Essa foi a frase dita pelo Presidente Lula na reunião do dia 27 de janeiro de 2023 com os governadores.
O governo federal vem dando tropeços não só no campo da economia, mas também no campo ideológico e sociológico. Desde a posse presidencial, há reiteradas proposições veementemente questionáveis, como: o desenho da nova política de financiamento externo do BNDES; a criação da moeda paralela com a Argentina; e os mecanismos da pretensa “defesa da democracia” que visam combater as “fake news”, mas que na verdade tendem a ser um tiro no peito da liberdade de expressão, que é a mãe de todas as liberdades.
As primeiras duas coisas mostram que há uma chance de o partido que ora assumiu não ter aprendido o suficiente com os erros do passado. E isso é muito ruim para o Brasil, principalmente pros mais pobres, que estão ameaçados de terem que financiar infraestrutura em países vizinhos enquanto o próprio Brasil é absurdamente carente de obras públicas. Ainda, o povo brasileiro está sob ameaça de ter que eventualmente arcar com os custos dos equívocos alheios, afinal, não é culpa do povo brasileiro a tragédia econômica da Argentina: se eles estão com insolvência cambial, é consequência de uma série de políticas econômicas atabalhoadas que os governos ora eleitos lá fizeram. Isso não é culpa nossa, mas de quem os elegeu.
Outrossim, em dissonância com esses tropeços iniciais, a frase dita por Lula na reunião com os governadores foi profundamente elucidativa positivamente: “é preciso parar de judicializar a política.” Lembro que no fim de dezembro, comentando sobre os problemas do Brasil com alguns amigos (apesar de particularmente ser ligado à área econômica e acabar sempre achando que a economia é a base de todos os demais problemas), dei um passo atrás nessa conversa: “o maior problema do próximo governo não vai ser a questão econômica, mas sim o ativismo judicial… a interferência dele na política.” – eu disse.
Logicamente, isso foi antes dos ataques criminosos à sede dos três poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro. Naquele dia, houve uma inflexão da pauta política nacional. Infelizmente, os depredadores do patrimônio publico deram a justificativa que a classe dirigente queria para poder se aprofundar nos mecanismos de coerção digital. Enfim… agora o Brasil inteiro vai ter que lidar com as consequências disso.
Página virada e medidas de coerção digital a todo vapor, voltam-se as discussões antigas. Ainda nesse mês de janeiro, o governo voltou a se aprofundar na pauta econômico-diplomática. Falou-se bastante em reforma tributária (o que é algo ótimo, desde que devidamente feita e com justiça). Mas, justamente quando os governadores estão em Brasília para questionarem sobre as perdas de arrecadação devido às medidas tributárias populistas e tecnicamente discutíveis, impetradas pela gestão anterior do governo federal, com propósitos aparentemente eleitoreiros, a questão do ativismo judicial foi abordada pelo próprio Presidente da República. Presidente este que, de acordo com as impressões da mídia de forma geral, é mais aceito que o anterior pela cúpula da classe judiciária. O fato do próprio Presidente ter pautado isso mostra que a imersão nesse tipo de discussão é fundamental para a estabilização institucional brasileira, amadurecimento da democracia e a efetiva separação dos poderes constituídos.
A ideia é boa, afinal, ultimamente vemos muitas vezes o Poder Judiciário assumindo a dissenso funções legislativas. Muitas vezes grupos apoiam esse ativismo judicial quando os beneficia e desaprovam quando ocorre o contrário – o judicialismo de ocasião. O fato é que funções legislativas devem obrigatoriamente estar a cargo do Poder Legislativo, independente do governo ora no poder.
Mas a grande dificuldade desse ponto de vista é a que está abarcado entre as chamadas cláusulas pétreas da nossa Constituição Federal o artigo 5o. Este tipifica em um de seus incisos: “XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” No Direito, esse principio é conhecido como Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição ou Princípio do Acesso à Justiça. Este princípio deixa claro que é assegurado a qualquer que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos, a possibilidade de ingresso de ação perante os órgãos judiciários. Em outras palavras: tudo e qualquer coisa pode ser discutida na via judicial. Tudo e qualquer coisa.
Se isto é bom ou não, é outra questão. Mas esta foi uma escolha que fizemos, através dos nossos representantes, quando escrevemos a Constituição Federal. E essa foi uma das normas que intitulamos cláusula pétrea: ela é impassível de mudança perante uma emenda constitucional. Assim, uma reforma nas atribuições dos Poderes Constitucionais para reordenar as funções típicas e atípicas de cada um deles, dando limites às atuações e esquadrinhando devidamente a atuação dos órgãos judiciários a limites pertinentes ao esperado pela classe política e pela população, só seria possível perante uma nova constituinte.
Assim, apesar do ímpeto do Presidente da República em reduzir o ativismo judicial, especialmente na sua interferência na atividade política, a verdade é que sob a atual ordem jurídica, essa será uma questão, acima de tudo, também política: os partidos precisariam recuar voluntariamente em impetrar ações judiciais quando estiverem insatisfeitos com uma decisão política. Teria que ser voluntário, pois eles indubitavelmente têm esse direito perante a Carta Magna.
Se isso vai acontecer? Com certeza não!