O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais surpreendeu agentes do mercado financeiro no Brasil e no exterior. Embora muitos analistas descontassem as projeções divulgadas pelos principais institutos de pesquisa brasileiros (atribuindo mais votos a Bolsonaro e precificando ativos de acordo), em média, conforme um relatório recente do Bank of America, o mercado esperava uma diferença maior entre os dois principais candidatos.
Algumas pesquisas divulgadas nas semanas anteriores à eleição colocavam Lula 10 pontos percentuais à frente de Bolsonaro, o dobro do resultado constatado no dia 02 de outubro.
A surpresa foi recebida positivamente, com o Ibovespa operando em alta na segunda-feira seguinte à divulgação do resultado e o dólar em forte queda frente ao real.
Ações de estatais brasileiras como a Petrobras foram as que mais se beneficiaram com a notícia.
A hipótese mais simples para explicar esse movimento do mercado é que Bolsonaro, por ter um discurso econômico mais alinhado aos valores liberais, em defesa de privatizações, da diminuição do papel do Estado na economia e da importância da austeridade fiscal, entre outras coisas, agrada mais os investidores, os quais se sentem mais confiantes com o futuro da economia do país sob a continuação do governo atual em relação ao de um eventual governo Lula, algo mais provável agora que antes dos resultados do primeiro turno.
Outro ponto positivo é o fato de que a maioria dos novos eleitos ao Congresso está alinhada ao atual presidente no discurso pró-mercado, sendo potencialmente mais favorável a propostas de reformas estruturais (e.g., reforma tributária e política) vindas do executivo, as quais são tidas como fundamentais para sustentar um crescimento econômico mais acelerado no Brasil.
A segunda hipótese é que, independentemente do resultado esperado pelo mercado para o segundo turno, uma corrida mais acirrada pela presidência faz com que candidatos se distanciem de propostas polêmicas e extremistas e se aproximem do centro e do status quo.
Moderar o discurso é uma estratégia interessante para ganhar votos marginais e analistas esperam ver um Lula mais centrista para tentar diminuir sua rejeição entre eleitores com um viés ideológico mais próximo da direita.
Isso é considerado positivo porque propostas como a tentativa de revogar a reforma trabalhista aprovada pelo governo de Michel Temer, afirmações vagas sobre aumentar a intervenção em estatais, entre outras falas do candidato do PT aumentam a incerteza sobre o futuro da economia brasileira, afugentando capital avesso ao risco (risco esse já muito grande em situação normal, comparado com outras economias com expectativa de crescimento semelhantes) de investir no Brasil e em empresas brasileiras (especialmente as estatais).
A ética aristotélica do meio-termo, não surpreendentemente, parece ser valorizada pelo mercado e os eleitores, e o candidato que conseguir moderar seu discurso para tranquilizar uma parcela do eleitorado preocupado com excessos e deficiências de ambas as campanhas aumentará suas chances de vencer no segundo turno.
Entre os agentes do mercado há uma unanimidade: a preferência pelo controle fiscal e controle da inflação. O tamanho do Estado brasileiro é o maior entrave a um crescimento mais pujante, mesmo que a inciativa privada tenha garantido algum nível de crescimento da economia brasileira historicamente. O descontrole fiscal e da inflação destruiria esse crescimento. Portanto, o compromisso com medidas de controle deveria ser a bandeira tanto da esquerda quanto da direita – é o mínimo a ser garantido pelo Estado.
A preferência do mercado por um candidato que incentive reformas estruturais que destravem o crescimento (como a simplificação do arcabouço tributário brasileiro, por exemplo) e defenda a diminuição do tamanho do Estado também é evidente. O Estado brasileiro gasta demais e não sobra dinheiro para investimentos que sustentem um crescimento de longo prazo. O orçamento do governo é quase inteiramente comprometido com gastos inevitáveis como Previdência, salários, gastos com o SUS etc. O povo brasileiro escolheu um modelo estatal assistencialista, que até funciona em algumas economias avançadas. Obviamente, ele só é sustentável com crescimento econômico robusto, e o Brasil ainda é um país pobre.
O compromisso com o progresso no longo prazo, embora muitas vezes menos popular se comparado a gastos imediatos prometidos em campanha, é importante por sinalizar à população, ao mercado e ao resto do mundo que o Brasil também se preocupa com o futuro para além do próximo mandato. Financiar o investimento exigido para sustentar esse crescimento de longo prazo com dinheiro público só é possível se as despesas diminuírem ou os impostos aumentarem – duas medidas extremamente maléficas para a popularidade de um governo. A terceira opção é destravar o investimento privado tanto nacional quanto estrangeiro. As reformas estruturais e a desburocratização aumentam a atratividade do país como destino de investimento. Privatizações e concessões dão oportunidades de entrada para o capital com menos risco dado o estágio operacional de empresas e ativos estatais, bem como as inúmeras oportunidades de criação de valor através do aumento de eficiência dessas operações.
É uma fonte de receita imediata que também pode servir para financiar o que o governo entender como prioridade – mais gastos, pagamento de dívidas etc.
Preocupações éticas à parte, a defesa de uma política econômica retrógrada e defasada, que dá ênfase ao Estado como promotor do crescimento econômico em detrimento do setor privado, é o pior defeito do programa de governo do PT, e o mercado enxerga isso. O governo e o discurso do atual presidente evidentemente têm inúmeros defeitos, mas a sua proposta de política econômica é inegavelmente mais alinhada com o crescimento de longo prazo do que a de Lula.
Se o resultado do primeiro turno servir, pelo menos, para aproximar as agendas econômicas dos dois presidenciáveis já seria um ganho enorme para a população brasileira – o mercado e o eleitorado esperam que isso aconteça.
*Por Flavio Arruda Cerqueira – Prospect IFLSP