aceleração inflacionária acabou centrada sobre essa questão e mesmo hoje o ambiente internacional é frequentemente citado como uma força que pode ajudar no controle dos preços domésticos, por conta do excesso mundial de oferta. Da forma como entendo o problema, contudo, me parece que estamos pedindo da economia global mais do que ela pode nos dar.
De fato, analisando a evolução inflacionária nos países latino-americanos que adotam o regime de metas para a inflação (Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru), observamos alguns fatos interessantes. Para começo de conversa, a despeito do péssimo histórico regional no que se refere à estabilidade de preços, esses países têm mostrado um bom desempenho (muito melhor, diga-se, do que o observado no caso de outras economias latino-americanas que não seguem o regime de metas), expresso em taxas de inflação bem comportadas.
O bom comportamento, no caso, pode ser definido não só pela inflação historicamente baixa, mas também porque, de maneira geral, esses países têm conseguido manter os desvios da inflação com relação à meta dentro de intervalos modestos. E, de forma talvez ainda mais importante, a maioria deles registra desvios tanto para cima da meta, como para baixo, precisamente da forma como se espera que o regime opere.
Isto dito, o desempenho no que tange a esse quesito não é uniforme dentro do grupo. Há países em que a inflação passa quase tanto tempo acima da meta como abaixo, como o Chile, onde, entre janeiro de 2004 e agosto de 2010, a inflação acumulada em 12 meses superou a meta 46% do tempo (49% se usarmos uma medida do núcleo de inflação que tipicamente retira do índice os efeitos de preços de alimentos e serviços regulados pelo governo). Peru e Colômbia mostram comportamento parecido (no caso colombiano quando usamos o núcleo de inflação).
Já Brasil e México (em particular este último) apresentam uma atuação bem pior: durante o período em questão, a inflação superou a meta 65% do tempo no Brasil (73% no caso do núcleo); enquanto no México, a inflação ficou nada menos do que 98% do tempo acima da meta (o núcleo 100%). Vale dizer, a noção que o BC brasileiro seria excessivamente conservador não encontra respaldo no seu próprio desempenho; no máximo, na comparação nada lisonjeira com o México.
Apenas esse elemento já sugeriria haver mais disparidade dentro do grupo do que seria consistente com a ideia de forças globais determinando a evolução da inflação em cada país, mas há outros motivos para ceticismo.
É possível, por exemplo, calcular para cada um dos países no nosso grupo quão relacionado está o seu desvio da inflação vis-à-vis à meta com o desvio observado nos demais. Concretamente, podemos estimar se os desvios com relação à meta de inflação no Brasil se comportam de forma similar aos desvios com relação à meta para os outras economias da região que seguem um regime monetário e cambial como o nosso. E podemos, também, estender o exame para cada um desses países. Os resultados estão resumidos no gráfico.
Observamos então um fenômeno interessante: para todos os países, à exceção do Brasil, o desvio da inflação (cheia ou núcleo) com relação à meta é fortemente correlacionado ao desvio dos demais membros do grupo, mostrando que nesses casos parece mesmo haver algum fator comum, presumivelmente internacional, que leva a um desvio simultâneo relativamente à meta.
No caso brasileiro, porém, esse efeito está ausente: a correlação entre o desvio da inflação cheia no Brasil e o resto do grupo é significativamente menor que a estimada para os demais; já quando usamos o núcleo de inflação a correlação se torna (levemente) negativa. Em outras palavras, no Brasil os desvios da inflação relativamente à meta não parecem seguir o mesmo padrão dos demais países da região, sugerindo que, ao contrário do caso anterior, a dinâmica de inflação nestas plagas parece resultar de forças domésticas, e não de choques internacionais.
Parte da explicação para esse comportamento discrepante deve estar ligada à baixa exposição nacional ao comércio. Entre 2003 e 2009 a abertura do país ao comércio internacional (a soma de exportações e importações relativamente ao PIB) atingiu, em média, 26% (máximo de 29% em 2004; mínimo de 23% em 2009). Esse número compara-se a 80% do PIB no caso chileno, 59% do PIB para o México, e 39% do PIB na Colômbia e no Peru.
Independente da explicação, contudo, esse fenômeno sugere que não se deve dar ênfase excessiva à eventual ajuda que o ambiente externo possa oferecer no que se refere à inflação. Esta é uma lição que deve ser feita em casa mesmo.
Fonte: Jornal “Valor econômico” – 07/10/10
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