*Por Armando Castelar
A pesquisa do Instituto Ipec, divulgada semana passada, reforçou a previsão de um cenário de forte polarização entre o ex-presidente Lula e o atual presidente nas eleições presidenciais de 2022. Lula aparece à frente, com 49% das intenções de voto, mais que o dobro dos 23% de Jair Bolsonaro. Se considerarmos apenas os votos “válidos”, descontando brancos e nulos (10%) e indecisos (3%), teríamos uma vitória do ex-presidente no primeiro turno da eleição. Tenho argumentado que esses resultados refletem o quadro eleitoral de hoje, o qual provavelmente não se manterá o mesmo até daqui a 16 meses, quando as eleições ocorrerão. Duas variáveis, com razoável influência sobre as intenções de voto, tendem a mudar esse quadro.
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Primeiro, a pandemia deve estar controlada no início do próximo ano, deixando de ocupar as principais manchetes dos jornais. Até o último fim de semana, o Brasil tinha vacinado 33,5% de sua população com a primeira dose e 12,0% com duas doses. Nas quatro semanas anteriores, foram 30 milhões de doses aplicadas, mais de um milhão por dia, em média. Mantido esse ritmo, teremos toda a população adulta vacinada ainda em 2021.
Segundo, a retomada da economia vai avançar. Em 2021, esta dependeu de altos preços de commodities e uma taxa de câmbio que dá competitividade à indústria. O controle da pandemia vai mudar esse quadro, estimulando o setor de serviços, com a demanda alavancada por as famílias terem acumulado, de um lado, uma poupança elevada e, de outro, uma grande demanda reprimida por serviços, como turismo e outras atividades intensivas em trabalho. Isso vai alavancar o emprego e a renda, o que também contribuirá para a queda da inflação, reforçando a recuperação da economia. Até por isso, considero pessimista a previsão mediana dos analistas de mercado, para quem o PIB, depois de crescer 5,1% este ano, deve aumentar “apenas” 2,1% em 2022.
Isso não vai impedir, claro, que Lula e Bolsonaro insistam na polarização entre ambos e façam uma campanha que, acredita-se, será baseada em ampliar a rejeição que o eleitorado tem pelo outro. A propaganda contra Lula com certeza lembrará dos escândalos do Mensalão e do Petrolão. Aquela contra Bolsonaro baterá na triste e ainda fresca memória das, provavelmente, mais de 600 mil mortes que o Brasil terá sofrido devido à covid.
O esforço dos dois candidatos líderes nas pesquisas em promover a polarização, buscando ampliar a rejeição um do outro, vai abrir um importante espaço para um(a) candidato(a) de centro, uma terceira via, pois forçará Lula e Bolsonaro a manterem suas posições nos extremos do espectro político. Para ocupar esse espaço de centro e ser competitivo, porém, esse terceiro competidor precisará ser mais do que “nem um nem outro”.
Para isso, deve contribuir tirarmos a pandemia e a atual recessão do centro da pauta eleitoral. Isso abrirá espaço para uma candidatura menos focada na propaganda negativa e mais em olhar para frente, em propor soluções para nossos tantos desafios. Como, por exemplo, o que fazer para acelerar o crescimento de nosso PIB per capita, que deve fechar este ano 4,5% menor do que 10 anos atrás. E para reverter o aumento da pobreza e da desigualdade gerado por essa década perdida, em um quadro fiscal complicado e com o avanço no uso de novas tecnologias ameaçando o emprego daqueles com baixo nível educacional. A pesquisa do Ipec não revela quem seria esse candidato. Nela, Ciro Gomes aparece com 7% das intenções de voto, João Doria com 5% e Luiz Mandetta com 3%. Obviamente, daqui até outubro de 2022, eles podem ampliar esses números, assim como podem surgir novos candidatos.
Parece-me fundamental que algo assim aconteça, de forma a estimular um debate eleitoral em cima de propostas, em vez de focar na polarização e em ver quem é mais rejeitado. Isso não apenas porque de outra forma se roubará do país a oportunidade de discutir respostas para seus problemas, que não são poucos nem vão desaparecer sozinhos. Também importante é o risco de que uma eleição muito polarizada e construída em cima da raiva gere um clima que depois impeça quem for eleito de governar adequadamente. É dizer, de a eleição não colocar um fim à disputa, especialmente se o resultado for apertado, como bem exemplifica o caso da recente eleição no Peru. Ainda que possa não parecer à primeira vista, o surgimento de um candidato de centro competitivo vai ser bom para todo mundo.
Armando Castelar é coordenador de economia aplicada do Ibre/FVG e professor do IE/UFRJ
Fonte: “Correio Braziliense”, junho/2021
Foto: Maure