Atentos à demanda de consumidores conscientes e ao compromisso com a agenda ESG (sigla em inglês para princípios ambiental, social e de governança), negócios de hortas urbanas e verticais vêm transformando espaços ociosos em terrenos produtivos, com hortaliças, legumes e frutas, dentro de estabelecimentos empresariais em grandes cidades.
Com pegada sustentável e ecológica, iniciativas como BeGreen, Fazenda Cubo, Pink Farms, Carpe e Instituto Kairós produzem alimentos mais frescos e saudáveis, sem agrotóxicos, reforçando o conceito “farm to table” (da fazenda à mesa), reduzindo o desperdício e a emissão de carbono ao encurtar a cadeia de fornecimento, incentivando o consumo de produtos locais e se firmando como tendência no pós-pandemia.
Estudo da consultoria Galunion indica que cresceu a conscientização acerca do impacto ambiental da alimentação no último ano. De acordo com o Food Trend Report 2021, 68% dos consumidores dizem que a preocupação com a sustentabilidade vai continuar latente mesmo após a covid-19, o que tem impactado nas decisões de compra e instigado a criação de modelos alternativos de negócio e produção.
Entre as soluções mencionadas no estudo, estão as hortas urbanas e verticais, que, além de serem ecologicamente corretas, permitem produzir alimentos em pequenos espaços dentro das cidades, de canteiros e terrenos baldios a rooftops, shopping centers, restaurantes e até apartamentos. Não por acaso estão na mira de companhias alinhadas à economia verde e conscientes do impacto que as suas decisões nas esferas ambiental, social e de governança têm sobre seus investimentos.
“Crescemos bastante na pandemia com nosso modelo de assinatura e também sentimos um aumento da demanda por causa do ESG. As empresas estão cada vez mais preocupadas com o tema e por isso têm buscado soluções para se aproximarem da sociedade”, diz Giuliano Bittencourt, CEO da BeGreen, future tech de fazenda urbanas.
Atualmente, a empresa mantém cinco produções: no Boulevard Shopping (a primeira, de 2017), em Belo Horizonte; na fábrica da Mercedes Benz, em São Bernardo do Campo (SP); no Via Parque Shopping, no Rio de Janeiro; no iFood, em Osasco (SP); e no Parque D. Pedro Shopping, em Campinas (SP).
No iFood, a horta nas alturas recém-implantada está no sétimo andar da empresa, em um espaço de 950 m², direcionado ao cultivo de hortaliças, frutos e legumes, com capacidade para 1,7 tonelada. Os alimentos serão doados a 3 mil famílias cadastradas no Banco de Alimentos de Osasco.
O sistema de cultivo da BeGreen, por meio da hidroponia em estufas controladas, possibilita 28 vezes mais produtividade e redução de 90% no consumo de água, se comparado à agricultura tradicional.
“Fazemos todo o projeto. Construímos a estufa, produzimos e operamos com equipamentos próprios”, explica Bittencourt, que não revela valores. O contrato com a BeGreen tem duração de cinco anos e requer consumo mínimo de 2 mil kg de hortaliças e espaço de ao menos 1.000 m².
“Crescemos 400% desde a primeira implantação, em 2017. Vamos finalizar 2021 com oito projetos e chegando a Goiânia e Salvador. Para o ano que vem, pretendemos inaugurar 10 fazendas urbanas em empresas e shoppings, além de um projeto tecnológico de mais de 10 mil metros quadrados na capital paulista, que vai produzir cerca de 20 mil kg de hortaliças por mês, para atender clientes finais de assinatura”, celebra o executivo.
Jardins comestíveis em qualquer espaço
A partir de princípios e conceitos dos sistemas agroflorestais, a Carpe Projetos Socioambientais faz verdadeiros jardins comestíveis com culturas orgânicas cultivadas juntas, como couve, tomate, beterraba, berinjela e inhame, até mesmo em jardineiras de 30 cm por 20 cm.
“Independentemente da escala, seja em uma varanda ou em terrenos na cidade, sítios ou fazendas, buscamos dar vida a um local. Nossa ideia é fazer a reconexão das pessoas com a terra e com o alimento, por meio da transformação de espaços”, destaca a engenheira ambiental Renata Carijó, uma das sócias da Carpe.
A empresa, com sede no Rio de Janeiro, surgiu há 10 anos, após os sócios e amigos de faculdade participarem do curso de agrofloresta do pesquisador suíço Ernst Götsch, em Itacaré, na Bahia, e iniciarem o cultivo de hortas coletivas no próprio prédio residencial.
Ao longo dos anos, já realizaram mais de 500 projetos entre plantio de hortas e paisagismo comestível, reflorestamento produtivo, consultorias, podas inteligentes, cursos e oficinas com caráter educativo, para pessoas físicas, empresas, organizações e até escolas.
“Transformamos uma varanda inutilizada em um jardim comestível na biblioteca do Consulado da França no Rio. Outro projeto aberto ao público é a Horta do Amanhã, no Museu do Amanhã, que também inclui espécies variadas, como couve, alface e bertalha. Queremos mostrar o quanto se pode fazer em tão pouco espaço”, destaca Carijó.
Diferentemente da BeGreen, os projetos da Carpe não incluem manutenção por período pré-estabelecido. O custo mínimo para a implantação da horta vai de R$ 600 a R$ 800, com mão de obra e materiais, e a manutenção mensal é paga à parte, de acordo com o interesse do cliente.
Segundo a engenheira ambiental, a ideia é que as pessoas tenham autonomia para continuar tocando o projeto sem a empresa. “Criando Ambientes Revolucionários Pela Educação é um dos significados possíveis para o nome ‘Carpe’. Ensinamos a prática e o conhecimento necessário àqueles que ficarão responsáveis pelo plantio.”
Apesar de ter sofrido queda no faturamento com a pandemia, já que o isolamento social restringiu o trabalho presencial, a empreendedora já observa uma volta do interesse pelas hortas urbanas.
“O olhar das pessoas para os espaços mudou. Houve uma procura maior dos serviços entre quem foi morar no campo e por parte das empresas, por conta das questões ambientais e de ESG. Estamos em um momento de retomada, com perspectivas de novos projetos para 2022, como o investimento em cursos online e presenciais.”
De acordo com a advogada e consultora em ESG Juliana Bernardo, as hortas podem ser uma bandeira verde relacionadas à Agenda 2030 da ONU. “Pelo menos um terço dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionam-se com medidas para estimular o desenvolvimento sustentável. Uma horta urbana tem o potencial de promover agricultura sustentável (ODS 2), saúde e bem-estar (ODS 3), consumo e produção responsáveis (ODS 12) e ação contra a mudança global do clima (ODS 13)”, diz ela (leia o papo com a advogada mais abaixo).
Agroecologia na cidade
Quem também aderiu ao movimento de hortas urbanas durante a pandemia foi o Hospital São Camilo, em São Paulo. Idealizado pelo Instituto Kairós, em março de 2020, o projeto dispõe de uma área de 16 mil metros quadrados na Granja Viana e leva alimentos livres de agrotóxicos a pacientes e colaboradores da rede.
Em pouco mais de um ano, a horta conquistou o selo IBD (Associação de Certificação Instituto Biodinâmico) de produtos orgânicos. Ao todo, o espaço conta com ao menos 30 espécies de pancs (plantas alimentícias não convencionais), além de mais de 85 variedades de verduras, ervas, legumes e frutas.
“Atuamos junto a empresas, organizações e projeto sociais que estão alinhadas aos nossos propósitos da agroecologia, do consumo consciente, da alimentação saudável e da economia solidária”, explica Mauro Spalding, engenheiro agrônomo e coordenador de projetos do Instituto Kairós, que presta consultorias na área há 21 anos.
Com pegada ativista, o instituto não tem fins lucrativos e se mantém por meio de seus colaboradores e projetos. A metodologia varia de acordo com o ambiente, bem como o sistema de plantio a ser implantado, que pode ser, por exemplo, agrofloresta ou agricultura orgânica. “Não trabalhamos com o cultivo convencional nem usamos agrotóxicos.”
Assim como a Carpe, o Kairós atua de forma que as empresas possam tocar as hortas com autonomia. Todavia, devido ao seu papel educacional, vêm surgindo projetos contínuos.
“Atualmente, não temos agenda para novos atendimentos”, diz Spalding, que vê um aumento do interesse em hortas urbanas nos últimos anos. “Tanto por iniciativas sociais, por causa dos desertos alimentares, quanto por empresas signatárias dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS). Estamos em uma tendência bem positiva para essa consciência dos alimentos.”
O que diz a advogada e consultora em ESG Juliana Bernardo
De que forma as hortas urbanas entram na agenda ESG e quais os benefícios?
Um dos indicadores utilizados para mensurar se uma empresa pratica a sustentabilidade ambiental é a Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas). Pelo menos um terço dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionam-se com medidas para combater as alterações climáticas e estimular o desenvolvimento sustentável do ecossistema.
Uma horta urbana tem o potencial de promover, por exemplo, uma agricultura sustentável (ODS 2), saúde e bem-estar (ODS 3), consumo e produção responsáveis (ODS 12) e ação contra a mudança global do clima (ODS 13).
A sociedade em geral se beneficia, basicamente, pela própria redução do impacto ambiental (e social, consequentemente). Já a empresa alcança uma melhor percepção da reputação entre os seus stakeholders, convertendo este legado ambiental em um aumento do consumo de produtos e/ou serviços e no acréscimo do aporte financeiro por parte dos seus investidores.
Há espaço para consultorias de hortas urbanas no mercado?
Em geral, há espaço para toda prestação de serviço que tenha como objetivo trabalhar o desenvolvimento do aspecto ambiental. Uma consultoria voltada especificamente a este nicho mostra-se necessária, considerando que na prática uma empresa que queira implantar uma horta urbana provavelmente não terá em seu quadro de colaboradores uma equipe multidisciplinar preparada para viabilizar o projeto, se este não for o business dela.
Além disso, o mercado para as consultorias é promissor, considerando que hoje as empresas estão mais preocupadas com o ambiental, basicamente porque a sustentabilidade começou a dar dinheiro.
Segundo dados da gestora de ativos americana BlackRock, de janeiro a novembro de 2020, os investidores em fundos mútuos e ETFs alocaram US$ 288 bilhões globalmente em ativos sustentáveis, resultando em uma alta de 96% em relação a 2019. Em outra pesquisa realizada pelo banco americano Morgan Stanley constatou-se que os investimentos sustentáveis podem oferecer menor risco de mercado, ou seja, mais um critério decisivo a ser considerado pelo investidor.
Outro ponto de impacto financeiro é o consumidor final: a nova geração de consumidores não compra um produto ou um serviço apenas, ela compra uma causa, um propósito ao qual essa empresa se engaja e pode deixar de consumir se essa não praticar, de fato, o ESG.
Há algum tipo de incentivo fiscal para empresas que decidem implantar hortas urbanas?
Não há, atualmente, regulação específica acerca de incentivos fiscais ou redução na carga tributária para as iniciativas de sustentabilidade ambiental. No entanto, está em trâmite o Projeto de Lei 528/21 (que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões), que tem como objetivo regular a compra e venda de créditos de carbono no Brasil.
Na prática, significa que uma empresa que cumprir a meta relacionada à emissão de gases nocivos ganhará um bônus por esta redução, que poderá ser vendido para nações e empresas que não alcançaram suas metas de redução de emissões de carbono.
Por ora, o projeto de lei (que está na Câmara dos Deputados) não tem previsão de ser votado, mas não deve demorar, tendo em vista que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26), que acontecerá no Reino Unido em novembro, exigirá um posicionamento mais objetivo dos líderes globais.
Como saber se o interesse por parte de uma empresa em hortas urbanas é de fato uma ação positiva dentro da economia verde e não uma estratégia de marketing, o famoso greenwashing?
O nível de maturidade de ESG de uma empresa não pode ser medido apenas com relação ao que ela diz que faz, por isso é importante que a empresa tenha como prática a adoção de ferramentas de controle e gestão para mensurar o cumprimento das etapas de implantação e monitorar os resultados efetivos que ela alcança, por exemplo.
Outro ponto de alerta é observar a governança da empresa como um todo e principalmente a postura da liderança: não faz sentido um discurso “verde” de uma empresa que cometeu crime ambiental, mas não repara na totalidade os danos que causou. Por isso, recomenda-se sempre uma análise mais detalhada da empresa para identificar se há verdadeira intenção em boas práticas ambientais ou se trata apenas de greenwashing.
Fonte: Estado de São Paulo (29/09/21)
Foto: Taba Benedicto/Estadão