A pressão de dezenas de repartições federais por reajustes salariais virou o novo ponto de tensão entre as alas políticas e econômicas do Palácio do Planalto. Em uma ponta, auxiliares estimulam o aumento dos gastos como uma forma de turbinar a imagem do governo às vésperas de uma eleição que já se mostra polarizada. No outro lado, técnicos argumentam que ceder aos pedidos vai levar ao rompimento do teto de gastos, aumentar a percepção do mercado sobre o risco de descontrole fiscal e terminar em mais desafios para o crescimento da economia em um ano já cercado de dificuldades e expectativa de desaceleração das atividades. O movimento pode ainda anular os ganhos de medidas econômicas recentes, como a Reforma da Previdência. No meio, o presidente Jair Bolsonaro (PL) já deu indicações para qual caminho deve seguir. No apagar das luzes de 2021, o chefe do Executivo ignorou os apelos do ministro da Economia, Paulo Guedes, e bancou o acréscimo de R$ 1,7 bilhão nos planos orçamentários de 2022 para reajustar salários de servidores de segurança pública — uma das bases de apoio do governo.
Como havia sido alertado pela equipe econômica, o movimento levou ao “estouro da boiada” e fez com que outras categorias da administração federal reivindicassem o mesmo tratamento. Opiniões dentro e fora do governo dão como certa a necessidade do rompimento da âncora fiscal caso as demandas sejam atendidas. “Esse conjunto faz com as leis de responsabilidade fiscal, que funcionam como um torniquete para o controle das contas, seja afrouxado, e em um ano eleitoral isso se torna um convite para a expansão dos gastos porque tem um resultado político positivo e imediato”, explica o professor de Economia do Ibmec, Alexandre Pires. Em caráter reservado, membros da equipe econômica afirmam que Bolsonaro estava ciente dos riscos de deterioração da imagem do governo no mercado — e os impactos que isso gera nos indicadores — quando autorizou o reajuste para servidores da Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
O mercado financeiro estima que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 0,36% ao fim deste ano — ante projeção de alta de 4,5% prevista para 2021. A escalada dos juros pelo Banco Central (BC) é o principal fator para a desaceleração das atividades, já que a Selic elevada aumenta o “preço do dinheiro” e desestimula a tomada de crédito para investimentos. A medida, no entanto, é necessária para trazer o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial da inflação doméstica, para o centro da meta, coisa que o mercado acredita que não vai ocorrer em 2022. Ao mesmo tempo, o ciclo eleitoral joga uma série de incertezas e inibe grandes aportes financeiros que poderiam levar à melhora da economia. A desconfiança de que o governo não consegue manter as contas no controle eleva o risco-país ante os olhos dos investidores, que passam a cobrar mais para trazer dinheiro para cá. Isso impacta na depreciação de uma série de indicadores, como o câmbio. Por fim, a desvalorização do real ante a moeda norte-americana encarece produtos importados, o que acaba alimentando a inflação.
Para o economista-chefe da Valor Investimentos, Paulo Duarte, o que assusta o mercado financeiro não é a necessidade de abertura de crédito extraordinário no teto de gastos, mas a falta de clareza sobre até que ponto o governo está disposto em expandir a saída do dinheiro. Também pressiona o humor dos investidores o possível tratamento diferenciado para categorias. “O governo vai atender quem gritar mais ou vai ceder para todo mundo?”, questiona. “Esse tipo de incerteza acaba dificultando as atividades do mercado, e isso atrapalha o funcionamento do governo e do Banco Central”, afirma. O economista também chama a atenção pela falta de coesão entre as manifestações de diferentes alas do governo sobre a questão. “Um discurso unificado poderia mitigar esses problemas. Mas o que se vê é uma fala no ministério da Economia, uma no Banco Central e outra do governo. Ter visões divergentes é normal em qualquer instituição, mas o poder do discurso do governo é muito grande em relação à formação das expectativas.”
O movimento de reivindicações é liderado pelo Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que reúne 37 entidades associativas e sindicais, e mais de 200 mil servidores públicos. De acordo com o presidente da entidade, Rudinei Marques, 80% dos servidores federais estão com o salário congelado desde janeiro de 2017, enquanto o restante não recebe reajuste desde janeiro de 2019. O grupo pede que o governo ajuste os salários com base no acumulado pela inflação, de 27% e 20%, respectivamente. “Nem pedimos ganho real, pois sabemos que o país está em uma situação difícil”, diz Marques. A mobilização se espalhou para setores considerados a elite do funcionalismo, como a Receita Federal e o Banco Central. O Fonacate marcou uma paralisação geral para o próximo dia 18, com atos em frente à sede da autoridade monetária e do Ministério da Economia. De acordo com Marques, o governo ainda não abriu espaço para negociações. Caso não haja sinalização de diálogo após as mobilizações, o grupo estuda realizar novo ato de dois dias na última semana de janeiro e, em último caso, deflagrar uma greve geral e sem tempo determinado no início de fevereiro. Procurados pela reportagem da Jovem Pan, o Ministério da Economia e o BC não quiseram se manifestar sobre as mobilizações.
Fonte: “Jovem Pan”, 09/01/2022
Foto: MAURO PIMENTEL / AFP