No último domingo, ouvindo nos veículos de mídia sobre a apuração dos votos nos Estados, me chamou atenção o fato de, em Roraima, Bolsonaro ter tido uma votação tão expressiva, em comparação a Lula. Apesar de, em outros Estados do Norte, ter ocorrido algo semelhante, como Rondônia e Acre, em nenhum deles a diferença foi tão acachapante quanto em Roraima.
Como curioso dos movimentos da política, comecei a refletir o porquê disso ter acontecido. Nordestino apaixonado que sou pela minha região, comparei a economia de Roraima com estados do Nordeste e vi que não há diferenças significantes com a maioria, inclusive no nível de PIB per capita. Todavia, eleitoralmente falando, Lula obteve suas maiores diferenças na liderança no primeiro turno aqui no Nordeste.
Acredito que o maior indutor de intenções de voto de qualquer eleitorado seja a Economia. Afinal, até de acordo com Marx, a economia determina as ideias e a cultura de uma sociedade. Por isso, eu entendo o porquê da votação expressiva do Nordeste em Lula e ojerizar essa tendência é desconhecer a história nordestina.
Lembro-me da minha infância e das condições materiais das pessoas à minha volta – o quanto o povo daqui era paupérrimo. Vi isso nitidamente e lembro-me de como as coisas melhoraram na primeira década do século XXI. O nordestino médio associa ao governo Lula a melhora de suas condições materiais. Não farei aqui juízo de valor desta associação, mas reitero o fato de que ela ocorre.
Isto posto, voltemos para o caso de Roraima. Analisando a situação ontem, cheguei a uma conclusão. Lembrei-me de um conhecido de Roraima, relativamente envolvido com política, e fiz o questionamento a ele, sem nem dizer minha teoria: “Por que seu Estado votou tão expressivamente no Bolsonaro?” Na resposta dele, obtive a confirmação da minha teoria.
Antes de chegar à teoria em sim, verifiquemos o caso americano da eleição de 2020, na qual Donald Trump, representando a direita americana, contava esquisitamente com os votos dos latino-americanos que viviam nos EUA. Essa foi uma constatação que deixou a esquerda americana boquiaberta: “como poderia um candidato com ‘traços xenófobos (de acordo com seus opositores)’ contar com votação expressiva dos latinos residentes no país, especialmente os cubanos?”.
Isso é interessante, pois aparenta ser uma contradição. Porém, devemos cavar mais fundo para compreender. Latinos que migraram para os EUA o foram justamente por lá ser “a terra das oportunidades”, a grande referência do capitalismo mundial. Todos eles saíram de seus países subdesenvolvidos no intento de poderem conseguir numa economia ultracapitalista um padrão de vida mais elevado. Todos eles conheciam a realidade dos seus países.
Neste ínterim, a campanha de Trump se utilizou de algo que simplifica a conquista desse tipo de eleitor: disse para eles, traduzindo em palavras mais simples, que “se Trump não fosse eleito e a esquerda voltasse ao poder, os EUA se tornariam um país socialista”. Isto foi suficiente para fazer os latinos, especialmente os cubanos, “tremerem na base” e votarem no candidato republicano por medo do que poderia acontecer.
É interessante observar estes movimentos analiticamente.
Logicamente, sabemos nós, eram ameaças infundadas. Os EUA continuam sendo um país capitalista orientado pela lógica do livre mercado e sua economia continua e continuará pujante pelos próximos anos, seja nas mãos dos democratas ou dos republicanos.
Mas o que chama a atenção é a reação dos latinos, especialmente dos cubanos, quando ouvem a palavra “socialismo”. Eles se desesperam e estão dispostos a qualquer negócio para fugir dessa ameaça. Aqui eu faço juízo de valor: o desespero perante uma ameaça socialista foi justo, mas acreditar que há uma ameaça socialista perante a eleição de um governo somente pelo fato dele estar mais à esquerda, tenho que dizer que foi injusto.
Historicamente o poder americano se alternou entre republicanos e democratas e sempre houve capitalismo de livre mercado lá.
De qualquer forma, justo ou não, o fato é que essa narrativa cola e alguns votos se perdem no meio do caminho, afinal os cubanos conhecem os efeitos reais, dissonantes dos efeitos esperados na literatura marxista, de uma tentativa de impor um regime socialista numa nação. Embora no papel seja algo bonito, na prática os protótipos socialistas resultam em pobreza generalizada, fome, miséria, sem falar na completa ausência de liberdades políticas. Esses países se tornam uma ditadura onde a única coisa que de fato é socializada é a miséria. Exemplos mundiais não faltam.
Assim, os cubanos conhecem os “efeitos reais” do socialismo de “ver e viver”, diferentemente da quase totalidade da população americana, que sempre viveu sob a égide da prosperidade que o capitalismo oferece (a despeito de suas evidentes deficiências e contradições, as quais também não se podem negar) e conhece o socialismo somente de “ouvir falar e ler”, nunca tendo vivido na pele as reais implicações de um regime socialista.
Dito isto, voltemos para o caso do Brasil e de Roraima.
Roraima é o estado brasileiro que faz fronteira com a Venezuela. A população de Roraima e da Venezuela é vizinha. Sempre visitaram mutuamente um ao outro país ao longo das décadas. A população de Roraima sabe o que era a Venezuela pré-ditadura Chavista, sabe como a Venezuela mudou, viu Maduro assumir o poder, viu a repressão, a miséria e a fome. Presenciou a crise migratória, observou venezuelanos em Roraima fugindo da miséria do seu país por conta de todos os efeitos reais das tentativas de implantação de um regime socialista.
Assim, digo que semelhantemente aos cubanos residentes nos EUA, os roraimenses sabem os efeitos reais do socialismo de “ver, embora não tenham vivido”, diferentemente do restante do Brasil, que só conhece de “ouvir falar e ler”.
Assim, os roraimenses tenderiam a ter comportamento próximo aos cubanos residente nos EUA diante da palavra “socialismo”, embora me menor escola, pois eles não chegaram a viver todos os males do regime, obervando apenas os seus efeitos. Eles podem, portanto, imaginarem-se perdendo os empregos, tendo que pegar fila para ir ao supermercado e seus filhos passando fome.
Desta forma, utilizar a falácia do socialismo como argumento para angariar votos antiesquerda pode ter surtido efeito em alguns lugares do Brasil mais próximos geograficamente da ditadura socialista, especialmente em Roraima.
Todavia, compreendo que esta situação se assemelha ao exemplo americano, sendo está uma falácia – uma ameaça vazia. Qual meu principal motivo para crer nisso? O mesmo que eu tinha para crer no caso da eleição dos EUA. Desde a redemocratização do Brasil, por reiteradas vezes o poder mudou de mãos: Sarney, Collor, Itamar Franco, FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Analisando o caso do Lula, que é quem disputa a eleição neste momento, de forma resumida, nunca houve uma tração de política econômica num sentido de total controle do Estado dos meios de produção ou uma global ojeriza à classe empresarial. Pelo contrário, seus dois mandatos seguiram religiosamente uma máxima do senador catarinense Esperidião Amin: “O poder é como o violino. Toma-se com a esquerda e toca-se com a direita”.