Ele foi deliberado, planejado e nasceu no STF em 2019. Na posse do presidente a ministra foi a porta-voz do então recém-nascido tribunal político e agiu simbolicamente, dando ao empossado um cartão amarelo antecipado – uma edição da Constituição da República. Vemos hoje que o simbolismo não foi pelo conteúdo do livro, mas pelo ineditismo do aviso em posses presidenciais: “aqui quem manda somos nós, do STF”.
Política Judicializada
Judicialização da Política foi tema de webinário exclusivo
Ao longo destes três anos o novo Poder Judiciário Político cresceu muito e já é um fato institucional que opera através de atos institucionais independentemente das leis, da Constituição e da própria jurisprudência, todas já reinterpretadas para se adaptar aos novos tempos.
A nova Justiça Política já é uma instituição robusta, muito bem assentada no trono do Grande Poder que agora excede à Constituição e aos demais poderes constitucionais. Facilmente subjugou o Poder Legislativo, colocando suas duas casas de joelhos diante dele. Alcançou desde seus primeiros passos uma estatura tal que consegue impedir o Poder Executivo de operar sua gestão sem a anuência dele, seja de ofício ou contando com seus auxiliares do legislativo – os deputados e senadores que judicializam os atos do executivo.
Ela já foi capaz de criar uma CPI no Senado Federal contra vontade de seu submisso presidente, que lhe obedeceu. A Justiça Política já fez 372 deputados federais se ajoelharem a ela (364 sim e mais 2 abstenções e 15 ausências) e autorizar a prisão sine die de um colega, também deputado federal. Ela já impediu o Presidente de nomear auxiliares, mandou-o depor na delegacia de polícia e abriu inquéritos para apurar “crimes” não previstos em lei, contra a vontade do Ministério Público, que é o titular exclusivo do processo acusatório no Brasil. Transformou a internet num território de sua competência para prender em flagrante qualquer autor de vídeos, não importando a data da postagem. Prendeu jornalistas pelas suas opiniões e o deputado por seu mau comportamento verbal. Se você lembrar agora de coisas como estado de direito, devido processo legal e ampla defesa, então perceba que seu tempo passou.
É preciso entender que acabou a utopia constitucional e agora a distopia chegou. A harmonia entre poderes morreu e estão em seus estertores uma certa democracia e um certo jornalismo que antes eram todos igualmente harmônicos. Com o fim da harmonia geral estão a caminho do fim, além da Constituição, as leis, a jurisprudência, os juízes, a justiça e os valores morais e éticos, o direito de opinião, a verdade do fato, a diferença entre verdade e mentira, entre um bom deputado ou senador e um oportunista qualquer. Não se distingue mais um cidadão de bem de um bandido.
Pasteurizou tudo neste admirável mundo novo em que lá vai o exército de Ramsés no encalço do povo porque o mar é vermelho e é nosso! E a guerra é narrada diariamente com notícias, informações e opiniões harmoniosas da velha imprensa, que resiste e aguarda a volta da harmonia.
Sim, o novo Poder Judiciário Político é mais uma jabuticaba brasileira criada pelo STF, tal como foram criadas as duas outras – o Poder Judiciário Eleitoral e o do Poder Judiciário Trabalhista, que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Nasceram assim, da nossa leniência, lentamente, mas com a constância e determinação de quem realmente toma o poder, para se transformarem nestes grandes dois monstros exóticos do deep state brasileiro.
Só que esta jabuticaba agora é ainda mais venenosa. A nova Justiça Política vai além das meras delícias da bolha estatal milionária dos demais “poderes judiciários”, porque ela é típica de ditadura e certamente já permeou organicamente todos eles abaixo do STF. São poderes parecidos com aqueles do conhecimento do bem e do mal, que irresistivelmente invadirão as mentes de magistrados e do entorno deles – todos os que lá dentro flutuam em seu apático corporativismo, inclusive o Ministério Público.
Ora, se um ministro de um tribunal, que é um juiz, pode fazer tudo isso sozinho, por que não poderiam fazer o mesmo um desembargador ou um juiz de primeira instância? Depois de abertos precedentes como estes, não fecham mais, ainda que tão claramente ilegais. Eles são a espécie de tirania já imaginada e muito desejada à esquerda – o Direito Alternativo, em que o juiz decidiria sem precisar de uma lei que ampare suas eventuais barbáries.
É mesmo de se esperar quando uma “suprema corte” torna triviais e corriqueiros tão exóticos precedentes. Não é necessário listar outros casos destas inúmeras ilegalidades monstruosas pronunciadas nos últimos tempos, mantidas e em curso.
Também acabou o respeito e a vergonha. E a isto os velhos hipócritas da velha política e da velha imprensa chamam de coragem do ministro, coragem da CPI dos nephilins, coragem do jornalzão e da velha revista. O civismo prescreveu, não tem mais validade na cultura política, nos poderes instalados e na velha imprensa.
Sim, esta nova Justiça Política é ativista e intrépida também. Não há mais diferença entre o planejamento minucioso de um ataque terrorista contra uma multidão e o planejamento minucioso de uma “pegadinha” política-orçamentária de 90 bilhões para quebrar o país, o povo, e inviabilizar o governo em 2022 com dívidas antigas que historicamente costumam ser pagas a cada ano em valores menores que a metade deste valor. É uma despesa que não está no controle do poder executivo, mas do judiciário, que a produz e manda o executivo pagar.
A Justiça Política é também rápida quando convém e lenta quando convém, exatamente porque é política – trade-biased, prioritária a toda e qualquer outra pauta – para seguir ou parar. É uma justiça justiceira, absolutista e terminativa. Negocia, mas de longe, sinalizando com atos do tipo mandar o outro poder depor na delegacia de polícia para que ele “baixe a bola”. É comerciante fria como dizem que o centrão político do Congresso é ao negociar orçamentos públicos (e privados). É determinada e patologicamente estratégica como Alcolumbre ao impedir o processo de escolha de um ministro ou um procurador.
Nem ao bispo se pode recorrer, pois o Poder Judiciário Político é o chão e o teto. Aqui vale proferir um acórdão no fim de 2021 sobre cassar a chapa eleitoral de 2018 do presidente por uma questão ridícula (uso do WhatsApp na campanha), que qualquer juiz de Berlin indefere liminarmente, mas o puxadinho da Justiça Política, o TSE, mantem fora de pauta por quase todo o atual mandato, como uma arma engatilhada e apontada para a cabeça daquele poder que o povo elegeu.
E aí “negocia” o julgamento, não para arquivar porque o assunto é ridículo ou porque é ridículo entrar no último ano do mandato sem julgar aquela coisa; não, é para manter o gatilho armado e a arma apontada ao dizer que, sim, agora não houve provas para cassar a chapa de 2018, mas que se “isso” que não foi provado se repetir em 2022, a chapa dele será cassada porque “ninguém é bôbo aqui no TSE”.
Três anos de coação sobre o governo e a ameaça de um novo “justiçamento” no próximo ano (pois claro que haverá uso difuso e espontâneo de mensagens de WhatsApp, o que corresponde ao antigo “santinho” de papel dos candidatos). E vale também celebrar a decisão na imprensa tradicional com manchetes ao lado de um “relatório” da CPI do senador Bitconho, que envergonha a todos e mancha ainda mais a história daquela casa.
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