O potencial de trabalho remoto no Brasil ajustado por uma infraestrutura mínima de trabalho é de 17,8%, abaixo do potencial de países desenvolvidos, mas superior ao trabalho remoto efetivo no Brasil que atingiu 10,4% dos ocupados no momento mais crítico da pandemia
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Os eventos associados à pandemia da Covid-19 tiveram um impacto importante sobre o mercado de trabalho no Brasil e no mundo. Em particular, diversas medidas de distanciamento social foram adotadas, que possibilitavam o trabalho somente em atividades que pudessem ser realizadas de forma remota, afetando os trabalhadores de forma distinta dependendo de sua ocupação.
Existe na literatura internacional um vasto conjunto de estudos que se propuseram a entender melhor o tema e quantificar a extensão do trabalho remoto. O estudo pioneiro de Dingel e Neiman (2020) utiliza as descrições das ocupações com base na Occupational Information Network (O*NET) para estimar em que grau as ocupações nos Estados Unidos poderiam ser feitas de forma remota. Os resultados apontaram que o potencial de trabalho remoto nos Estados Unidos corresponderia a 37% da mão de obra. A metodologia de Dingel e Neiman (2020) foi aplicada posteriormente em estudos para diversos países. Boeri et al. (2020), por exemplo, encontram um potencial de teletrabalho de 24% para a Itália, 28% para a França, 29% para a Alemanha, 25% para a Espanha e 31% para Suécia e Reino Unido.[1]
Goés et al. (2020a) adaptaram a metodologia de Dingel e Neiman (2020) para o Brasil, adequando o código de ocupações para a Classificação de Ocupações para Pesquisas Domiciliares (COD) utilizada na PNAD Contínua. Os autores estimam que somente 22,7% dos empregos podem ser realizados de forma remota no Brasil.
A metodologia de Dingel e Neiman (2020) tem sido dominante na literatura, baseando-se na utilização do questionário O*NET para a definição das ocupações que podem ou não ser realizadas de casa. No entanto, este questionário é baseado nas características das ocupações americanas, que podem diferir consideravelmente entre países.
Em função disso, adaptamos a metodologia de Dingel e Neiman (2020) ao contexto do Brasil, incluindo a necessidade de uma infraestrutura mínima doméstica para poder se trabalhar em casa, que consiste em: acesso contínuo a energia elétrica e possuir internet e ao menos um microcomputador, com base nos dados da PNAD Contínua. Adicionalmente, comparamos a estimativa de potencial de trabalho remoto no Brasil com o trabalho remoto efetivamente realizado, utilizando dados da PNAD-COVID.
Os resultados sugerem que o potencial da adoção do trabalho remoto no Brasil controlando pela necessidade de uma infraestrutura mínima de trabalho é de somente 17,8%, bem abaixo do potencial de países desenvolvidos, mas ainda significativamente superior ao trabalho remoto efetivamente observado no Brasil, que atingiu 10,4% do total de ocupados no momento mais crítico da pandemia, em junho do ano passado.
Os dados também mostram que existe grande heterogeneidade no potencial de trabalho remoto entre regiões, estados e diferentes grupos socioeconômicos. Em particular, mostramos que o percentual de trabalhadores que podem trabalhar de casa aumenta de acordo com o grau de desenvolvimento da região analisada. Por exemplo, o potencial de trabalho remoto é maior em regiões mais desenvolvidas, como Sudeste (20,8%) e Sul (19,8%), do que em regiões de menor renda per capita, como Norte (10,3%) e Nordeste (13%). Além disso vimos que o potencial de trabalho remoto é bem maior no setor público (40%) quando comparado com o setor privado (15%).
Do ponto de vista das características individuais, constatamos que mulheres (22,3%) possuem maior possibilidade de trabalho remoto que os homens (14,2%), assim como brancos e amarelos (24,5%) possuem um potencial maior que pretos e pardos (12,2%). Além disso, o potencial de trabalho remoto aumenta com a escolaridade (52,9% para trabalhadores com ensino superior completo e 1,5% e 4,6% para trabalhadores sem instrução e com fundamental incompleto, e com fundamental completo e ensino médio incompleto, respectivamente) e com o grau de formalização (23,6% no caso dos trabalhadores formais e 10,2% no caso dos trabalhadores informais).
Por último, mostramos que os estados e regiões adotaram o trabalho efetivo em linha com o seu potencial. Ou seja, os locais com maior potencial foram os que de fato adotaram mais o trabalho remoto. Da mesma forma, os resultados indicam que mulheres, brancos e amarelos, com mais anos de estudo e com vínculo formal de emprego trabalham em ocupações em que o trabalho remoto foi efetivamente mais adotado.
Por fim, avaliamos que um eventual avanço do trabalho remoto no Brasil virá acompanhado de muitos desafios. Em particular, existe um risco de ampliação das desigualdades já existentes, uma vez que o teletrabalho é possível especialmente para trabalhadores de maior escolaridade e salários mais elevados. Isso reforça ainda mais a necessidade de capacitação da mão de obra para as mudanças no mercado de trabalho e a necessidade de uma melhoria na infraestrutura doméstica, principalmente nos estados mais pobres, permitindo assim uma maior incorporação de trabalhadores nesta nova modalidade de trabalho.
Fonte: “Blog do Ibre”, 18/10/2021
Foto: Reprodução