Quando a ideia das PPPs foi lançada, em 2003, ela foi apresentada como a solução para a falta de investimento em infraestrutura no Brasil. À época, externei neste espaço minha visão de que as PPPs eram uma boa iniciativa, mas que não seriam capazes de promover um salto na infraestrutura, por não atacar os principais gargalos: a má regulação econômica, a necessidade de equacionar a questão ambiental e a falta de fontes adequadas de financiamento.
O tempo mostrou que minhas preocupações não eram infundadas: em 2004-06, o Brasil investiu 2% do PIB em infraestrutura, contra 2,4% no triênio anterior. De acordo com o BNDES, esse montante somou 2% do PIB em 2005-08 e, considerando apenas os projetos já conhecidos, ficaria em 1,7% do PIB em 2010-13. Vale dizer, as PPPs não tiraram o país do patamar de 2% do PIB de investimentos em infraestrutura. De fato, não consta que o governo federal tenha implantado uma única PPP até hoje.
Discreta e progressivamente, porém, as PPPs estão ganhando adeptos em vários cantos do país, por iniciativa de estados e municípios, em alguns casos com apoio do BNDES e de organizações multilaterais. Trata-se de um processo de inovação administrativa da maior importância. Vale destacar alguns dos seus traços.
Primeiro, a maior parte das PPPs que estão sendo realizadas no país não são dirigidas à infraestrutura, mas à provisão de serviços públicos. Destaca-se o setor de saúde, mas também há exemplos interessantes como a construção e operação de penitenciárias. O grande ausente é o setor de educação, onde há um déficit de qualidade e as PPPs poderiam trazer melhoras relevantes.
As PPPs sociais e de infraestrutura têm em comum o recurso à maior eficiência privada e a maior cobrança da sociedade sobre as atividades do operador não público, o que garante uma melhor qualidade do serviço. Mas há também diferenças importantes entre esses dois tipos de PPPs. Nas de infraestrutura, as principais contribuições do setor privado são aumentar a eficiência no uso do capital e permitir que parte dos custos seja financiada com a cobrança de tarifas. Já nas PPPs de cunho social, o foco é aumentar a eficiência do gasto corrente, notadamente com recursos humanos. Em termos macroeconômicos, o potencial de ganhos é maior nas PPPs sociais do que nas de infraestrutura.
Segundo, os projetos em operação ou sendo implantados no país são marcados pelo seu perfil inovador. Eles são o resultado da necessidade de respeitar os limites de gastos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de um lado, e da pressão pela ampliação da oferta de serviços públicos para uma população cada vez mais urbana e exigente. Em meio a pressões dos sindicatos e à desconfiança do Ministério Público, têm se desenvolvido modelos originais e apropriados à nossa realidade institucional.
Um relevante subproduto é o aperfeiçoamento do marco legal: em que áreas, com que limites, prazos e condições podem as PPPs ser utilizadas? Não havia respostas prontas para essas perguntas, mas elas vêm sendo dadas a partir da solução de questionamentos e litígios introduzidos pelas partes. Em especial, tem se produzido uma importante jurisprudência, favorável à adoção das PPPs, vale registrar, fortalecendo a segurança jurídica dos novos projetos.
Terceiro, as PPPs têm sido adotadas por puro pragmatismo, não tendo sido contaminadas, nos espaços da concepção e implementação, pelo debate ideológico. Governos de variadas inclinações, dos petistas aos tucanos, têm recorrido às PPPs para ampliar e melhorar os serviços oferecidos à população. Observa-se, assim, intensa troca de experiências, o que facilita a reprodução das boas práticas. Isso não significa, é verdade, que as soluções adotadas não tenham sido matizadas pelo conflito político, mas o fato de este não ter se dado ao longo de linhas partidárias é da maior importância.
Esse processo se encontra numa etapa crítica. Por um lado, ele ainda depende em certo grau da continuidade administrativa – e eis porque floresceu mais em São Paulo do que em outros estados – e seria importante fortalecê-lo, com o envolvimento de mais instituições, a maior publicidade de suas conquistas e o suporte do governo federal.
Por outro lado, é preciso ponderar sobre os limites ora existentes sobre as PPPs. Quando estas foram originalmente propostas, havia justificada preocupação em não permitir que elas fossem usadas para burlar a LRF, levando a uma repetição das crises fiscais das décadas anteriores. Em especial, se limitou a proporção da receita corrente líquida que poderia ser comprometida com a contrapartida pública em projetos de PPP. Talvez fizesse sentido agregar esse limite, por exemplo, ao de gastos com pessoal, dessa forma dando maior flexibilidade aos gestores públicos de como alocar esses fundos, se na provisão direta de serviços ou no recurso às PPPs.
Em uma campanha eleitoral com poucas propostas, as inovações que brotam nos estados e municípios são um alento para os que acreditam ser possível melhorar a eficiência do gasto público no Brasil.
Fonte: Jornal “Valor Econômico” – 08/10/10
No Comment! Be the first one.