“Quem ganhar ou quem perder não vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.” Dilma Rousseff
Não é que a frase hoje até faz sentido? O resultado de ontem mostra que, independente do resultado do segundo turno, o vencedor terá grandes dificuldades para governar.
Se Lula ganhar, não vai encontrar, nem de longe, aquele Congresso apático com o qual lidou antes de ser preso. O oponente Bolsonaro conseguiu fazer uma bancada gigantesca. São 99 deputados, apenas do PL, sem contar com outros partidos que orbitam no ecossistema bolsonarista. O Senado está recheado de ex-ministros de Bolsonaro, e de outros que também não vão dar vida fácil pra Lula, como o juiz que o prendeu na Lava Jato. Será um mandato difícil, travado, e onde, ainda, uma leva de apoiadores dos mais diversos cobrarão o preço pelo apoio já no primeiro turno.
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Aqui fora, diferente de 2003, já há uma direita formada, uma parte da população crítica, pronta para atirar pedras no primeiro deslize. E deslize é uma coisa relativa, quando se trata de ideologia. Será preciso muita habilidade para aprovar projetos e manter a popularidade num patamar desejável.
Da mesma forma, se Bolsonaro vencer, a bancada petista/ de esquerda não é muito menor. São 79 da federação do PT, mais 14 da federação do PSOL com a Rede, e outros que orbitam em torno deles. Bolsonaro já teve uma amostra do que é ter um Congresso hostil, inclusive perdendo deputados eleitos na esteira dele, mas vai encontrar uma versão piorada, pois o centrão – mais facilmente manipulável em troca de cargos, emendas e outras benesses – encolheu, dando espaço para uma ala esquerdista mais ideológica e difícil de domar.
Não foi só o centrão que encolheu nestas eleições. Partidos, movimentos e candidatos que optaram por não escolher entre Lula e Bolsonaro foram castigados pelas urnas. O Novo reduziu sua bancada de 8 para 3 deputados, e os que saíram do partido para disputar em outras legendas também não foram eleitos. O MBL continua apenas com Kim Kataguiri, que teve muito menos votos do que em 2018. O Livres viu sua bancada encolher de 10 para apenas 1 federal. E O RenovaBR, que foca na preparação de candidatos de renovação (não necessariamente liberais), que fujam da polarização vazia, reduziu de 9 para 7 eleitos no Congresso. Parece uma redução pequena, mas a base de candidatos desse ano era o triplo. Deputados que abandonaram o Bolsonarismo, como Joyce Hasselman, Alexandre Frota e Dayanne Pimentel, tiveram votações pífias, assim como a esquerda mais soft, por vezes confundida com o centrão. O PSDB praticamente sumiu.
E para onde foram todos esses votos? Os dois mais votados do Brasil dão uma dica: Nikolas Ferreira (PL, candidato de Bolsonaro em MG) e Guilherme Boulos (PSOL, candidato de Lula em São Paulo), ambos com mais de 1 milhão de votos. Numa eleição muito polarizada, não há espaço para além dos extremos. A eleição de 2022 foi um plebiscito, onde o eleitor só enxergava duas opções.
Por falar em 1 milhão, mais da metade dos primeiros colocados na disputa gastaram mais do que isso em suas campanhas, numa eleição marcada pelo indecente aumento do fundão eleitoral para R$ 4,9 bilhões, algo que por si só já dificultaria a renovação.
O que podemos fazer sobre isso? Sentar e chorar? Prefiro ver o copo meio cheio. Foi num momento hostil politicamente que o movimento liberal mais cresceu no Brasil. Foi num governo do PT que tantos liberais se descobriram, outros saíram do armário, e foi quando o movimento ganhou mais força no Brasil. Podemos fazer isso de novo. Agora partimos de uma base muito maior de já convertidos, alguns até já alçados a semi-celebridades, com o poder de alcançar muito mais gente.
Independentemente do resultado das eleições presidenciais, os próximos quatro anos serão uma boa oportunidade para os liberais brasileiros se reorganizarem. E dessa vez teremos o reforço de muita gente boa. Sem mandato, mas agora com uma visibilidade muito maior, podendo lutar em outras frentes e fortalecer o lado de cá na guerra cultural que precede qualquer grande mudança na política.
Já temos movimentos formados, institutos dos mais variados, criadores de conteúdo, portais de notícias, um partido político… coisas que liberal raiz não estava acostumado. A gente tira de letra o fato de sermos minoria, sempre foi assim. Mas agora a Kombi não mais nos cabe. Fretemos um ônibus e vamos nessa!