Ao completar três anos no cargo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tornou-se uma voz mais solitária do que nunca na defesa das bandeiras liberais no governo. Movido por uma resiliência surpreendente e pelo que define como “senso de compromisso e de responsabilidade com 200 milhões de brasileiros”, ele procura levar adiante a sua agenda de reformas e de modernização do Estado, apesar das seguidas rasteiras que leva do presidente Jair Bolsonaro e da oposição escancarada de colegas da Esplanada dos Ministérios e de parlamentares ligados à base governista no Congresso.
O ministro reafirma a sua disposição de seguir em frente e exalta a “relação de respeito” que mantém com Bolsonaro. Como apurou o Estadão, Guedes continua a desempenhar o papel de Dom Quixote do liberalismo em Brasília, mas está se exaurindo no processo. Parece ser mais forte do que ele próprio a determinação de tentar fazer a “coisa certa”, em meio a um grupo de ministros cujas ideias são mais próximas do nacional-desenvolvimentismo predominante no regime militar e repaginado nos governos do PT. De acordo com relatos feitos por diferentes fontes, Guedes procura manter o equilíbrio nas contas públicas, mas muitos de seus pares conspiram a céu aberto para abrir os cofres, esperando com isso azeitar a campanha de reeleição de Bolsonaro e – acima de tudo – as suas próprias campanhas.
Nesta entrevista, realizada no escritório do Ministério da Economia em São Paulo, na avenida Paulista, Guedes fala sobre a sua “frustração” com o ritmo das reformas e a “falta de apoio” para implementar a sua agenda liberal. “Não tive o apoio que tinha de ter”, diz. “Nós entramos com uma plataforma que é o resultado de uma aliança de conservadores e liberais, que funcionou politicamente para a eleição, mas a engrenagem não girou. Essa aliança não conseguiu nem implementar as propostas dos conservadores, porque os liberais têm valores um pouco diferentes, nem as reformas liberais, porque às vezes têm fogo amigo dos conservadores.”
Guedes fala também sobre o crescimento da economia em 2022, a situação das contas públicas, as privatizações dos Correios e da Eletrobras, a proposta de reduzir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), para turbinar a “reindustrialização” do País, e o corte de tributos dos combustíveis. Em resposta aos críticos que o chamam de “ministro da semana que vem”, por suas propostas supostamente não se concretizarem, ele afirma que não dá para deixar de lado a pandemia na avaliação de seu desempenho no ministério. “Há muita militância e falsas narrativas, por desinformação mesmo e talvez por falhas nossas de comunicação, mas também por desonestidade intelectual. Acho profundamente desonesto ignorar o impacto da pandemia – uma crise sanitária de proporções nunca vistas antes, em que mais de 600 mil pessoas perderam vidas e empresas foram destruídas – na agenda econômica.”
O sr. acabou de completar três anos de governo. Há uma percepção de que não conseguiu levar adiante a sua agenda liberal, defendida na campanha eleitoral e ao longo de sua gestão. Dizem que as reformas estão paradas, as privatizações não saíram e a abertura econômica não andou. Como o sr. vê essa percepção?
É evidente que as reformas ambiciosas que nós defendemos não estão andando na velocidade em que gostaríamos. Naturalmente, há uma frustração nossa com o ritmo das reformas. Então, em parte, é uma percepção razoável, mas em parte é completamente injusta. Hoje, há uma politização muito radicalizada no Brasil e isso desfavorece a compreensão do que está acontecendo. Há muita militância e falsas narrativas, por desinformação mesmo e talvez por falhas nossas de comunicação, mas também por desonestidade intelectual. Por exemplo: acho profundamente desonesto ignorar o impacto da pandemia – uma crise sanitária de proporções nunca vistas antes, em que mais de 600 mil pessoas perderam vidas e empresas foram destruídas – na agenda econômica. Todas as narrativas reconhecem que a pandemia foi algo terrível, que efetivamente foi, uma tragédia de dimensões planetárias. Mas, quando se fala do seu impacto na economia, as cobranças são como se não houvesse uma guerra e como se, nos três anos em que estamos aqui, dois não tivessem sido voltados à pandemia. Na verdade, só tivemos um ano de tranquilidade, que foi o primeiro ano de governo, tomado pela reforma da Previdência.
De que forma a pandemia afetou a agenda de reformas?
A pandemia mudou todo o nosso cronograma. No primeiro ano, a prioridade absoluta era o controle de despesas do governo. Além da reforma da Previdência, entregamos a reforma administrativa para o Executivo examinar e a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo para o Senado, que era um marco de controle fiscal. No segundo ano, o plano era fazer a reforma tributária e acelerar as privatizações. Já havíamos começado a vender subsidiárias de estatais e entraríamos nas maiores empresas. Aí, quando chegou a doença, saímos do trilho das reformas e fomos atacar a pandemia. Quem é que iria falar de privatização no meio da pandemia? Ainda assim, conseguimos R$ 230 bilhões com as vendas de subsidiárias de estatais, que não demandavam mudanças constitucionais, em dois anos, e desalavancamos os bancos públicos em mais R$ 220 bilhões. Em quatro anos, no mesmo compasso, daria quase meio trilhão em privatizações.
É verdade que, no ano passado, as privatizações não andaram. Alguns liberais deixaram o governo por causa disso. Agora, eu pergunto: alguém antes privatizou R$ 230 bilhões em dois anos? Só lá atrás, nas grandes privatizações, que eu acho que faremos agora: Correios, Eletrobras, Porto de Vitória, Porto de Santos e os aeroportos Santos Dumont e Congonhas. O pessoal fala “ah, mas você não abriu a economia”. Como é possível cobrar a abertura quando a economia enfrentou dois anos de guerra? A economia mundial fechou. Mesmo neste cenário, baixamos pela primeira vez a tarifa do Mercosul, em 10%, para 94% dos produtos. Também demos sequência ao processo de ingresso do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e avançamos com o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
Ao longo de sua gestão no Ministério da Economia, o sr. anunciou diversas medidas que, no fim, acabaram não saindo. Muitos analistas passaram a chamá-lo de “ministro da semana que vem” e coisas do gênero. O que aconteceu? No começo do governo, o sr. falava em “mais Brasil e menos Brasília”? Brasília venceu?
Eu cometi um erro. Sabem qual foi? Dividi com vocês essas metas todas que eu tinha e a oposição a essas mudanças importantes, dentro e fora do governo, rapidamente descredenciava os projetos mais ambiciosos. Os oposicionistas, que sempre foram contra as reformas, ganhavam uma força adicional de gente de dentro. Sempre houve fogo amigo, sempre há e sempre haverá. Havia também uma enorme barreira às mudanças, decorrente de uma hegemonia social-democrata no establishment, na mídia, no meio empresarial. Foram trinta anos de relações estabelecidas que poderiam estar sofrendo uma ruptura. A esquerda teve o grande mérito após a redemocratização de incluir os mais pobres nos orçamentos públicos, mas não teve a capacidade de fazer a transformação estrutural necessária, acabar com as empresas campeãs, cortar subsídios, e nós entramos querendo implementar esse programa.
Então, eu achava muito importante que a gente mantivesse não só a equipe motivada, mas o governo inteiro sabendo qual era a meta. Se você não tem uma coalizão parlamentar, e nós não tínhamos quando chegamos, como vai transmitir alguma coisa para a equipe? Você tem de dizer “queremos privatizar estatais”, “queremos fazer uma reforma da Previdência”, “queremos fazer uma reforma administrativa”. Aí, eu percebi que você consegue mais se não compartilhar tanto as metas, porque as narrativas nem sempre são construtivas. São parte de uma cultura de quem não quer reconhecer que perdeu a eleição. Por isso, tenho falado menos.
O sr. dizia que iria privatizar R$ 1 trilhão, zerar o déficit público, metas muito ambiciosas. Isso não acabou depois trabalhando contra o sr.?
Eu tenho metas ambiciosas, propósitos ambiciosos, mas não faço previsões. Nunca falei “eu vou vender essas seis estatais”. Eu sempre falei assim: “quero vender todas as estatais”. Nunca falei “eu vou zerar o déficit o ano que vem”. Sempre falei “queremos zerar o déficit”. Nunca disse quando. Essas grandes metas tinham o objetivo de neutralizar as falsas narrativas, de se contrapor ao pessimismo generalizado. É um método muito comum no setor privado. Você estabelece metas bem altas e mesmo não as satisfazendo alcança um resultado muito melhor do que com metas de fácil obtenção. É o que nós chamamos no setor privado de big bold targets. É como nós trabalhamos, fixando grandes metas e realizando-as parcialmente, ao contrário do que acontecia em governos anteriores.
Parte da narrativa que falseia a realidade é justamente esta: “Ele prometeu zerar o déficit e não zerou”, “ele prometeu vender todas as estatais e não vendeu”. É uma falsa narrativa. O que você prefere: dizer que a sua meta é reduzir o déficit primário de 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto) para 1% do PIB e cumpri-la ou colocar uma grande meta, de reduzir de 10,5% para 0,4% do PIB, que foi o que aconteceu em 2021, sem a definição de uma meta explícita? Neste ano, a meta vai ser bem fácil de cumprir. A meta que nós mandamos no orçamento é de R$ 170 bilhões de déficit. Ela será cumprida. Vocês vão ficar felizes. Eu já sei que não vou ficar feliz. Mas vou cumprir a meta.
Faltou também apoio político para tocar uma agenda liberal?
Sim. Não tive o apoio que tinha de ter. Realmente, esperava mais apoio para essa agenda. Agora, eu vou lhe perguntar o seguinte: nós entramos neste governo com apoio parlamentar? Vocês acham que tínhamos apoio parlamentar para tocar essa pauta? Depois, com as mudanças no PSL, que era o partido de sustentação do governo, a situação ainda ficou mais complicada. O governo só encontrou eixo parlamentar agora, nos últimos dois anos. Você vê como as reformas andaram em 2021, mesmo num ano de pandemia, com a aprovação da autonomia do Banco Central, dos novos marcos regulatórios do gás, do saneamento, das ferrovias e da cabotagem, além da Lei de startups, da Lei de Falências e da BR do Mar. Quando tem apoio parlamentar, a coisa anda. E, quando não tem, como é que você sustenta um governo? Motivando, lutando contra as falsas narrativas. Criando pressão para a mudança.
Nós entramos com uma plataforma que é o resultado de uma aliança de conservadores e liberais, que funcionou politicamente para a eleição, mas a engrenagem não girou. Essa aliança não conseguiu nem implementar as propostas dos conservadores, porque os liberais têm valores um pouco diferentes, nem as reformas liberais, porque às vezes têm fogo amigo dos conservadores. O establishment é muito forte. Você ganha a eleição com uma plataforma, mas aí há primeiro um desalinhamento dentro dessa aliança e – mais importante – a resiliência do establishment, que protege o seu modus vivendi.
O sr. poderia dar um exemplo de como essas divergências prejudicaram o andamento da agenda liberal?
Quando o nosso governo chegou, nós dizíamos que o estatismo, o dirigismo e o intervencionismo têm muitas dimensões: eles corromperam a nossa democracia e estagnaram a nossa economia. Daí a defesa das privatizações. Nós achávamos que, depois dos escândalos do mensalão e do petrolão e dos problemas na Caixa, haveria vontade política de reduzir a corrupção sistêmica – e ela só será reduzida quando avançarmos com as privatizações. É evidente que a corrupção foi reduzida agora, por uma questão moral, por pressão da sociedade e por não haver aparelhamento político na máquina estatal. Agora, olha a dificuldade para fazer a privatização dos Correios, com a qual o presidente se comprometeu, que já foi aprovada pela Câmara, mas parou no Senado, que agora precisa dar esse passo. Com a Eletrobras, aconteceu algo parecido. A privatização já foi aprovada na Câmara e no Senado, mas teve uma travazinha no TCU (Tribunal de Contas da União). Eu acredito que vá destravar. Se 60 milhões de pessoas votaram num programa liberal, se o presidente se comprometeu com um programa liberal, se a Câmara e o Senado aprovaram a privatização da Eletrobras, quero crer que o TCU está apenas dando uma ajuda para que a coisa corra de uma forma mais suave. Acho muito importante dizer o seguinte: o diagnóstico inicial é o mesmo, a direção é a mesma, nós temos o mesmo ímpeto, ma houve a covid, deficiências em sustentação parlamentar e falsas narrativas que atrapalham o tempo inteiro. O importante é o Brasil não dar passos para trás.
“É surpreendente a inapetência da elite brasileira pelo avanço das reformas liberais”
Por que é tão difícil implementar uma agenda liberal no Brasil?
Mesmo que o Brasil tenha constatado a corrupção no sistema político, orgânica, sistêmica, e tenha vivido uma estagnação econômica de três ou quatro décadas, mesmo com o mensalão e o petrolão, é surpreendente que a elite brasileira ainda não tenha compreendido a necessidade de fazer essa transição incompleta, com a transformação estrutural do Estado. É surpreendente essa inapetência pelo avanço das reformas liberais. As coisas até vão acontecendo, mas levam tempo demais. Os liberais ficaram muito tempo fora do governo, o que também é compreensível, porque a direita estava associada aos governos intervencionistas, aos governos militares. Aí, veio a esquerda, que também tem simpatia pelo intervencionismo, e era até natural que a pauta andasse bem lentamente. Mas era uma pauta incontornável. O Brasil foi, de crise em crise, aprendendo a importância dessas reformas.
O câmbio flexível foi aprendido numa crise, na reeleição do Fernando Henrique. O câmbio explodiu, literalmente. Não foi um aprendizado virtuoso. Da mesma forma, o Plano Real foi filho de uma hiperinflação. Os economistas que fizeram o Plano Real são os que falavam que política monetária não funcionava. Também não foi um aprendizado virtuoso. Foi a explosão inflacionária que ensinou a importância de um Banco Central, de um câmbio flexível. Quando os juros subiram muito, impedindo o crescimento, se deram conta de que deveria haver uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Cada grande erro foi um aprendizado, com a social democracia fazendo um recuo tático envergonhado, em direção a uma economia de mercado. É evidente que a gente reconhece que alguns passos importantes foram dados em governos anteriores. Isso é um processo. Mas era um processo sem convicção.
O sr. está falando tudo isso, mas o governo está ampliando o pessoal em estatais, criando novas empresas…
Os governos Lula ampliaram o funcionalismo em 100 mil pessoas. Os governos Dilma contrataram 60 mil pessoas. Nós enxugamos quase 40 mil pessoas. Para cada 100 funcionários que se aposentam, a gente contrata 26. É o que a gente está fazendo. Onde é que está, então, essa contratação? Cuidado com as narrativas. Nós desaceleramos concursos públicos e fizemos um choque digital. A Petrobras tem hoje 30% a menos de funcionários. O Ministério da Economia era dividido em cinco ministérios, com R$ 15 bilhões de despesa por ano, e hoje é um ministério só, com um despesa de R$ 10 bilhões. Cortamos em 1/3 os gastos. O Ministério do Trabalho, que desgarrou, está bem menorzinho do que era antes.
Somos o primeiro governo que não tem um aumento no número de funcionários, porque houve um choque digital. Nós aumentamos dramaticamente a produtividade. Na semana passada, acabamos com a prova presencial de vida para os aposentados. Hoje, você consegue abrir uma empresa em três dias. Antes, levava três, quatro meses. Você tinha de ir a seis ou sete órgãos para pedir licenças e hoje pede a um só e eles se comunicam entre si. Nós criamos a plataforma gov.br, em que você acessa qualquer órgão do governo com um cadastro só. Hoje, há mais de mil serviços digitais oferecidos à população. Recebemos o prêmio de melhor governo digital das Américas, na frente dos Estados Unidos e do Canadá. Somos a 7º economia mais digitalizada no mundo. Então, essa conversa de criação de empregos públicos, de empreguismo, não tem base na realidade. “Ah, mas criou uma, duas agências”. Sim, qual o problema? Isso não nos impediu de desinchar a máquina.
“Não foi a inflação que permitiu a redução do déficit fiscal. Foi travar a despesa”
No ano passado, muitos economistas fizeram previsões apocalípticas sobre o déficit fiscal e o crescimento da dívida pública do País. Mas, no fim, o resultado foi bem melhor do que se dizia por aí. Como o sr. analisa isso?
Vários desses economistas, que falavam em “populismo fiscal”, que a gente tinha perdido o rumo e gastado demais – até isso eu ouvi – passaram pelo governo. Conheço a história de cada um deles. Eles levaram o País a 5.000% de inflação ao ano e agora dizem que o resultado fiscal de 2021 foi melhor do que se esperava, porque a inflação subiu. Interessante, né? Então, naquela época, então, o efeito deveria ser o mesmo, mas não foi o que aconteceu. Quando a inflação bateu 10% ao ano durante o governo Dilma, o resultado fiscal também deveria ter sido outro. A inflação aumenta as receitas, mas também aumenta os gastos, os salários, as aposentadorias. Tudo isso iria subir junto com a arrecadação. Ou seja, não foi a inflação que consertou a história. Foi travar a despesa. Aí, quando a inflação sobe, as receitas crescem, mas as despesas não. Isso é básico. Nós travamos os reajustes salariais do funcionalismo por dois anos durante a pandemia. Um conhecido economista de São Palulo previu que a dívida pública iria para 100% do PIB e ela ficou em 80%, o que representa quase R$ 2 trilhões a menos.
A classe política fez em tempos de guerra o que nunca conseguiu fazer em tempos de paz. Para a saúde, sim, houve recursos, mas para reajuste de salário, não. Essa é a essência da política. É assim que funciona nas democracias liberais no mundo inteiro. Pergunta se tem alguém pedindo reposição de salário nos Estados Unidos, na Alemanha e Reino Unido. Não tem. Eles entendem que houve uma guerra e que as pessoas perderam um pouco do poder de compra. Todo mundo. Os aposentados americanos tiveram uma inflação de 7% e o juro lá é de 0,5% ao ano. Se ficam dizendo que há “populismo fiscal”, irresponsabilidade, num ano em que tivemos o primeiro superávit primário do setor público em sete anos, tem algo de muito errado nas narrativas que circulam. Eu vou ser julgado pela história, não por um bando de medíocres, despreparados.
Agora, no caso da dívida pública, o próprio Tesouro previu que iria chegar perto de 100% do PIB.
O Tesouro é sempre conservador, usa os modelos deles.
Neste ano, com as eleições, há um temor de que o presidente Jair Bolsonaro, abra os cofres e aumente os gastos públicos de forma descontrolada, para tentar se fortalecer na disputa. Como o sr. se coloca diante disso?
Sempre houve confiança e respeito entre nós. E neste ano de fervura política espero que exista pelo menos muito respeito entre todos os brasileiros. Agora, é necessário haver um reforço da aliança dos liberais com os conservadores, em defesa de programa liberal democrata na economia. Há conservadores em torno do presidente que o aconselham a não empreender as reformas administrativa e tributária por receio de que percam votos, enquanto os liberais insistem que, para manter os seus votos, os votos do centro, é importante que as reformas estruturantes prossigam, pois elas reformas é que garantem o caminho da prosperidade. Mil vezes eu falei para o presidente o seguinte: “O sr. quer dar certo? Vamos fazer a coisa certa. Eu estou aqui para ajudá-lo a fazer a coisa certa. Se o sr. fizer a coisa certa, o sr. será reeleito, o sr. tem chance de ganhar a eleição. Se não fizer, não”. Então, acho que, nesta reta final, um maior compromisso com a agenda liberal pode ajudar muito, porque este é um governo de reformas. Nós temos de seguir com as reformas. A centro-direita pode estar cometendo agora um erro que a esquerda às vezes cometia lá atrás, mas sem consequências para eles, porque eles brigavam entre si mas ganhavam sempre. Pode ser o Fernando Henrique, o Lula, o Ciro. É tudo de esquerda mesmo. A centro-direita não pode se dar a esse luxo.
“Acho que os economistas vão errar de novo nas previsões de crescimento em 2022”
A gente sabe que, no Brasil, em ano eleitoral, é difícil aprovar grandes reformas no Congresso. O que o faz imaginar que agora será diferente?
Na semana passada, houve um sinal animador. Ao reabrir os trabalhos no Congresso, tanto o presidente da Câmara, Arthur Lira, quanto o do Senado, Rodrigo Pacheco, disseram que vamos quebrar esse paradigma de que em ano de eleição não se trabalha nem se faz reformas estruturantes. Nós temos de prosseguir com as reformas. Que a gente tenha menos tempo, ok. Mas o tempo que temos deve ser dedicado a seguir com as reformas. O presidente da Câmara falou que já fez a reforma tributária e está esperando o Senado avançar com a parte dele e que está disposto a retomar a reforma administrativa. O presidente do Senado também falou que vamos seguir com as reformas que são importantes para o Brasil. Então, acho que tem chance de sair a mudança no Imposto de Renda. Acredito que vão sair também as privatizações dos Correios e da Eletrobras. Agora, quero ver se, daqui a seis meses, caso isso não aconteça se vocês vão falar que eles prometeram e não cumpriram.
Logo depois da posse, em 2019, em entrevista ao ‘Estadão’, o sr. afirmou que os políticos tinham de assumir 100% do Orçamento. Hoje, os políticos já controlam 50% das verbas discricionárias do Orçamento. Só que, em vez de o dinheiro ser aplicado em políticas públicas articuladas, está sendo usado para atender emendas individuais, conforme o interesse de cada parlamentar. Era isso o que o sr. tinha em mente?
É claro que não. A minha proposta estava vinculada à desindexação, à desvinculação e à desobrigação de 100% do Orçamento, para a promoção de política públicas articuladas. Tanto que eu tinha uma sugestão de uma reforma política, que já deveria ter acontecido há muito tempo, que era a cláusula da votação em bloco. Cada partido discutiria internamente as propostas e todos os seus parlamentares teriam de seguir a posição vencedora. Assim é que tem de ser feito o Orçamento. Minha proposta era fazer isso na margem. A diferença entre o valor do Orçamento de um ano para o outro seria totalmente definida pelos políticos. Não e como estão fazendo hoje. Não é para usar o dinheiro em emenda individual. Agora, é para onde eles foram empurrados. Isso é sobrevivência. A essência da política é o controle dos orçamentos públicos, no sentido de que os programas defendidos pelos partidos têm de ser implementados, sem compra de apoio parlamentar no varejo. Essas discussões nobres sobre o destino dos recursos são negadas no Brasil. Como 96% do orçamento estão carimbados, há uma disputa da maior ferocidade pelos 4% restantes.
As previsões para o desempenho da economia neste ano também estão bem pessimistas, oscilando entre uma queda de 0,5% do PIB a um crescimento de no máximo 1% do PIB. O que o sr. pensa sobre isso?
Em 2020, esses mesmos economistas falavam que o PIB iria cair 10% e caiu menos de 4%. Em 2021, quando eu dizia que a recuperação da economia viria em “v”, eles afirmavam que o “v” era de virtual, porque só o ministro estava vendo isso. No fim, a economia cresceu 4,5% e poderia ter crescido 5,5% ou 6%, se deixássemos os estímulos fiscais e monetários, como outros países estão deixando – juros negativos, todos os programas fiscais expansionistas etc. Foi um crescimento vigoroso, já sem os anabolizantes que outras economias ainda têm. Hoje, nós somos o único País que já está de novo onde estava antes da pandemia chegar. Eu disse que isso iria acontecer, mas as pessoas não entenderam direito. Eu não faço previsões, mas acredito que neste ano a economia vai crescer mais. Acho que eles vão errar de novo. As revisões de crescimento lá fora vão ser todas para baixo. As nossas aqui vão ser todas para cima, porque já tiramos os estímulos. O ministro da Saúde está dizendo que nós vamos sair de uma pandemia para uma endemia, que em 60 dias possivelmente teremos um quadro mais claro da doença, se uma população fortalecida pelas vacinas pode enfrentar um vírus que tem muita transmissibilidade mas menos letalidade. Nós estamos com a população adulta toda vacinada, todo mundo voltou ao trabalho. Então, é possível que a economia sustente o ritmo de volta. Tem coisas que são obviedades, mas as narrativas não são construtivas.
“O eixo do desenvolvimento era o investimento público e agora será o investimento privado”
O sr. acredita, então, que o desempenho da economia, visto por muitos analistas como um problema para o presidente na campanha pela reeleição, vai ajudá-lo?
Se o governo que fizer a coisa certa – e nós estamos fazendo a coisa certa e vamos continuar a fazer a coisa certa – só pode ajudar. Hoje está muito ruim, não é isso? Vocês acham que a economia vai piorar ou melhorar? Só pode melhorar, né? Estou analisando fatos. Passaram um ano falando que iria dar tudo errado, porque o fiscal estava fora de lugar. Aí, fechamos o ano com um pequeno superávit. Agora vai dar errado por que? “Ah, porque a inflação tá alta”. As previsões são de que inflação vai rachar ao meio, vai cair de 10% para 5% neste ano. Com a inflação em queda, os juros vão cair também, porque existe o equilíbrio fiscal. “Ah, e o emprego? A economia vai ficar parada, não vai criar mais emprego”. Eu acho que vão errar de novo. Em 2021, nunca se gerou tanto emprego no País. Houve um recorde de criação de empregos. Se pegar desde o fundo do poço, foram mais de três milhões de empregos formais e mais de 9 milhões no total, incluindo empregos formais e informais. E qual foi a narrativa desses economistas? Que o emprego cresceu, “mas o salário médio caiu”. É claro, eles queriam que, depois de uma guerra, o salário médio tivesse subido?
Em sua visão, a economia pode reagir mesmo com o corte realizado nos investimentos públicos no Orçamento de 2022?
Tem gente que quer furar teto, achando que o jeito de ganhar eleição é repetir o que a Dilma fez, gastar bastante. Tem gente que ainda acha que o caminho vai ser através de orçamentos públicos. As pessoas que estão no modelo antigo falam “ah, o investimento público está caindo”. Sim, ele está caindo há 30 anos. Vocês só descobriram hoje que o investimento público está caindo? É por aí que o Brasil vai levantar? Não. Nós estamos indo em direção a uma economia de mercado, de investimento privado e de consumo de massa. Não adianta ficar esperando as companhias estatais reativarem o investimento público. Elas foram assaltadas, quebraram, quebraram seus fundos de pensão, quebraram tudo. Então, não precisa ser um gênio para saber que esse modelo se exauriu. O caminho é outro. O eixo do desenvolvimento era o investimento público e agora será o investimento privado. Não podemos continuar vítimas de monopólios verticalizados. Se hoje a gente tem problema de energia, de combustíveis, de exploração de petróleo, é por causa da insuficiência crônica de investimentos nesses setores.
Se o Brasil explorasse petróleo no mesmo ritmo de outros países, o preço do petróleo seria mais baixo. Influenciaria até os preços internacionais. Agora, nós estamos limitados à capacidade de investimento da Petrobras. O Brasil tem muito petróleo e explora num ritmo lento. O Brasil se transformaria no 3º ou 4º maior produtor do mundo se tivesse um ritmo de extração forte. Quando nos chamaram para participar da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) logo que fizemos a cessão onerosa, eu falei: “Nós jamais participar de um cartel para controlar ritmo de extração para segurar o preço do petróleo lá em cima”. Ao contrário. Vamos acelerar a produção. Nós acreditamos numa transição para uma economia verde. Esses fósseis daqui a 10,15 20 anos vão perder valor. Então, temos que extrair e petróleo o mais rápido possível.
Será que o setor privado tem fôlego para liderar essa nova onde de investimentos de que o Brasil precisa para crescer de forma sustentável?
Com a aprovação dos novos marcos regulatórios do gás, do saneamento, das ferrovias e da cabotagem, da BR do Mar, mais o 5G, o investimento, a formação bruta de capital fixo, já subiu 15% no ano passado, para 19% do PIB, e está indo para 20% neste ano. Só para vocês terem uma ideia, ministros extraordinários como o Tarcísio (Gomes de Freitas, da Infraestrutura), que executa extraordinariamente bem, têm um orçamento de R$ 8 bilhões para investimento. Uma empresa privada como a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) mobilizou sozinha R$ 50 bilhões num fim de semana, quando foi privatizada, R$ 20 bilhões de outorga e mais R$ 30 bilhões de compromisso de investimento. É o equivalente a 6,5 vezes o orçamento do Tarcísio para gastar o ano inteiro.
São esses novos marcos regulatórios que explicam o volume de investimentos já contratados para os próximos dez, quinze anos. Hoje, já temos R$ 828 bilhões em investimentos contratados. A estimativa é de que até o fim do ano haja mais 300 bilhões, elevando o total a mais de R$ 1,1 trilhão, em diversos setores. Em dez anos, isso significa R$ 100 bilhões por ano, o equivalente a 10 vezes o orçamento do Tarcísio e a 15 vezes o orçamento do (Rogério) Marinho (ministro do Desenvolvimento Regional). É um novo modelo de crescimento.
Em que pé que estão as propostas de redução do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que faz parte das exigências da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para o ingresso do Brasil na entidade, e de diminuição do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)?
A redução do IOF exigida pela OCDE vai ocorrer muito devagarzinho. Começa com um corte de 1,5% daqui a dois anos. Depois, vai baixando até zerar. Zera em oito anos. Agora, no caso do IPI, a ideia é fazer já. Nós estamos estudando uma redução linear de 25% a 50% para o IPI, o quanto antes O presidente gosta da proposta, o Ciro (Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil) adora, e o (Arthur) Lira (presidente da Câmara), também. Eu tinha imaginado usar esse aumento de arrecadação ocorrido no ano passado – que eu sabia que vinha, embora não soubesse de quanto – para financiar a reforma tributária. Isso bancaria a transição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) para o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), mas perdemos o timing. O IVA dual foi aprovado na Comissão de Justiça da Câmara, estava tudo ali preparidinho para avançar, só faltava o IPI, mas não andou.
Vou ficar esperando eles aprovarem ou dar um uso para esse recurso? Então, a ideia é aproveitar o aumento de arrecadação para reduzir as alíquotas, baixar o IPI, para todo mundo. “Ah, mas metade do dinheiro do IPI é dos Estados e municípios”. Paciência. Fomos nós que demos esse dinheiro para eles. Quem é que congelou os salários dos servidores deles? Foram eles ou fomos nós? Se é a social-democracia que está à frente, ela pega esse aumento de arrecadação e dá aumento de salário para todo mundo e incha a máquina. Foi o que fizeram durante 10, 15, 20 anos. Com um liberal democrata é o contrário, ele reduz os impostos, o que estimula o aumento da produtividade e representa uma corte permanente na carga tributária. A gente ainda está no meio da pandemia e vai dar aumento de salário para o funcionalismo? Não faz sentido.
Entre tantos tributos existentes no País, por que escolheu o IPI?
Porque a indústria brasileira está sendo penalizada. O agronegócio brasileiro não tem esses impostos e está bombando. A indústria brasileira está sob fogo cerrado, está afundando. O IPI é uma estaca no coração da indústria brasileira. Nós precisamos reindustrializar o Brasil. Então, a hora é agora, porque teve esse aumento de arrecadação. Se eu reduzir o Imposto de Renda, é só dinheiro do governo federal. Se eu cortar o IPI, é dinheiro meu e dos governadores. Com a redução do IPI, que pega produção de fogão, geladeira, televisão, ajudo a indústria a ficar em pé, a minimizar o impacto dessa abertura que fizemos, com o corte de 10% nas tarifas do Mercosul. Eu tenho um pacto com a indústria brasileira: enquanto houver um piano nas costas, que são os encargos trabalhistas, uma boa de ferro na perna direita, que é o excesso de impostos, e outra bola de ferro na perna esquerda, que é o juro alto, não vou submetê-la ao massacre da serra elétrica, deixando a chinesada entrar. Tem gente que prefere reduzir o PIS/Cofins da gasolina, que é uma discussão que está tendo agora. Vocês acha legal, os milionários usarem lancha, avião e a gente subsidiá-los, quando estamos tentando fazer uma transição para uma economia verde? Quer dizer, até agora não conseguimos aprovar o imposto sobre juros e dividendos e ainda vamos dar subsídio para a gasolina?
O sr. acha que isso vai ser repassado para o consumidor?
Bom, eu reduzi as tarifas de importação. Se a redução do IPI não tiver impacto nos preços, posso baixar de novo, fazer outro lance. Tenho que ir andando.
Em que isso é diferente do que aconteceu na crise de 2008, quando o governo do PT diminuiu os impostos da linha branca?
Primeiro, foi um corte setorial. O PT não estava criando empregos. Estava perdendo empregos. Acuado, com o PIB caindo3,5%, desemprego em massa, 1,5 milhão de desempregados num ano, o PT fez o que não acredita: desonerou a classe produtiva que estava mais próxima dele, do ABC paulista. Quem tinha mais força política levou. É totalmente diferente. Nós estamos num outro ponto. Estamos criando empregos loucamente, abrindo a economia, fazendo uma expansão do PIB, melhorando o ambiente de negócios e estamos falando que vamos reduzir os impostos, sim, de forma linear, para todo mundo, porque somos liberais. Aqui não tem esse negócio de que quem tem lobby leva. Não sou a Dilma que baixou os impostos e subiria de novo assim que possível. Eu quero diminuir agora e depois cortar mais.
O sr. falou numa redução entre 25% e 50%. É um intervalo muito amplo. Não dá para dar um número mais preciso?
Quem decide isso é a política. Suponha que os governadores queiram contribuir aceitando o congelamento ou mesmo a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre os combustíveis. A nossa redução poderia ser de 10%, 15% ou 20%, só para sinalizar. Agora, suponha que os governadores queiram, ao contrário, subir impostos, descongelar o ICMS, dar uma puxada para cima, conceder aumento de salário. Aí, o nosso corte pode ser de 50%. O Congresso é que decide isso. Vocês acham que, num ano eleitoral, se a gente propuser uma queda de imposto de 25% ou 50% vai ser bom para ganhar voto? Estão usando justamente o populismo para dar aumento de salário no meio da pandemia. Então, nós vamos baixar o IPI. Você está entendendo o que o presidente está dizendo quando ele fala que vai zerar os impostos sobre combustíveis? Ele está dizendo: “Olha, vão conversar com os governadores, que estão mamando aí em cima disso”.
O sr. acredita que, em ano eleitoral, vai ser possível segurar essa despesa com o aumento do funcionalismo?
O que você acha da opinião pública? É a favor de dar aumento? Não. Então esclareçam esse drama. Tem um pessoal aí, que são os governadores, querendo usar uma arrecadação acima do esperado para dar aumento de salário e tem o governo federal falando que “tudo indica que uma redução de imposto é melhor do que aumento da despesa”. Primeiro, porque tem o teto de gastos. Segundo, porque a reposição salarial para o funcionalismo significa que eles não vão pagar pela guerra contra a pandemia. No mundo inteiro assalariados, pensionistas, gente que tem poupança perderam poder de compra. A pandemia tirou renda de todo mundo. A nossa geração pagou pela guerra. Por isso, digo que nós não precisamos fazer ajuste nenhum. O Brasil é o único país que está em pé, na mesma posição em que estava quando a pandemia chegou. O déficit primário está praticamente zerado. Quando a pandemia chegou estava em 1% do PIB e agora está 0,5% do PIB. A dívida bruta estava em 76% do PIB e agora está em 80%. Quer dizer, subiu quase nada. A economia já subiu, voltou em “v”, está com nível acima do que estava, também. O desemprego caiu. Estava em 12% em 2019, a pandemia levou para 14,4% e agora já voltou para 11,6%.
“A força que me mantém aqui é um senso de compromisso e de responsabilidade com 200 milhões de brasileiros”
Quanto a essas propostas do Congresso para redução dos preços combustíveis, qual é a sua avaliação?
Todo governo sofre com esse troço, com a energia e o petróleo, cujos preços estão subindo no mundo inteiro. Agora, não tem nenhuma marcha contra a Casa Branca, o governo de Berlim e o do Reino Unido. No Brasil, isso vira um problema de governo, porque é ele que está sentado em cima dessas duas coisas. Agora, quando isso acontece numa dose agravada pela covid, o problema político é muito maior, ainda mais num ano eleitoral. É o que explica essa profusão de propostas sobre a questão, com essa conjugação de fatores adversos. Não é o Bolsonaro que está fazendo o petróleo subir lá fora nem o ministro Paulo Guedes, assim como não sou eu quem controla o regime de chuvas e está subindo a tarifa de eletricidade. Juntando isso tudo, acho natural que a classe política reaja procurando soluções. O problema é que normalmente procuram soluções que já deram errado muitas vezes. Tem gente que propõe controle de preços, fundos de estabilização. São medidas emergenciais e a maior parte delas, dependendo de como são tratadas, podem até agravar em muito o problema.
Afinal, qual é a proposta que o sr. defende?
A gente tem simpatia pela ideia de zerar os tributos do óleo diesel, cujo impacto fiscal deve ser de cerca de R$ 17 bilhões ou R$ 18 bilhões ao ano, que seria um mal menor. Se eu ainda reduzir 25% do IPI, seriam mais R$ 20 bilhões, mas aí seriam R$ 10 bilhões meus e R$ 10 bilhões dos Estados e municípios. Isso elevaria o custo total para o governo federal para R$ 27 bilhões, que representam 0,2% do PIB. A proposta do Senado, que propõe a criação de um fundo para redução de tributos dos combustíveis, do botijão de gás, da energia elétrica e até de passagens de transporte público urbano para idosos, independentemente de a pessoa ser rica ou pobre, tudo ao mesmo tempo, é uma bomba fiscal. Seu custo poderá chegar a R$ 110, 120, 130 bilhões ao ano. Esta proposta tem o potencial de anular todos os ganhos que ela busca, pelo potencial que tem de provocar uma alta do dólar, com reflexos nos preços dos combustíveis. É uma insensatez. Além disso, ela acaba por financiar muita coisa que não é para financiar, como gasolina de avião e helicóptero e lancha de milionário, gasolina de carro de passeio, além de não ser verde. Vai ser o inverso de tudo que estamos fazendo, no sentido de reduzir os subsídios. O fundo de combustíveis é uma solução que foi tentada no mundo inteiro, não funcionou e tem um custo altíssimo. Além disso, não dá para implementar rápidamente. Há, ainda, uma outra proposta, na Câmara, com um impacto fiscal de pouco mais de R$ 50 bilhões, que tem foco nos combustíveis, até porque o problema do custo da eletricidade já está endereçado nas tarifas sociais, e não inclui também benefícios para o transporte público.
O sr. sempre defendeu o equilíbrio fiscal, mas no fim do ano passado acabou dando o seu aval à mudança no sistema de pagamentos dos precatórios e ao aumento das despesas, com a criação do programa Auxílio Brasil. Como o sr. explica isso?
O negócio dos precatórios é muito simples. Tinha uma despesa crescendo. Quando estava tudo pronto para enviar ao Congresso o projeto de criação do Auxílio Brasil de R$ 300, dentro do teto, tendo como fonte de recursos o imposto de renda sobre juros e dividendos, tudo casado, caiu um meteoro no Ministério da Economia, com um aumento de 100% nas despesas do Judiciário. No ano anterior, a gente tinha pago R$ 45 bilhões e precatórios e nós tínhamos separado R$ 53 bilhões para 2022, com um aumento de 15%, 20%. De repente, com uma decisão de ministros do Supremo, os precatórios viraram R$ 90 bilhões. Aí, o que eu fiz foi dar previsibilidade às despesas com precatórios, colocando-as dentro do teto de gastos. Os precatórios agora têm de seguir a mesma exigência de submissão ao teto. Eles nunca mais vão dar um susto na gente. O que ficar fora do teto será jogado para a frente corrigido pela inflação. Agora, todas as causas de até 60 salários mínimos, equivalentes hoje a R$ 66 mil reais, o que a gente chama “requisições de pequeno valor”, que representam 90% do total, mas apenas 30% a 40% do dinheiro, serão atendidas. O que ficar fora do teto poderá ser usado leilões de concessão e de privatização e para encontro de contas. Nós permitimos que os maiores advogados e financistas do Brasil participem da grande transformação do Estado brasileiro. Eles poderão comprar os papéis com deságio e usar pelo valor de face.
E em relação ao Auxílio Brasil, que levou à mudança da regra do teto de gastos. Qual é a sua explicação?
Nada disso se originou da equipe econômica. Como nós perdemos cinco ou seis meses discutindo a questão dos precatórios, dentro do próprio governo começou a se dizer que R$ 300 não dava mais para o Auxílio Brasil, em razão da alta da inflação, e que o valor teria de ser R$ 400. Só que, como R$ 400 furava o teto, houve uma revisão do teto. A revisão é tecnica e politicamente compreensível. Tecnicamente, porque havia uma dessincronização. Quando a inflação subia, como subiu no ano passado, o teto era revisto de julho a junho, mas as despesas eram contabilizadas de janeiro a dezembro. A ideia de rever o valor do Auxílio Brasil veio da política, porque estavam dizendo que as pessoas estão comendo ossos, passando fome, e que a pandemia reduziu o Brasil à miséria. A solução técnica para fazer isso também foi sugerida pela política. Não saiu de nós. Mas, quando nos perguntaram se a gente tinha alguma ressalva à antecipação da revisão da regra do teto de 2026 para 2022, para permitir a sincronização das despesas, nos pareceu uma medida defensável. Neste ano, se a inflação cair, o teto vai descer junto com ela, em vez de sobrar dinheiro. Daqui para frente, o teto vai andar junto com inflação.
Até o seu maior crítico será capaz de reconhecer a sua resiliência e a sua perseverança neste período todo. O que o leva a continuar no governo em meio a tantas dificuldades?
A força que me mantém aqui é um enorme senso de compromisso e de responsabilidade com 200 milhões de brasileiros, que eu sei que pude ajudar e que estou ajudando em uma base diária. Para isso, estou tendo de ignorar e resistir a tudo. Meu maior ativo não foi a resiliência, porque isso vocês podem dizer que a Dilma, que é cabeça dura para caramba, tem. Meu maior ativo é sempre dar passos para frente na hora que abre a janela. Pelo menos, eu mostrei o que tem de ser feito, conduzi a minha tropa e muito foi realizado. Normalmente, eu estaria de olho no aspecto econômico. Na pandemia, eu era o cara certo, na hora certa no lugar certa, na dimensão que todo mundo esperava menos, que era a dimensão humana. Eu sou o cara que desenhou o auxílio emergencial e o benefício emergencial, para 68 milhões de pessoas, que deu desconto no Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Criamos também o Pronamp, para ampliar o crédito para as micro e pequenas empresas na pandemia. O Congresso nos ajudou muito, mas sei quem desenhou cada um desses programas. Agora, o que fizeram com a minha biografia? A minha biografia foi aniquilada. Não tenho nada a perder. Disseram que eu não faço nada, que não entrego nada, que prometo e não faço. Então, de um lado está a minha biografia, que já foi atacada de forma injusta, e de outro o meu compromisso com 200 milhões de pessoas. Eu não estou preocupado em sair bem no filme.
Fonte: “Estadão”, 08/02/2022
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