RIO — Apesar de ter afirmado, na semana passada, que sua chance de ingressar no PL era de 99,9%, Bolsonaro viveu diversos momentos de incerteza desde sua saída do PSL, no fim de 2019. À procura de um partido para chamar de seu, tentou viabilizar uma nova sigla, o Aliança pelo Brasil, que, por falta de apoio, ficou pelo caminho. Ao se aproximar do Centrão, foi bem recebido e acabou optando pela proposta de Valdemar Costa Neto, mas recuou do “casamento” antes mesmo de subir no altar. Nesta quarta-feira, porém, o presidente do PL ganhou “carta branca” para negociar com Bolsonaro e devolveu o anel de noivado ao dedo do mandatário.
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Saiba o que Bolsonaro e o PL podem ganhar e perder com o “casamento” e relembre as principais movimentações do presidente durante as negociações por um novo partido.
O que Bolsonaro pode ganhar
Estrutura partidária
O presidente procura um partido com estrutura grande para sua campanha à reeleição. Com a terceira maior bancada da Câmara, o PL tem boas fatias de fundo eleitoral e tempo de TV. E tem ainda uma razoável capilaridade: em 2020, elegeu 345 prefeitos, ficando em 6° lugar no ranking dos partidos que mais elegeram representantes nas prefeituras.
Maior dificuldade para adversários
Ao amarrar o PL à sua candidatura, o presidente dificulta que lideranças do partido apoiem adversários seus em 2022. Em alguns estados, principalmente do Nordeste, lideranças do PL têm, por exemplo, proximidade com o ex-presidente Lula e administrações petistas.
Aliados no Congresso
Bolsonaro também quer um partido forte para a candidatura de seus aliados ao Congresso. Sua preocupação principal é com o Senado, onde hoje o governo tem base frágil. Uma exigência do presidente na negociação é ter o poder de indicar o candidato ao Senado nas chapas que o PL compuser nos estados.
O que Bolsonaro pode perder
Discurso antissistema
A provável entrada no PL enterra de vez o discurso antissistema ou antipolítica com que Bolsonaro se elegeu em 2018. O PL é um dos expoentes do Centrão, uma sigla com atuação fisiológica ao longo de vários governos.
Imagem de aliados
O presidente terá companhia na nova sigla de vários políticos investigados e suspeitos de envolvimento em escândalos. O presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, foi condenado e preso no mensalão, por exemplo.
Fidelidade nos estados
Mesmo que se filie ao partido, Bolsonaro corre o risco de ser traído em alguns estados pelos próprios dirigentes do PL. Assim como tem atuação fisiológica no Congresso, nas eleições a legenda também se orienta por estar perto de quem tem mais chances de ganhar. Se Bolsonaro estiver em baixa em alguns estados, poderá não ter o apoio, na prática, de lideranças do próprio partido.
O que o PL pode ganhar
Aumento da bancada no Congresso
O principal atrativo para o PL receber o presidente é turbinar as chances de o partido aumentar sua bancada no Congresso. Atualmente, o PL tem 43 deputados e 4 senadores. Ao ter seu número como o de Bolsonaro em 2022, a sigla espera multiplicar seu voto de legenda e se tornar um dos maiores do Congresso. O tamanho da bancada na Câmara é o principal fator da distribuição dos recursos dos fundos eleitoral e partidário.
Ainda antes da eleição, a eventual chegada de Bolsonaro pode ser acompanhada do ingresso de vários deputados do grupo político do presidente. A maioria dos parlamentares bolsonaristas ainda está no PSL, mas deve acompanhar Bolsonaro na próxima legenda. Aumentando de tamanho, o PL ganha força ainda nessa legislatura nas negociações no Congresso e com o próprio governo.
Mais espaço no governo
A possível chegada de Bolsonaro pode aumentar o espaço do PL no governo. Atualmente, a legenda tem um ministério: o da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política com o Congresso — com a ministra Flávia Arruda —, mas que tem orçamento reduzido. Eventual vitória de Bolsonaro deixará o PL em boa posição para ocupar uma fatia ainda maior da Esplanada num segundo governo.
O que o PL pode perder
Espaço em governos estaduais
Ao fechar com Bolsonaro, o partido terá mais dificuldade de obter posições vantajosas em chapas integradas por adversários do presidente. E poderá ver reduzidas as chances de ocupar espaços maiores nos governos locais.
Espaço na Esplanada dos Ministérios
Se Bolsonaro perder a eleição, o PL também sai em desvantagem nas negociações com o futuro governo federal.
Nomes para o Senado
Pelas negociações para a possível chegada do presidente, o PL abre mão de indicar o integrante em várias chapas que irá compor. Isso deve ocorrer principalmente com relação aos postulantes ao Senado, prerrogativa exigida por Bolsonaro.
Cronologia da negociação com PL
Aproximação com o centrão
Desde novembro de 2019, quando saiu do PSL, o presidente Jair Bolsonaro busca uma sigla para viabilizar sua campanha à reeleição. Com planos de controlar candidaturas e presidentes de diretórios estaduais, seu sonho era viabilizar o próprio partido, que chegou a ser batizado de Aliança pelo Brasil. Sem o número mínimo de assinaturas para sair do papel, porém, o desejo ficou pelo caminho. A opção, então, foi por entrar em um partido menor, onde ele pudesse exercer seu poder. O escolhido foi o Patriota, que recebeu o senador Flávio Bolsonaro (RJ) para organizar a entrada do pai. Com o afastamento do presidente da sigla, porém, veio uma nova frustração para Bolsonaro.
Ainda em julho deste ano, por intermédio do senador Ciro Nogueira, presidente do PP e atual ministro da Casa Civil, Bolsonaro começou a intensificar suas relações com o Centrão. O Progressistas foi um dos primeiros flertes, assim como o Republicanos, sempre com o cacique Valdemar Costa Neto, presidente do PL, à sombra de Bolsonaro nas negociações.
Filiação ao PL marcada
Depois de conversas com os três partidos, pesou o poder de Costa Neto e Bolsonaro optou pela candidatura no PL. Ainda na semana passada, quando contou que as negociações estavam avançadas, o presidente chegou a afirmar que sua chance de ingressar no partido era de 99,9%. Apesar de admitir que ainda havia pontos a serem acertados, como candidaturas da sigla em São Paulo, a cerimônia de filiação chegou a ser marcada para o dia 22 de novembro.
Recuo em Dubai
Já no último domingo, no entanto, o cenário mudou. Em nota, o PL afirmou que o evento de filiação do presidente Jair Bolsonaro havia sido cancelado. O texto dizia que a decisão foi tomada “de comum acordo” entre Bolsonaro e o presidente da legenda, “após uma intensa troca de mensagens na madrugada”. Bolsonaro, que está em viagem a Dubai, chegou a dizer que havia ainda “muita coisa a conversar”. Como uma das principais razões para o atrito, estavam as alianças estaduais do PL.
Segundo levantamento feito pelo GLOBO, o partido integra a base de 15 governadores, dos quais sete devem reforçar o palanque de adversários de Bolsonaro em 2022. As discordâncias, inclusive, também vinham de dentro do partido. Filiados dos estados do Sul e do Centro-Oeste defendiam a guinada bolsonarista do PL, enquanto boa parte dos diretórios do Nordeste e do Norte tentavam surfar no desentendimento entre Costa Neto e Bolsonaro para desfazer o acordo.
Carta branca
O clima foi amenizado somente nesta quarta-feira, após reunião na sede do PL, em Brasília. Os dirigentes do partido anunciaram que Valdemar Costa Neto terá “carta branca” para negociar a filiação do presidente Jair Bolsonaro, que ganhou sobrevida. No entanto, ainda assim, deputados ligados à esquerda pediram alguma garantia de que Costa Neto não irá destituir os diretórios que discordarem da Executiva Nacional. Além disso, como contrapartida, o partido pode incluir em seu estatuto uma previsão de que dirigentes estaduais têm autonomia para decidir suas candidaturas e quem irão apoiar nas eleições.
Fonte: “O Globo”, 18/11/2021
Foto: Cristiano Mariz/ O Globo