BRASÍLIA – Distribuidoras de energia defendem ajustes nos valores usados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para calcular o novo empréstimo ao setor elétrico. As alterações levariam a um aumento de cerca de R$ 1,6 bilhão no valor teto que poderá ser repassado para custear as medidas adotadas ao longo da crise hídrica que o País enfrentou no ano passado, a pior em 91 anos.
Pela proposta apresentada pela agência reguladora, a primeira parcela, destinada para cobrir o rombo na conta da bandeira tarifária em abril, a importação de países vizinhos e o bônus concedido aos consumidores que economizam energia, deverá totalizar até R$ 5,6 bilhões, que serão pagos pelos consumidores nos próximos anos, com juros.
O socorro financeiro foi autorizado pelo governo em dezembro, por meio de uma medida provisória (MP) regulamentada por decreto do presidente Jair Bolsonaro. Cabe, no entanto, à agência reguladora analisar as contribuições recebidas em consulta pública e definir os valores e os prazos de pagamento da operação financeira. Ainda não há previsão para que os recursos sejam liberados para as distribuidoras, que funcionam como uma espécie de “caixa” do setor elétrico.
A maior despesa a ser coberta pelo empréstimo é referente ao rombo na conta das bandeiras em abril de 2022, dado que mesmo a cobrança de uma bandeira tarifária mais cara não foi suficiente para fazer frente aos gastos com o uso de usinas térmicas, que geram uma energia mais cara.
Desde setembro, está em vigor a bandeira “escassez hídrica” com cobrança adicional de R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora (kWh). O valor, no entanto, ficou muito abaixo do que era visto como necessário pelos técnicos, algo em torno de R$ 25 a cada 100 kWh – o que foi evitado pelo governo para evitar um impacto ainda maior da conta de luz na inflação, que fechou em dois dígitos em 2021.
Pelos cálculos da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o déficit na conta das bandeiras ao final de abril será maior que o calculado pela agência reguladora.
Em nota enviada durante consulta pública sobre o tema, a entidade estimou que o rombo será de R$ 3,1 bilhões, enquanto o regulador considerou R$ 1,5 bilhão. Os números, segundo o documento, foram baseados no que determina o decreto presidencial que regulamentou a MP, que prevê que o cálculo seja feito com base no cenário hidrológico mais crítico informado pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) em janeiro.
O diretor regulatório da Abradee, Ricardo Brandão, explica que a sugestão é no sentido de que o parâmetro estabelecido seja seguido. “Para efeitos de valor teto, o cálculo deve considerar o cenário mais crítico. O que não quer dizer que a distribuidora vai pedir o valor integral, porque a própria MP estabelece que os custos financeiros dessa operação são dos consumidores, e só será da distribuidora se for solicitado valor maior do que o verificado. Não tem nenhum motivo para pedir a mais, mas ter o teto com o cenário mais crítico da flexibilidade por conta de programa ao longo do ano”, afirmou ao Estadão/Broadcast.
Custos
Outro custo a ser coberto será o montante gasto com a importação de energia da Argentina e Uruguai em julho e agosto de 2021. A associação defende a inclusão das despesas, mas também sugeriu ajustes nos valores. A Abradee afirma que ao analisar os relatórios da Câmara de Comercialização de Energia (CCEE), o valor correto a ser considerado seria de R$ 822 milhões, e não R$ 790 milhões, como foi considerado pela agência reguladora.
Brandão afirma que a associação não apontou ajustes relacionados aos procedimentos das regras, já que a proposta da Aneel é similar ao que foi estabelecido no último empréstimo concedido ao setor em 2020, a chamada Conta Covid.
Ao defender o empréstimo como a melhor forma de equilibrar os rombos nos caixas das distribuidoras, mesmo que haja a cobrança de juros no futuro, ele argumenta que a operação evitará uma variação abrupta nas tarifas em um momento em que os níveis de inadimplência nas contas de luz já é alta e as famílias se encontram endividadas, o que provavelmente levaria a buscar outras opções de crédito com juros mais altos.
“A cobertura do déficit via tarifa teria um ‘efeito sanfona’ e caracterizaria um sinal econômico disfuncional. Se as tarifas fossem ajustadas para repassar os custos do déficit, teríamos primeiro uma elevação tarifária muito alta, e depois uma redução tarifária também muito forte. Logo, utilizar a tarifa como mecanismo de recuperação do custo da crise hídrica não se mostra adequado, pois além do efeito das variações abruptas, haverá tarifa alta em momento de hidrologia favorável, ao passo que teria havido uma tarifa mais baixa no momento de hidrologia muito severa. Seriam sinais econômicos disfuncionais, que gerariam muita confusão no entendimento dos consumidores”, diz o documento enviado à Aneel.
A contribuição contesta manifestação do Tribunal de Contas da União (TCU), que recentemente indicou em nota técnica que o governo não fez estimativa prévia dos impactos tarifários ao consumidor das medidas para enfrentamento da crise.
Para os técnicos, uma nova operação de crédito, somado a outras despesas, tem risco de resultar em aumentos “expressivos” na conta de luz nos próximos anos, ainda que impeça um tarifaço com efeitos imediatos, e apontou que o governo deve demonstrar o motivo de adotar a medida novamente e comprovar que a alternativa é, de fato, melhor do que permitir mecanismos já previstos na regulação, como reajustes tarifários extras para as distribuidoras.
Fonte: “Estadão”, 17/02/2022
Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil