Não é segredo que, para que um país conquiste um alto nível de desenvolvimento, a educação é essencial. Nesse quesito, a Estônia, com um dos melhores índices do mundo, se destaca. E oferece algumas lições para o Brasil.
Como a qualidade de um sistema educacional depende de uma multiplicidade de fatores, não pretendo trazer respostas definitivas, muito menos receitas de sucesso garantido. Mas há sim um direcionamento bastante claro. Infelizmente, o Brasil optou pelo direcionamento oposto.
Algumas práticas são difíceis de transplantar porque têm a ver com a história de cada país, suas influências, suas escolhas. Por exemplo, a reação econômica e educacional dos estonianos se deu como resposta à opressão soviética. Nossa influência educacional mais forte é Paulo Freire, um marxista que pregava “a amorosidade” do sistema de opressão cubano, bancado pelos mesmos soviéticos que tomaram o país dos estonianos.
E, claro, tem a geografia humana. A Estônia é um país de apenas 1,3 milhão de habitantes: mais ou menos a população de Campinas.
Por outro lado, algumas práticas podem perfeitamente nos servir de exemplo: ao contrário dos estonianos, nós escolhemos ser pobres. A Estônia é hoje a 7ª economia mais livre do mundo e sua pobreza vem diminuindo. O Brasil é a 133ª. Estamos ali entre Sri Lanka e Malawai e, sem liberdade econômica, será impossível sairmos da pobreza, como fizeram os estonianos.
No que se refere à educação, seguimos presos ao poder dos grupos de interesse que garantem a manutenção da catástrofe da educação brasileira: educratas, sindicalistas, e lobistas de ONGs e do meio empresarial. Todos esses grupos tiram vantagem de nosso estado paquidérmico, mega burocratizado e corrupto.
A fonte das informações a seguir é o livro ‘Improving a country’s education’, editado por Nuno Crato.
A educação básica se tornou compulsória na Estônia em 1918. No entanto, em 1897, o nível de literacia entre os estonianos já era de 80% — o maior do império russo. Ou seja, o povo estoniano não precisou da imposição estatal pra compreender a importância da educação e garanti-la pra 80% da população.
Infelizmente, seu sistema educacional foi fortemente afetado em 1940, quando, junto com outros países Bálticos, foi ocupada pela União Soviética. A Estônia perdeu cerca de 1/5 de sua população na Segunda Guerra Mundial. Muitos fugiram do regime soviético e outros tantos foram deportados para a Sibéria, de onde nunca mais voltaram.
Durante a dominação soviética, a língua de instrução continuou sendo o estoniano, mas houve a introdução massiva da língua russa, que foi adicionada ao currículo obrigatório. Conteúdo ideológico foi explicitamente incluído, mesmo em matemática e ciências, sendo história e as ciências sociais as disciplinas que mais sofreram. O ensino de línguas estrangeiras caiu em número de horas e em qualidade, e os livros eram saturados com ideologia soviética. O objetivo era manter as pessoas isoladas do resto do mundo.
Felizmente, a Estônia conseguiu uma fresta na Cortina de Ferro devido à sua proximidade com a Finlândia (80 km). As pessoas conseguiam assistir à TV finlandesa e, como as línguas finlandesa e estoniana são “aparentadas”, muitos estonianos aprenderam sozinhos o finlandês e, pela TV, conseguiam acompanhar a vida no Ocidente.
A ruptura definitiva para o avanço da educação da Estônia foi a Conferência de Professores da Estônia que ocorreu em 1987. A independência do país só foi restabelecida em 1991, mas os professores da Estônia foram a voz da liberdade quatro anos antes disso. Nessa Conferência, os professores exigiram um novo currículo: independente, livre de ideologia marxista-leninista.
Enquanto isso, universidades e congressistas brasileiros fazem homenagens a Marx e os cursos de formação docente ainda adotam livros que falam do papel do professor como agente contra o capitalismo.
Para reestruturar seu sistema educacional, livre da doutrinação soviética, os estonianos formaram comitês compostos por professores de escolas e universidades e cientistas. Receberam muita ajuda dos estonianos que viviam no exterior e que se organizaram para apoiar a educação na Estônia. Muitos estonianos cujos pais haviam emigrado durante a 2ª Guerra, voltaram para ajudar a reorganizar o sistema.
Por causa das semelhanças de idioma e intercâmbios com universidades finlandesas, o sistema educacional finlandês e suas práticas tiveram influência nos processos na Estônia. Depois de intenso trabalho, o currículo da Estônia foi apresentado às escolas em 1989, dois anos antes de o país recuperar oficialmente sua independência.
O sistema de educação primária da Estônia é baseado em uma forte educação pré-escolar. Cerca de 94% das crianças frequentam o ‘jardim de infância’ e começam a escola aos 7 anos. Embora esse seja considerado um início escolar relativamente tardio, a maioria das crianças já entra na escola sabendo ler e escrever.
Ao contrário da Estônia, o Brasil escolheu ser não só pobre, como analfabeto. A meta nacional brasileira é que todas as crianças devem ser alfabetizadas até no máximo o final do 3º ano; ou seja, aos 8 anos de idade. Mas nem isso a gente consegue: dados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) de 2019 mostram que quase 50% das crianças do 2º e 3º anos encontravam-se em situação de não alfabetizadas.
Felizmente, a atual secretaria de alfabetização vem dando prioridade à normatização da alfabetização aos 6 anos, mas só quem pode garantir isso são professores capacitados. Temos esses profissionais em número suficiente?
Há dois tipos de escolas na Estônia: um, onde a língua de instrução é o estoniano e outro, onde é o russo — 25% da população é russa. Independentemente da língua de instrução, as escolas se baseiam no mesmo currículo nacional. Esse currículo serve de base, mas cada escola pode decidir sobre sua cultura, objetivos e o foco de estudos. As escolas podem se especializar em ciências, línguas ou outra área acadêmica.
Em 1996 (5 anos apenas após se livrarem dos soviéticos) foi lançado o projeto “Tiger leap” cujo objetivo era adquirir o know how para a incorporação de tecnologia na vida cotidiana de todos os cidadãos. Isso, obviamente, incluía internet e aulas de informática para todas as escolas da Estônia. Hoje praticamente todos os serviços podem ser obtidos virtualmente. Este projeto abrangente colocou a Estônia entre as sociedades mais digitalizadas do mundo.
A demanda por cidadãos com educação digital exerceu uma pressão significativa também sobre o sistema de educação: as escolas integraram uma variedade de soluções digitais e capacitaram os professores a usar soluções digitais em suas aulas.
Recentemente, muito esforço e financiamento estão sendo colocados no desenvolvimento de testes diagnósticos computadorizados para permitir aos professores detectar o que os alunos já sabem e quais são suas lacunas em um tópico ou habilidade específica. Com isso, a repetência, que já é baixíssima, tende a desaparecer e os alunos que aprendem mais rapidamente poderão ser mais desafiados.
Apenas 11% das escolas da Estônia são privadas, mas vejam aqui como são geridas as escolas públicas estonianas: são os diretores que contratam e demitem professores. São eles também que decidem sobre os salários dos professores: existe um mínimo obrigatório, mas pode-se pagar mais a professores melhores. Cabe ao diretor também decidir como alocar o orçamento e avaliar as necessidades para a formação de professores.
Na Estônia, como em muitos outros países — Brasil inclusive — o envelhecimento da população é uma realidade e isso tem se refletido no declínio do número de alunos. Por isso, reorganizações escolares têm ocorrido em todo o país. Algumas escolas foram fechadas, outras sofreram fusões ou remanejamentos. Claro que a situação causa insegurança e tensão pra os alunos e os trabalhadores das escolas.
Aqui no Brasil, em 2016, uma iniciativa do governo de SP para reorganização escolar visando otimização de recursos, foi o estopim para que “estudantes” invadissem milhares de escolas, impedindo seu funcionamento. Como a Estônia é um país sério, a resposta que dão a essa necessidade é outra: pra sobreviver, as escolas têm se pressionado a melhorar. Cabe principalmente aos diretores das escolas ter uma visão de futuro e apresentar novas soluções.
Ainda mais porque na Estônia não existe isso de “o dinheiro é da escola pública”. O dinheiro é do estudante e é ele, e não a escola, que é financiado. A família do estudante é livre pra escolher: se estiver insatisfeita e resolver mudar seu filho da escola A pra a escola B — sendo a escola B pública ou privada — o estudante é financiado pelo Estado do mesmo jeito. E o diretor da escola A que trate de evitar novas perdas. O emprego dele depende disso e, no longo prazo, a existência da sua escola também.
Segundo a pesquisa TALIS de 2018, 86% dos professores são mulheres com idade média de 49 anos. No total, 54% dos professores têm 50 anos ou mais. Todos têm mestrado. Têm também excelente capacidade de gerenciamento de sala de aula: 86% do tempo da aula é gasto em ensino e aprendizagem. A média dos países da OCDE é de 78%. No Brasil, é de 67%: um terço do tempo das aulas é perdido.
Em geral, o professor estoniano segue práticas de ensino mais tradicionais. Como as escolas têm autonomia, são os professores que decidem não apenas sobre os livros didáticos, mas também sobre métodos de ensino que eles consideram apropriado para usar em suas aulas.
Por exemplo, em 2014, o “MEC” estoniano lançou um documento propondo um ‘upgrade’ no sistema educacional: o Estonian Lifelong Learning Strategy 2020. Uma das diretrizes propostas é mudar a forma de ensino mais tradicional, prevalente nas escolas, pra uma abordagem mais “progressista” e centrada no aluno. No entanto, a TALIS 2018 mostrou que, apesar da prioridade estabelecida pelo governo, os professores estonianos não mudaram muito seu estilo: continuaram usando abordagens educacionais tradicionais com muito mais frequência que os professores de outros países da OCDE.
Como disse acima, a maioria dos professores estonianos não é jovem. Mais da metade dos professores passou a infância e parte da juventude sob o regime comunista. Tinham no mínimo 20 anos quando o país se livrou oficialmente do jugo soviético e possivelmente participaram dos protestos no final dos anos 80. Na próxima década, haverá uma necessidade urgente de renovar essa força de trabalho. Será interessante acompanhar o impacto que a perda dessa geração de professores terá no desempenho dos estudantes estonianos.
Em 1995 o Brasil e a Estônia eram igualmente pobres: o PIB per capita e a produtividade por hora dos dois países eram praticamente iguais. No entanto, ao contrário de nós, os estonianos não escolheram ser pobres pra sempre. Por isso, assim como garantiram sua liberdade política, garantiram sua liberdade econômica. Hoje o PIB per capita deles é 2 vezes e meia maior que o nosso, a carga tributária deles é menor que a nossa, eles têm saúde fiscal e mais dinheiro pra investir em educação.
E, como sabemos, eles não distribuem esse dinheiro com profissionais incompetentes ou encostados, como nós fazemos. Professor e gestor de escola pública estoniano que não é excelente não se cria; tem que ganhar a vida de outro jeito. Assim, eles garantem alto nível de aprendizagem inclusive pra as crianças pobres.
Além de refeições, todos os alunos recebem livros didáticos, transporte escolar e serviços de apoio, se necessário. Muitas escolas têm psicólogos, fonoaudiólogos e pedagogos em sua equipe. Muitos alunos permanecem na escola após o término das aulas. Eles usam salas de aula pra fazer o dever de casa sob a supervisão do professor ou participar de atividades extracurriculares como clubes de esportes, arte ou computação.
Ao todo, 7,4% dos alunos de nível sócio econômico baixo alcançaram os níveis mais altos de desempenho no PISA (contra 2,9% nos países da OCDE). Os alunos mais pobres da Estônia conseguem um desempenho melhor do que os alunos mais ricos de muitos países. Não preciso nem dizer que o Brasil é um desses países.
Fácil fazer tudo isso quando tem dinheiro sobrando, não é? Nem tanto. Embora a Estônia tenha o sistema educacional considerado o melhor da Europa e um dos melhores do mundo — é o 1° da OCDE em literacia e ciências e o 3° em matemática — o país investe em educação 30% menos que os países da OCDE.
Uma das prioridades estabelecidas pelo governo em 2014 foi a de formar professores e lideranças competentes e motivados. O documento defende que os salários de professores e gestores escolares devem ser mais competitivos e o trabalho deve ser altamente valorizado pela sociedade de modo a atrair e manter apenas os melhores. A ideia é tornar a avaliação e a remuneração dos professores e dirigentes escolares proporcionais à sua qualificação profissional e à eficácia no desempenho do seu trabalho.
Como a educação na Estônia é bancada pelo pagador de impostos, essa eficácia precisa ser demonstrada. Por isso, desde 1997, foi estabelecido um sistema de avaliação externa dos alunos. O objetivo é avaliar o quão bem eles dominam os objetivos de aprendizagem em cada etapa. Ou seja, o quão eficazes os professores foram.
Avaliações externas são realizadas no final do 3° e 6° anos e, embora sejam obrigatórios para apenas 10% das escolas, em geral todas optam por participar. No final do ensino médio, os alunos fazem três exames nacionais que também são válidos para entrar em universidades.
No Brasil também há avaliações externas — cuja qualidade não vou discutir aqui —, mas não há qualquer penalidade para escolas que têm resultado ruim. Os professores e gestores de escolas cujos alunos não aprenderam nada recebem o mesmo incentivo que os professores e gestores de escolas cujos alunos aprenderam muito: nenhum. Funcionários públicos e sindicalistas brasileiros não precisam se preocupar com desempenho, accountability e essas coisas de ‘neoliberais’: nossa CF está do lado deles. O pagador de impostos tem direito de sentar e chorar.
Outra prioridade estabelecida pelo governo estoniano em 2014 foi desenvolver centros de excelência na área educacional. A Universidade de Tallinn e a Universidade de Tartu são os centros responsáveis pela área de Formação Docente e pelo programa de pesquisa educacional nacional. Os temas das pesquisas devem ser escolhidos a partir de estratégias visando causar impacto no nível do aprendizado e da produção científica. Por isso, as duas universidades têm como campos de pesquisa prioritários a formação de professores e as ciências da educação.
Os centros também são responsáveis pela implementação da nova abordagem de aprendizagem proposta, promovendo a cooperação entre instituições de ensino e o mercado. Ao contrário da Estônia, no Brasil, muitos especialistas em educação acham que não precisamos de formação docente rigorosa, focada em resultados mensuráveis no desempenho dos estudantes. Também não aceitam essas ideias ‘neoliberais’ da Estônia de cooperação entre escola e mercado. Eles têm ideais muito mais elevados; por isso, investigam temas “muito mais relevantes” – ou seja, relevantes para o seu departamento. E olhe lá.
Dentre os 54 países que publicaram pelo menos 100 artigos na área de Educação em 2016, ficamos em penúltimo lugar em impacto científico internacional. São essas pessoas – que produzem esse tipo de “ciência” educacional – que pensam e fornecem a formação inicial e continuada dos professores brasileiros: Segundo uma pesquisa de 2017, cobrindo as matrizes curriculares de 144 cursos de Pedagogia, a carga horária do curso, dedicada a ‘Conhecimentos relativos aos fundamentos teóricos da educação’ corresponde a 16,41% do total. Se somarmos ‘Outros conhecimentos’ — 11,05% — teremos um total de 27,46% da carga horária do curso. Estão incluídos na categoria ‘Outros conhecimentos’: movimentos sociais; sustentabilidade e educação ambiental; relações interpessoais e grupais; imagens da ética na educação; escola, comunidade e movimentos sociais; aprendizagem e direitos humanos; educação, trabalho e cidadania; ecopedagogia; educação para valores, dentre outros. Garantir que o professor alfabetizador sabe alfabetizar? Bobagem.
A Estônia, que não tem tempo a perder, já começou a desenhar a próxima estratégia educacional para o ano de 2030, que deve ser mais voltada pra caminhos de aprendizagem individual. Para o Brasil, resta a esperança de que consigamos avançar políticas educacionais liberais. O caminho do que pode ser mudado está dado. Basta trilhá-lo.