“E o Nordeste segue sendo maior & melhor”, tweetou Maísa, feliz com a virada de Lula na região. “Os mais maravilhosos do Brasil em absolutamente tudo”, endossou Giovanna Ewbank. “O Nordeste é uma região de resistência”, completou Ingrid Guimarães.
Agora eu que pergunto, prezado leitor, o que essas pessoas entendem de Nordeste, para além de Trancoso e Fernando de Noronha? Senta aí que eu vou te contar como é o Nordeste real, e como funciona uma eleição por aqui. Sim, sou baiana, e já participei de três eleições, então tenho o tal “lugar de fala”.
O Nordeste é a região mais pobre do Brasil, quase metade da nossa população vive com menos de R$ 497 per capita por mês, em favelas com condições bem precárias. Nossos índices educacionais são os piores possíveis. Nosso IDEB no ensino médio varia entre 3,4 e 4,4, sendo que esse último foi o índice de Pernambuco, que mandou fazer placa comemorativa e homenageou os responsáveis por tão grande feito (sim, a nota máxima era 10).
A Bahia, meu estado, amargou a pior educação do Brasil na pandemia, levando nota zero por deixar alunos sem qualquer tipo de aula (nem online) por exatamente 1 ano. Os nove estados campeões em analfabetismo são justamente os nove do Nordeste. Coincidentemente são estados governados por partidos de esquerda há mais de uma década (16 anos de PT, no caso da Bahia).
Agora me digam, caros artistas, é por resistência ou consciência democrática que essa região votou majoritariamente em Lula? Será que eles estão acompanhando os discursos de Bolsonaro na ONU ou analisando a diplomacia internacional do governo? Ou talvez lendo o plano de governo de Lul… ah, lembrei que não tem.
Nossas praias são maravilhosas e temos pontos turísticos recheados de história, é verdade. Mas são os bolsões de pobreza que representam a maior parte do Nordeste, e neles há muito pouca ou zero consciência política. Foi justamente nesses bolsões que Lula teve mais votos.
A depender do tamanho da localidade, quem orienta voto é o prefeito, o vereador da região, o líder comunitário ou, em casos extremos, o traficante da área. E eles utilizam isso como moeda de troca com candidatos. Sim, eles vendem o voto alheio.
E entregam. As estratégias de cada um variam, e vão desde um prestígio legítimo entre aquelas pessoas, a promessas incumpríveis, fake news e até ameaças. Não raro um traficantes é eleito no Nordeste porque os eleitores de determinada região têm medo de não votar e serem descobertos. Sim, isso é sério e eu sei nomes. Mas é claro que não vou escrever aqui. O fato é que há locais onde, se outro candidato entrar, recebe ameaça de morte (se isso se concretiza, preferi não testar).
Tem também o voto do atendimento médico ou odontológico gratuito, consulta veterinária, castração de cachorros e gatos, e coisas que o valham. Consiste no candidato montar um trailer ou um galpão para atender essas pessoas, que antes passam por uma triagem para deixar seu contato e título de eleitor, como zona e sessão eleitoral. Quando chega a eleição, são lembrados do compromisso e se sentem coagidos a votar no candidato, ainda que, provavelmente ninguém vá efetivamente conferir sessão por sessão após as eleições.
E ainda tem a questão da colinha. Votar em 5 candidatos na ordem correta pode parecer fácil pra você, mas não pra dona Maria, semi-analfabeta, mãe de 5 filhos, com a casa caindo aos pedaços e que está mais preocupada em como vai rebocar as paredes antes das chuvas detonarem com tudo. O que ela mais quer é que alguém lhe dê uns quilos de argamassa e um santinho pronto, com os números na ordem de votação. Sim, parece algo absurdo, mas muita gente vota assim aqui no Nordeste.
Onde tem pobreza, sempre terá alguém explorando as necessidades daquelas pessoas para se eleger, reeleger e se perpetuar no poder. No dia em que não existir mais pobre e analfabeto, boa parte dos políticos nunca mais se elege. Por isso, o tão baixo interesse da maioria deles em, efetivamente, melhorar esses índices.