A maior inflação nos Estados Unidos em 30 anos já está afetando a economia brasileira. Não pela alta dos preços em si, mas por causa das medidas que o governo americano terá que tomar, que provocarão efeitos colaterais no Brasil.
Em uma cadeia de eventos, a inflação nos Estados Unidos vai exigir do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) adoção de medidas como a redução de dinheiro em circulação e o aumento dos juros. Essas ações fortalecem o dólar contra o real. Isso alimenta a inflação no Brasil e força subida mais rápida de nossa taxa de juros. A recuperação econômica fica mais difícil, e até investimentos como poupança, Tesouro e ações são influenciados. A poupança acaba ganhando.
Segundo economistas ouvidos pelo UOL, esses fatores já estão atrapalhando o crescimento econômico brasileiro, mas podem ser agravados se a inflação nos EUA não recuar.
Por que inflação sobe nos EUA?
A inflação nos Estados Unidos atingiu 6,2% no acumulado em 12 meses até outubro, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor. Economistas apontam três fatores como as principais causas desse processo.
Matérias-primas mais caras: A retomada econômica global após o pior momento da pandemia provocou procura por matérias-primas (metais, petróleo, grãos e carne).
Energia mais cara: O petróleo valorizado impacta os preços de gasolina, diesel e térmicas, que estão na base de custos de quase todas as atividades da economia americana. Os reajustes desses itens levam a repasses a outros produtos da economia.
Falta de insumos nas indústrias: Escassez de materiais usados pela indústria na volta da atividade econômica encareceu ainda mais esses produtos.
“A inflação americana reflete tudo o que está acontecendo nas cadeias produtivas durante a pandemia no mundo, em um contexto de políticas expansionistas do governo” – Silvio Campos Neto, sócio e economista da Tendências Consultoria
Que medidas estão sendo tomadas lá?
Para a maioria dos diretores do Fed, a inflação americana é provocada por fatores transitórios. Mas, pelo fato de a inflação ter batido picos históricos em três décadas, o banco central americano sinalizou que a espiral de preços precisa ser interrompida.
Reduzir moeda em circulação: Para isso, o Fed tem duas armas. Uma é diminuir a quantidade de moeda em circulação -quanto menos dinheiro na economia, menor o espaço para reajustes de preços.
O Fed vinha comprando todos os meses US$ 120 bilhões em títulos de investidores e bancos, injetando esse dinheiro na economia para combater a crise da pandemia.
Mas passado o pior momento, a atenção agora se voltou para a inflação. A partir desse último bimestre de 2021, o Fed avisou que vai reduzir em US$ 15 bilhões essas injeções. E vai continuar diminuindo essas operações ao longo de 2022, até a retirada total desse estímulo.
Aumento de juros: O passo seguinte do Fed para conter a inflação é elevar os juros, que hoje estão em 0,25% ao ano. A expectativa dos economistas é a taxa suba a 0,75%, mas apenas a partir do segundo semestre de 2022.
Quais os impactos no Brasil?
A diminuição de dólares em circulação e o aumento dos juros na economia americana provocam a valorização do dólar em relação às outras moedas, incluindo o real, dizem economistas.
Esse impacto já está acontecendo mesmo antes de o banco central americano começar a agir de fato, segundo os economistas ouvidos pelo UOL.
“Só a sinalização dada pelo Fed de aumento dos juros e de redução das operações de recompra de títulos já provoca um fluxo maior de investimentos estrangeiros para a economia americana, o que reduz o fluxo de recursos para outros países, como o Brasil.” – Marcos Antonio de Andrade, professor de economia na Universidade Presbiteriana Mackenzie
Dólar alto no Brasil
A cadeia de eventos provocada pela inflação alta nos Estados Unidos atinge a economia brasileira pelo canal do dólar valorizado, que provoca inflação, que por sua vez força a subida dos juros. Isso atrapalha o crescimento econômico, dizem economistas.
Inflação: Além da inflação global, no Brasil, a inflação é agravada pela desvalorização do real em relação ao dólar. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial no país, já atingiu 10,67% no acumulado de 12 meses.
“A retirada de estímulos pelo Fed e a expectativa de alta dos juros americanos provoca alta do dólar em relação a outras moedas. Dólar mais forte significa real mais fraco, e isso acelera a inflação no Brasil. Por isso, os juros podem ter que subir ainda mais aqui.” – Felipe Sichel, estrategista chefe do banco digital Modalmais
Juros: Para trazer a inflação de volta à meta oficial -de 2,25% a 5,25% ao ano- o Banco Central já começou a subir juros, que estavam em 2% ao ano em março. Esse movimento começou de forma leve, com altas de 0,75 ponto percentual, mas já foi acelerado, para elevações mais fortes, de 1,5 ponto percentual. A taxa básica de juros (Selic) já atingiu 7,75%. E a expectativa do mercado é a de que os juros subam para 11% em 2022.
“A inflação nos Estados Unidos coloca pressão na política monetária americana que, por sua vez, pressiona a política monetária no Brasil, com maior alta de juros. O resultado disso tudo é que vai acabar o cenário tranquilo em que era possível obter financiamento a juros negativos ou muito baixos.” – Emerson Marçal, coordenador do Centro de Estudos em Macroeconomia Aplicada da FGV Eesp
Menos crescimento: Dólar valorizado, inflação sem controle e juros em alta atrapalham o crescimento da economia brasileira, dizem economistas. Novos projetos ou ampliação de negócios, por exemplo, passam a custar mais por causa da moeda americana em alta, das matérias-primas mais caras e dos juros mais elevados, o que encarece empréstimos. Para o ano que vem, por exemplo, o mercado prevê que o PIB (Produto Interno Bruto) cresça menos de 1%, menos que os 4,5% projetados para 2021. Mas já há economistas que falam até em recessão no ano que vem.
“Com os juros aqui indo a 11%, eu não vejo como o PIB pode crescer 1%. Ou essa conta está errada ou teremos recessão.” – Roberto Attuch, economista e CEO da casa de análises Ohmresearch
Até a poupança sofre efeitos
No mercado financeiro, a inflação americana que provoca a alta dos juros por lá vai exigir que o governo e as empresas aqui tenham que pagar taxas mais elevadas para atrair investidores.
É que os juros americanos são referência mundial para os rendimentos de renda fixa em títulos de governo e de empresas.
Quanto mais alta a taxa americana, maior também têm que ser as taxas oferecidas por outros países para convencer alguém a colocar dinheiro aqui e não nos Estados Unidos, onde o risco de calote é menor.
No mercado de investimentos, esse aumento de taxas de juros significa que os rendimentos serão maiores para as aplicações de renda fixa, como poupança, títulos do Tesouro Direto e CDBs.
Já as ações negociadas na Bolsa e os fundos imobiliários vão sofrer com volatilidade e maior risco de desvalorização.
Quadro pode piorar
Segundo os economistas ouvidos pelo UOL, os indicadores atuais da economia brasileira e as projeções para o ano que vem já colocaram na conta que o Fed vai reduzir aos poucos a injeção de dólares na economia americana, por meio da redução das recompras de títulos públicos, a partir deste fim de ano, e que os juros por lá só começam a subir no segundo semestre de 2022.
Mas se a inflação nos Estados Unidos continuar subindo sem dar sinais de arrefecimento, o Fed poderá ser mais duro nas medidas -com redução mais forte das injeções de dólares na economia e com uma subida antecipada e mais forte dos juros.
E, nesse caso, o impacto na economia brasileira será agravado.
“Na nossa economia, já está precificado [previsto] o movimento do Fed. Mas se ele acelerar o passo isso pode afetar mais a economia. Se mercado começar a ver o Fed acelerando o passo, o Brasil sofrerá mais.” –
Roberto Attuch, Ohmresearch.
Ainda há um agravante, dizem os economistas: o Brasil terá no ano que vem um fator que, por si só, já é fonte de instabilidade dos mercados: as eleições gerais.
“O Brasil já tem problemas maiores além da inflação dos Estados Unidos que estão provocando a alta do dólar, como a política fiscal [gastos do governo]. Mas uma piora da inflação americana e o risco de um aperto de juros mais forte lá adiciona uma preocupação extra também para o médio prazo.” – Felipe Sichel, Modalmais
Fonte: “UOL”, 24/11/2021
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