Tem ganhado destaque nos últimos dias as críticas do governo e seus apoiadores sobre a condução da política monetária pelo Banco Central, em especial a manutenção da taxa Selic em seu atual patamar de 13,75%. De fato, ao descontar a inflação esperada para os próximos 12 meses, em 5,70% de acordo com a Pesquisa Focus divulgada em 13/fevereiro, temos uma taxa real ex-ante de 7,6%, o que coloca o Brasil no topo das taxas de juros reais dentre as economias relevantes. Diante disso, o crescente inconformismo do presidente Lula com o tema, resultando na subida de tom nos ataques à autoridade monetária e seu presidente, Roberto Campos Neto.
No entanto, se a pergunta é “por que os juros são tão altos no Brasil”, é importante lembrarmos que já encontramos o caminho para alterar este quadro há alguns anos. E, lamentavelmente, parece que o esquecemos. Em 2015, após anos de condução leniente da política monetária e de políticas desenvolvimentistas que geraram a maior crise econômica e fiscal em décadas, o Banco Central posicionou a taxa Selic em 14,25%, nível muito similar ao atual. À época, representava a maior taxa básica de juros desde 2006, em uma tentativa de correção dos rumos da política econômica visando conter o grave quadro inflacionário, que resultou no IPCA de 10,7% no ano de 2015.
Porém, apenas com a completa guinada nas diretrizes econômicas a partir de 2016, diante da mudança de governo, o Brasil partiu para uma agenda que forneceu as bases para uma queda consistente e sustentável das taxas de juros. De um lado, políticas fiscais e parafiscais de curto prazo foram reorientadas no sentido de reversão do expansionismo, seja com o enxugamento de programas de investimento do governo e das estatais ou com a redução drástica das concessões de crédito subsidiado através de bancos públicos, em especial o BNDES. Mas para além de mudanças conjunturais, o grande legado deste período foram as reformas institucionais, que efetivamente alteraram a percepção de risco fiscal do País e permitiram a ocorrência de uma queda sem precedentes do custo do capital – notem a menção mais abrangente, pois não basta apenas reduzir a Selic, mas sim toda a estrutura a termo da taxa de juros, o que só ocorre com a melhora dos fundamentos.
Nesse aspecto, destacam-se algumas reformas como o teto de gastos (Emenda Constitucional 95/2016), a criação da Taxa de Longo Prazo, ou TLP, (Lei nº 13.483/2017) e a Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019) . Como consequência, não apenas a Selic pôde ser drasticamente reduzida, de 14,25% vigente até setembro de 2016 até o então inédito patamar de 4,5% em dezembro de 2019, mas também as taxas de juros mais longas passaram pelo mesmo processo. De acordo com dados extraídos do site do Tesouro Nacional, a taxa real de juros de uma NTN-B com vencimento em 2035 negociada pelo Tesouro Direto foi, em média, de 6,2% em 2014, 6,6% em 2015 e 6,3% em 2016. Após os ajustes econômicos e fiscais citados acima, a taxa real para este mesmo título recuou para 3,8% na média de 2019. Se considerarmos apenas o último trimestre de 2019, ou seja, após a aprovação final da Reforma da Previdência, a média para esta mesma taxa foi apenas de 3,1%. Ou seja, prova cabal de que os mercados alteraram totalmente a precificação de risco fiscal do País, passando a exigir uma taxa de financiamento bem abaixo do padrão histórico diante das reformas e da reorientação promovida.
Este comportamento do mercado joga por terra, inclusive, um falso argumento de que as medidas de austeridade fiscal visam tão somente beneficiar supostos rentistas e banqueiros. Pelo contrário, as reformas que indicaram uma menor necessidade de financiamento por parte do Governo nos anos à frente, de forma nada surpreendente, reduziram drasticamente as taxas de juros negociadas nos mercados. E também de forma não surpreendente, quando houve mudanças ainda no governo anterior que apontavam um caminho inverso – como as iniciativas que alteraram a regra do teto de gastos – os mercados rapidamente se ajustaram e passaram a exigir taxas maiores para financiar o Tesouro. Na mesma comparação, a média da taxa real da mesma NTN-B com vencimento em 2035 atingiu 5,8% no ano passado, já alcançando 6,3% neste início de 2023.
Em suma, não é tão difícil explicar o porquê do Brasil ter taxas de juros elevadas, muito menos o que precisa ser feito para que estas caiam de forma sustentável. Tal objetivo já foi logrado em um passado recente, com um receituário bastante conhecido: disciplina fiscal e reformas que limitam a expansão dos gastos, sinalizando uma menor dependência do Tesouro de financiamento e a sustentabilidade da dívida pública. Por outro lado, é possível afirmar com convicção que tentativas de redução dos juros de maneira arbitrária e em meio à piora de fundamentos fiscais não serão bem sucedidas. Mesmo que o Banco Central e seu Comitê de Política Monetária embarcassem na ideia voluntarista de reduzir a Selic sem o suporte dos fundamentos, algo altamente improvável, a curva de juros faria o seu trabalho, impondo uma forte pressão nas taxas médias e longas – além de outros efeitos a serem observados, como desancoragem de expectativas, desvalorização cambial e queda da confiança. Com isso, o governo obteria um resultado oposto ao desejado, tendo em vista o aumento resultante do custo do capital e da incerteza, com a consequente piora da dinâmica da dívida e da atividade econômica.
*Por Silvio Campos Neto